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1.3 A Relação Tecnologia e a Organização do trabalho

1.3.2 Fases da Organização do Processo de Trabalho

Na história da industrialização capitalista podem ser distintas pelo menos quatro diferentes etapas da organização do processo de trabalho e conseqüente desenvolvimento tecnológico, como se observa nos trabalhos de Schmitz (1988), Ferreira (1987), Crivellari (2003), entre outros, tendo como base a “matriz marxiana”, no que tange os três princípios de produção:

(a) a Cooperação Simples, caracterizada pela reunião dos trabalhadores num mesmo lugar, sob as ordens do capital ou seus gerentes. Este princípio difere do artesanal apenas em termos de quantidade de produção, em escala, obtida pelo uso de forças e de trabalho coletivo. O sobretrabalho era conseguido pelo aumento da duração e da intensidade do trabalho, mantendo-se a tecnologia artesanal e a homogeneidade das operações. Este princípio é também caracterizado pelo início da separação entre a concepção e a execução do trabalho;

(b) a Manufatura, marcada pela Divisão Manufatureira do Trabalho (DMT), é baseada em dois princípios distintos, porém integrados: a decomposição e fragmentação do ofício e a especialização obtidas pela fixação de cada trabalhador em determinado segmento do processo de trabalho, resultando na criação “de um coletivo operário formado pelo conjunto de trabalhadores parciais”, como observa Ferreira (1987). Até essa fase, as características são de transição do feudalismo para o capitalismo, em que, apesar de mudanças significativas na organização do trabalho, não ocorre, ainda, quase nenhuma transformação na configuração técnico-material, se não o parcelamento considerável do processo, passando o trabalho a ser organizado, do ponto de vista da estrutura da hierarquia de forças de trabalho, em função das habilidades e forças necessárias para a execução de determinada tarefa;

(c) a Maquinofatura, surge em decorrência da revolução ocorrida na base técnica do trabalho com o uso da força mecânica como instrumento produtivo, culminando com a subordinação progressiva da força natural à força motriz. A força produtiva é constituída, predominantemente, por trabalhadores não-qualificados – os operários e seus auxiliares –

e um número bastante restrito de técnicos e engenheiros. A divisão do trabalho é determinada pela configuração do sistema de máquinas;

(d) a Automação, de base microeletrônica, numa fase posterior às da “matriz marxiana”, surge em decorrência da introdução e difusão da utilização da microeletrônica no processo produtivo. Com isso, sobretudo nas “indústrias de processo contínuo”, a principal tarefa do trabalhador passa a ser a de monitorar a atividade das máquinas. Vale lembrar que, sob o comando do capital, as novas tecnologias adotadas na automação, em especial no sistema produtivo, potencializam a diminuição do tempo necessário para a produção - pela supressão das porosidades do processo de trabalho – e o aumento da produtividade.

Reitera-se que estas etapas perpassam a evolução das formas de divisão do trabalho, não de maneira homogênea, como salientam Boyer e Coriat (1984)37, citados por Ferreira (1987). Para os autores, “não existe uma trajetória de evolução fundada em um princípio único”, podendo ser definidos pelo menos dois grandes tipos de processos de trabalho, baseados em duas formas distintas de “economia de tempo”: um nas indústrias de série e outro nas indústrias de processo contínuo, frutos de duas trajetórias distintas e fundadas em princípios, ao mesmo tempo, tecnológicos e organizacionais.

Em relação às indústrias de série, apesar da grande evolução da tecnologia, o taylorismo e o fordismo apresentavam-se, conforme se observa em Ferreira (1987), como as formas de divisão do trabalho predominantes. Hoje, entretanto, aponta-se para uma possibilidade de hibridação, isto é, com um taylorismo/fordismo automatizado ou associado aos modelos japonês e sueco ou ainda o chamado taylorismo flexível, como designa Lojkine (1995).

Entre as formas tradicionais, o taylorismo é caracterizado pelo aperfeiçoamento da divisão do trabalho38, sobretudo relacionado à separação entre a concepção e a execução, e o seu processo sobrejaz a três etapas distintas, a saber: (a) a da observação e redução da tarefa aos seus elementos mais simples; (b) a da reunião, seleção e sistematização destes elementos pela

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BOYER, R., CORIAT, B. Marx, la technique et la dynamique longue de l’ accumulation. Paris, CEPREMAP, doc. 8414, 1984. Nesse sentido, Ferreira (1987) argumenta que as interpretações destas etapas que colocam o processo de trabalho num quadro de evolução linear, apresentam uma visão reducionista da história das formas capitalistas do processo de produção e tendem a homogeneizar as configurações do processo de trabalho dominante em cada indústria.

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Com a decomposição dos ofícios ocorridos na manufatura, a “fábrica” herda, de antemão, e, sobretudo, reforça a divisão do trabalho e a desqualificação do trabalhador, culminando com a hiperqualificação de minorias e o surgimento do trabalhador massa.

gerência; (c) e a da determinação e detalhamento da “melhor forma” de execução a ser prescrita ao trabalhador. Para Ferreira (1987), “a sua lógica conduz à limitação do papel dos operários à execução de um trabalho extremamente fragmentado, repetitivo e monótono, prévia e minuciosamente definido pela gerência”39. Sobre a questão, Leite (1994) destaca que

Taylor propôs que a gerência reunisse o conhecimento sobre o trabalho anteriormente possuído pelos trabalhadores e eliminasse toda a atividade de concepção do chão de fábrica, concentrando-a nos escritórios de planejamento [sendo a racionalização da produção dada] a partir da definição dos modos e dos tempos de produção, estabelecendo rigidamente os rendimentos dos trabalhadores (LEITE, 1994, p. 60).

Portanto, e ainda de acordo com a autora, a fragmentação e simplificação propostas por Taylor visavam a redução e transferência, para a gerência, do controle que o trabalhador direto tinha sobre o processo produtivo. Assim, desqualificado o ofício, seria mais fácil a substituição do trabalhador por uma mão-de-obra não-qualificada – o operário-massa - além de garantir o controle da intensidade de trabalho, submetendo-o, do ponto de vista hierárquico, a uma forte vigilância e fiscalização.

Convém mencionar que, a despeito das mudanças que ocorrem no taylorismo, em termos de organização do trabalho, estas não compreendem uma transformação profunda na base técnica de produção; isto é, o taylorismo não inclui o desenvolvimento da tecnologia, embora a racionalização do trabalho tenha favorecido uma certa renovação e aperfeiçoamento dos meios de trabalho.

O fordismo40, por sua vez e na seqüência, acentua a divisão do trabalho entre a concepção e a execução, bem como o parcelamento e simplificação das tarefas.

A concepção fordista, desta forma, introduz novos elementos no que concerne à regulação do sistema de trabalho, reduzindo, sensivelmente, a “porosidade da jornada de trabalho” pela introdução da linha de montagem e uso da política de salários na gestão da mão-de-obra. A introdução da linha de montagem representou a mecanização da circulação de objetos e meios de trabalho no decorrer do processo produtivo, em que a integração foi complementada pela

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A questão da fragmentação progressiva das tarefas é levada em conta, inclusive no recrutamento, buscando-se, assim, trabalhadores para ocuparem as parcelas detalhada e previamente definidas, incluindo o tempo a ser gasto na sua execução.

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Analisado sob o princípio geral da organização da produção, que compreende o paradigma tecnológico, a forma de organização do trabalho e estilo de gestão.

“fixação dos operários a postos de trabalho cuja localização é rigorosamente determinada pela configuração do sistema de máquinas”. Assim, o trabalho passa a ser cadenciado pela velocidade da linha de montagem.

Diferente da organização taylorista, ocorrem, no fordismo, transformações na configuração técnico-organizacional do processo do trabalho que levam à instauração de “novas normas de produção”: à produção em grande escala e em série de mercadorias padronizadas e de baixo custo. De acordo com Ferreira (1987), estas transformações viabilizam o deslanchar da “produção capitalista de massa” que, por sua vez, associa-se ao consumo de massa.

O fordismo, do ponto de vista da estrutura hierárquica, ao aprofundar a separação entre a concepção e a execução, acentua também a vigilância e a fiscalização sobre o trabalhador, embora de um modo diferente ao do taylorismo, que propunha um relacionamento individual com o trabalhador41, o que fica impraticável com a correia mecânica.

Nas indústrias de produção em fluxo contínuo42 (indústrias de processo contínuo), por seu turno - e diferente da indústria em série quanto à economia de tempo, em que o ritmo de produção é determinado pelo ritmo de trabalho por tempos alocados e tempos impostos43 e o rendimento conseguido pelo aumento da intensidade do trabalho - os rendimentos são obtidos das instalações; ou seja, estão diretamente relacionados à taxa de utilização da capacidade instalada. Nessas indústrias, de forma também divergente das de série quanto à tecnologia de produção, há um abandono da tendência da divisão do trabalho baseado em postos fixos e a intervenção humana no fluxo de produção é bastante limitada, isto é, intervindo apenas na supervisão e controle, sobretudo em níveis elevados de automação, a partir da década de 70 e 80, com o emprego da eletrônica e da informática.

De um modo geral, vale o destaque de que, apesar de algumas diferenças, a complementaridade taylorismo/fordismo é evidente, dando seqüência, por um lado, à manufatura, e, por outro, do ponto de vista do capital, revolucionando a “fábrica” até as

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Com o pagamento diferenciado dos salários, suscitando a competitividade entre os próprios trabalhadores.

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Nos processos de escritório, em que podem ser inseridas as bibliotecas, encontramos um fluxo semelhante em bibliotecas virtuais, podendo, as tradicionais serem caracterizadas como “produção em série”, dada a natureza e insumos das suas atividades.

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Em que o tempo a ser gasto na execução de cada tarefa é determinado pela gerência (tempos alocados); e no qual a cadência do trabalho é regulada de forma mecânica e exterior ao trabalho (tempos impostos) (FERREIRA

mutações e “novas” formas de gestão verificadas, sobretudo, a partir dos anos 70, contribuindo, para isso, entre outros fatores, o desenvolvimento da automação microeletrônica.

Importa, também, ressaltar que estes são eventos ocorridos essencialmente nos países desenvolvidos, visto que, no mesmo período, aos países em desenvolvimento cabia a extração de matérias-primas, agricultura, etc., além de que, com a crescente especialização da maquinaria, passou-se para as áreas periféricas um certo tipo de manufatura, cabendo aos principais centros de produção, o trabalho altamente qualificado, como destacam alguns autores, entre eles Schimitz (1988).

1.3.3 Automação de Base Microeletrônica e a Organização do Processo de Trabalho: