• Nenhum resultado encontrado

3.1 Moçambique e África do Sul: do Pré-colonial ao Colonial

3.1.1 O Império de Mwenemotapa

Foi fundado no século XIV, por volta do ano de 1325 (FRELIMO, 1971, p. 5), pelos Makaranga (da dos Chonas, que era um povo de tradição patrilinear145), que se deslocaram para a região central da África Austral (hoje, região do Zimbabwe). Com a sua expansão, através de alianças e algumas conquistas de território, o Império se estendia desde o Rio Zambeze ao Limpopo (Norte-Sul); e desde o deserto de Calahari ao Oceano Índico (Oeste- Este).

O Grande Zimbabwe146 era a sua Sede, como centro da vida espiritual, militar, política e econômica, sobretudo entre os séculos XV e XVII, período do auge e queda do Império.

144

Convencionado Monomotapa, em português.

145

Em que, em caso de morte do Rei, o filho mais velho é que ascendia ao poder.

146

O Império inicia como uma sociedade semi-feudal e, como tal, sob a autoridade de um Chefe (o Grande Rei: o Mwenemotapa, que significa senhor das Minas), tendo vários outros chefes sob a sua autoridade. Estes reis tinham autoridade política, jurídica, religiosa e administrativa sobre os seus territórios, o que incluía a cobrança de tributos que eram pagos anualmente ao Mwenemotapa. Nesse estágio, de democracia tribal, aos chefes cabia-lhes, além desse controle, garantir que as reservas, especialmente alimentares, chegassem para suprir as necessidades das populações, em particular nos momentos mais difíceis da .

Com o tempo, entretanto, a crescente divisão do trabalho – com trabalhadores das minas, por um lado, e os da agricultura, por outro – leva a mudanças profundas no seio das s. Nesse período – início do séc. XV, o de maior crescimento do Império - alguns clãs que se instalaram em regiões mais ricas em minério começaram a enriquecer muito mais que os outros, estabelecendo-se, com isso, as desigualdades entre clãs e s e a conseqüente estratificação social. Essa foi também a época em que se intensifica o comércio com a costa oriental, para onde os mercadores se deslocavam para as trocas comercias (em que se trocava ouro, ferro e outros metais por tecidos de algodão, missangas, colares, entre outros) com os árabes; comércio este que era controlado diretamente pelos funcionários do Mwenemotapa.

Assim, de semi-feudal, o Império entra numa fase de regime feudal, em que, gradativamente, não só as terras e os instrumentos de trabalho mas também as próprias pessoas passaram a pertencer ao Rei.

Com a intensificação do comércio, entretanto, além dos reis, entram em cena os comerciantes também como figuras importantes. Ou seja, nesse cenário, as pessoas passaram a trabalhar para os reis e, em troca, recebiam salário. O salário, nesse caso, era pago em minério que, por sua vez, era usado pelos comerciantes como moeda de troca, o que os enriquecia muito e mais rápido, às custas, portanto, do trabalho da maioria.

Essa situação permanece até à chegada dos portugueses, em 1498, que selam o declínio do Império de Mwenemotapa. Os portugueses, pouco depois, ao derrotarem e substituirem os árabes147 no comércio com os povos do Mwenemotapa, queriam ter acesso não apenas às vias

147

Diferente da presença nefasta dos portugueses, os árabes – que há muito participavam do comércio com os povos do Império - não tinham nenhum propósito de conquista, apesar de alguma exploração e de algumas vantagens comerciais.

de escoamento, mas também às zonas produtivas. Para isso, durante os séculos XVI e XVII, foram reduzindo a influência do Mwenemotapa.

O avanço dos portugueses ocorre com relativa rapidez, espalhando, em várias frentes, rastros de destruição, que levam à desorganização política e econômica do Império, interrompendo, sobretudo no Mwenemotapa, a sua civilização, inclusive a evolução técnica. Sobre essa civilização, é importante afirmar que, de acordo com alguns escritos, os povos do Mwenemotapa estavam num nível de evolução igual ou superior à européia. Isto é, para alguns autores,“ [...] as construções mostram que eles tinham o domínio da tecnologia local e [que] [...] tinham uma técnica de extração dos metais tão desenvolvida, a escavação de túneis subterrâneos, que muito espantou os portugueses que nunca tinham visto uma coisa igual” (FRELIMO, 1971, p. 33).

Relativamente à queda do Mwenemotapa, cabe a referência de que pelo menos três fatores principais contribuíram para isso: por um lado, (1) os efeitos da própria estratificação social e as disputas internas pelo poder. Ou seja, no auge do Império, as populações já haviam se apercebido de que o antigo sistema igualitário de distribuição de riquezas havia desaparecido, o que fez com que, paralelamente à “prosperidade”, surgissem, com alguma freqüência, focos de revolta e de guerrilhas entre as s e, dentro de algumas etnias, revoltas contra o chefe (cujos motivos incluem a cobiça pelo lugar e pelos privilégios do chefe); (2) por outro lado (e sobretudo) a chegada dos portugueses que, diante das divergências entre os reinos, aproveitaram para ganhar terreno, incitando e apoiando os ataques de uns contra os outros. Sobre a presença portuguesa, vale salientar, desde já, que o seu domínio nunca foi fácil. Na realidade, estes povos, acostumados a uma relação de igualdade com os árabes, para não se submeterem, preferiam voltar à agricultura e à pastorícia, ao mesmo tempo em que aumentavam significativamente a resistência ao tal domínio. A estes, era comum esquecerem- se das lutas inter-étnicas para enfrentarem o inimigo comum. (3) Também concorreu para a queda do Império o fato de que rei após rei tinha objetivos de conquista e de maior controle sobre as riquezas do território, o que, paradoxalmente, aumentava as dificuldades de transporte e de comunicação, levando ao isolamento dos reinados uns dos outros, “desintegrando-os” e com eles, o Império, além de dificultar, cada vez mais, o comércio com os árabes que, também e por sua vez, passaram a incitar as revoltas contra os reis e a disputa entre as dinastias.

Com o enfraquecimento do Mwenemotapa, por volta de 1600, duas civilizações passaram a coexistir no território que fora de Mwenemotapa: a própria dinastia de Mwenemotapa e a de Changamire. Diferente da de Mwenemotapa - cujas constantes lutas contra os portugueses impediram o desenvolvimento da sua civilização - a localização geográfica dos Changamine (mais ao sul e no interior do continente) fez com que ela sofresse, até então, pouca influência dos portugueses, o que a favoreceu na disputa com a de Mwenemotapa, absorvendo-a.

Mas, ainda nos idos de 1600, após absorver a dinastia de Mwenemotapa, o Mambo – nome que se dava ao (novo) Grande Rei – estabeleceu e intensificou as relações comerciais com os portugueses, como forma de aumentar os seus domínios e obter vantagens sob os demais reinos, ao mesmo tempo em que dos portugueses ganhava altos tributos em gêneros e dinheiro. Entretanto, mais do que tributos, o “tratado de paz” com os portugueses custava ao Rei a entrega do Mapa das Minas e de grandes quantidades de terras; terras essas que, grande parte e mais tarde, foram entregues aos degradados para o “sistema de prazos”, que se tornou o maior sistema de produção148 da administração portuguesa, no séc. XVII.