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1.3 A Relação Tecnologia e a Organização do trabalho

1.3.3 Automação de Base Microeletrônica e a Organização do Processo de

Com o advento da microeletrônica, sobretudo entre as décadas de 70 e 80, são registradas alterações sem precedentes no sistema produtivo e com maior intensidade nas indústrias de processo contínuo.

É de referir que, com a automação microeletrônica, não é apenas a tecnologia tradicional que é posta em questão, mas sim, todo o padrão tecnológico, excluindo, portanto, a possibilidade de se tratar desse processo de forma isolada da questão sócio-organizacional.

No plano tecnológico, estudos, a exemplo do trabalho de Salerno (1994), mostram que as tecnologias mais modernas têm sido aplicadas no sentido de atender as exigências de modificações do produto sem mudanças profundas do sistema. A técnica, dessa maneira, mostra-se flexível o suficiente para que fosse utilizada em diferentes situações, de acordo com as flutuações do mercado, aumentando ou diminuindo a produção, mantendo ou variando o produto. De forma ordenada e sucessiva, ela cria a possibilidade para uma maior continuidade e integração entre as várias fases do processo de produção, reduzindo, com isso, os “tempos mortos”, além de possibilitar a produção em tempos “ocultos” (executando, simultaneamente, duas ou mais operações – Coriat, 1988, p. 29); contrapondo, assim, o esquema tradicional em que a organização do trabalho estava sujeita à disposição da correia mecânica.

No campo organizacional, são apontadas inovações que podem ser percebidas em dois principais âmbitos - externo e interno - e em diferentes esferas, como se pode depreender do trabalho de Salerno (1994):

(a) inovação na relação entre as organizações, que comporta a terceirização, sublocação de mão-de-obra;

(b) inovação na relação geral da organização, comportando a redução de níveis hierárquicos, redivisão das áreas de competências com quebra das divisões funcionais, entre outros; (c) inovação na organização da produção, em que se busca a redução do tempo de

atravessamento44, aumento do giro do capital e redução de estoques, a exemplo da adoção do sistema just-in-time e de produção em células;

(d) além de inovações na organização do trabalho, rompendo com a noção de tarefas e de postos fixos de trabalho, princípios ímpares da OCT.

Nesse cenário, portanto, aponta-se a possibilidade de um tipo de organização integrada e flexível, em que, para alguns autores, o Japão apresenta um exemplo do modelo - o toyotismo, para alguns autores - baseado na produção diversificada, em pequenos lotes e na utilização de mão-de-obra qualificada e multifuncional; baseado no atendimento à demanda através do estoque mínimo; na eliminação de desperdícios; no uso de sistemas de informações precisos, trabalho em equipe (ou grupo); e sugerindo um nível mínimo de verticalização, o que privilegia a comunicação horizontal entre os trabalhadores. Ou seja, tem como características,

O trabalho cooperativo em equipe, a falta de demarcação das tarefas a partir dos postos de trabalho e tarefas prescritas a indivíduos, o que implica num funcionamento fundado sobre a polivalência e rotação de tarefas [...] O trabalhador japonês, polivalente e multifuncional, não tem uma visão parcial e fragmentada, mas uma visão de conjunto do processo de trabalho em que se insere (MAGAUD e SUGITA, 199245 apud HIRATA, 1994, p. 130).

Ainda nesse prisma, um outro modelo anunciado é o chamado modelo sueco, “... baseado no trabalho em grupo, na união da execução e concepção, no enriquecimento dos cargos com a junção de tarefas antes separadas pela divisão do trabalho, na qualificação dos operários

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Que é o tempo gasto entre as diferentes fases ou etapas de um mesmo processo de produção. Refere-se ao tempo que a matéria-prima demora, desde a entrada na organização, até ser incorporada como produto.

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MAGAUD, J., SUGITA, K. A propôs d’une comparation franco-japonaise: lê retour des réseaux. In: HIRATA, H. (ed). Autour du modele japonais. Paris: Harmattan, no prelo.

(Leite, 1991, p. 145)46. O modelo é também marcado pelo abandono da linha de montagem fordista, uso de pessoal qualificado, estrutura hierárquica pouco rígida e com acentuada colaboração entre os níveis existentes.

Entretanto, para outros autores, a acumulação flexível, como é por eles designado, de um modo geral, é, para o capital, tanto uma forma de maior exploração quanto de maior controle sobre a força de trabalho (ABRAMIDES e CABRAL, 2003, p. 4). Para estes autores,

A reestruturação produtiva está baseada em aumento de produtividade, eficiência, qualidade, novas formas de tecnologia e gestão, efetivando-se por intermédio das inovações tecnológicas. Desse processo de trabalho advém basicamente a precarização e desestruturação das relações clássicas de produção, de gerenciamento e de envolvimento da força de trabalho (ANTUNES47 apud ABRAMIDES e CABRAL, 2003, p. 4).

Ainda de acordo com esta corrente, neste sentido, o capital “promove uma ofensiva ideológica maciça, através, por exemplo [...], da mística do computador, etc.” (PALLOIX, 1982, p. 91), em que, para Humphrey (1994)48, citado por Crivellari (2003), “o próprio arranjo físico do just-in-time [...] estabelece uma situação de poder e controle recíproco entre os trabalhadores, desonerando do encargo de vigiar”; ou seja, “... [o processo de trabalho em curso] estabelece o “envolvimento cooptado” em que a subsunção do trabalhador ao capital é superior à existente nos processos de trabalho anteriores, em que na nova lógica organizacional o trabalhador passa a ser o controlador de si mesmo” (ABRAMIDES e CABRAL, 2003, p. 5). Relativamente ao modelo sueco, alguns estudos, a exemplo dos apresentados por Lojkine (1995), mostram que, na prática, este também não está isento do mito. Ou seja, permanecem, tanto o controle externo do trabalho, uma vez que o ritmo de trabalho é determinado externamente e este planejamento pela gerência, quanto a concepção da linha de montagem: não para o trabalhador individualmente, mas como grupo; para a célula. Contudo, não se pode negar que há, por parte do trabalhador, uma autonomia relativa, se comparado às formas tradicionais de organização de trabalho.

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A autora salienta, entretanto, que as transformações ocorridas na organização do trabalho nas empresas suecas deve ser entendidas dentro do contexto social, político, econômico e cultural que governam as relações entre classes naquele país: marcado pela forte tradição de negociação entre as partes.

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ANTUNES, R. Lutas sociais e desenho societal no Brasil dos anos 90. Revista Crítica Marxista. São Paulo: Xamã, VM, n. 7, 1998.

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HUMPHREY, John. O impacto das técnicas “japonesas” de administração na indústria brasileira. In: Novos

Ou seja, sobre o assunto há uma terceira vertente para a qual - e embora reconheça o risco da precarização do trabalho - o uso das novas tecnologias nesses processos não é, em si, desqualificador, podendo ser identificadas formas concretas de integração das duas perspectivas que favoreçam a ampliação de oportunidades (por parte do trabalhador) para o desempenho de funções mais complexas que exijam dele habilidades conceituais e intelectuais. Para esta vertente, estas perspectivas, embora conflitantes e em permanente tensão, não são mutuamente exclusivas, isto é, elas podem coexistir, cabendo, portanto, à sociedade (via sociologia das qualificações) e às organizações (através da gestão dos processos de trabalho e da produção) superar o paradigma da polarização das qualificações em prol do “modelo da competência” (HIRATA, 1994). Para a autora, citando Zarifian (1992)49, esta postura pressupõe um cuidado com o sujeito e com as relações de produção não somente objetivas, mas também subjetivas.

Do que se pode depreender, o modelo solicita das empresas uma visão mais estratégica no concernente à gestão da mão-de-obra, tida como uma das componentes vitais na reestruturação organizacional. Ele pressupõe, do ponto de vista da estrutura organizativa, a redução dos níveis hierárquicos, da rigidez nas relações de trabalho, que favoreçam a participação efetiva dos executores nas diferentes fases do processo de trabalho em que sejam designados para a realização, não de tarefas50, mas sim de atividades.

A expectativa é de que, com estas mudanças, parte importante do papel que outrora estava reservado a um pequeno e seleto grupo de gerentes e engenheiros fosse desempenhado pelos operadores que passariam a ser responsáveis pela gestão do fluxo, variabilidade e vulnerabilidade da produção, assumindo, inclusive a manutenção geral, além de intervir no curso da atividade e em situações imprevistas, garantindo, assim, a redução de incidentes e, conseqüentemente, dos custos. Para isso, salienta-se, é também importante valorizar o saber tácito, sobretudo em situações não previstas.

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ZARIFIAN, Philipe. Vers une sociologie de l’organization industrielle: um itinéraire de recherche, coopération, qualification, gestion, organization em milieu industriel. Nanterre: Université Paris X-Ecole Nationale dês Ponts et Chaussés, 1992.

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Que pressupõe a execução de procedimentos prescritos, incluindo o modo e tempo a ser gasto, sem a intervenção criativa do executor.

Sobre esse aspecto, cabe a referência de que os imprevistos ainda não foram eliminados, mesmo em níveis mais avançados da automação (FERREIRA, 1987), daí a importância do julgamento humano. Nesse sentido, para este autor,

[...] é necessário frisar que, ao contrário do que se possa talvez imaginar, esses eventos imprevistos [...] devem ser considerados como parte integrante do trabalho operário nestas indústrias [processo contínuo], pois eles fazem parte da rotina de produção e não foram ainda eliminados, mesmo em níveis mais avançados da automação... (FERREIRA, 1987, p. 21).

Mais ainda, Ferreira et al (1997) salientam que,

A automação e a informatização, se resolvem alguns problemas, criam outros: a ação da mão-de-obra direta é fundamental nos imprevistos, panes, operação fora do planejado inicialmente, eventos que são muito mais frequentes do que se possa supor. E só uma mão-de-obra qualificada teórica e praticamente – ou seja, com experiência nos processos, produtos e mercados de dada fábrica, minimamente estável - pode exercer essas atividades não previstas, mas fundamentais (FERREIRA et al., 1997, p. 222).

Ou seja, como também refere Carvalho (1994, p. 101), “o acompanhamento de sistemas automatizados que estão evoluindo e sempre podem apresentar falhas inesperadas requer uma mão-de-obra responsável, atenta e conhecedora dos equipamentos”.

Ainda sob o prisma organizacional, e relativamente aos novos paradigmas, a questão da organização administrativa é também destacada neste cenário. Ela tem a incumbência de deflagrar a seqüência administrativa em consonância com os compromissos organizacionais, evitando, em última instância e no caso das bibliotecas, prejuízos no atendimento ao usuário. Formatada, em geral, por normas, ela perpassa todo o processo de organização do processo de trabalho, interferindo no tempo de atravessamento do produto, desde o processo de aquisição da matéria-prima ao atendimento ao cliente (aquisição bibliográfica ao atendimento efetivo ao usuário, ainda no caso da biblioteca), o que inclui desde questões logísticas51

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Não há intenção de aprofundar a abordagem sobre a questão logística - seu conceito, especificidades e desdobramentos – apenas, a partir do seu conceito, procura-se referir aos aspectos ligados à infra-estrutura subjacente ao processo em curso nos sistemas de bibliotecas, que é o empréstimo entre bibliotecas, cuja eficiência depende de um eficiente mecanismo de empréstimo, recolha e devolução do material. Prática que, embora avançada em alguns sistemas de bibliotecas, a sua teoria, entretanto, mostra-se incipiente. Nesses termos, a Council of Logistics Management (1993), refere-se à logística como “The process of planning, implementing, and controlling the efficient, cost effective flow of raw materials, in-process inventory, finished goods and related information from the point of origin to the point of consumption for the purpose of conforming to customer requirements” [Council of Logistics Management. Reuse and recycling reverse logistics opportunities. Illinois: CLM, 1993] - O processo de planejar, implementar e controlar eficientemente, o custo, o fluxo e armazenamento de matérias-primas e de estoque durante a produção e dos produtos acabados, e as informações

(aprovisionamento, transporte), às formas de relacionamento com outros setores externos. Sobre o aspecto, os modelos de divisão funcional, ordem, uniformidade, impessoalidade e rigidez hierárquica (típicas das formas burocráticas de organização) são colocadas em xeque, na medida em que não se adaptam ao ambiente.

1.3.3.1 Qualificação e Competência

O conceito de qualificação mostra-se, a partir da literatura, polissêmico, amplo, complexo e multifacetado. Nesse sentido, Crivellari e Melo (1989, p. 48) mencionam que o sistema de qualificação tem relação direta com um dado momento da divisão de trabalho e que, para alguns autores, “requer o estudo simultâneo da formação social do valor de uso e do valor de troca da força de trabalho, sendo a qualificação a articulação entre os dois”, aspectos que, por si, evidenciam a complexidade do tema. São vários os ângulos e as facetas através dos quais é possível um debate sobre a qualificação, entre eles, os relacionados à articulação/confrontação entre a qualificação dos postos de trabalho e a qualificação do trabalhador no sistema de trabalho, relacionados à articulação/combinação entre qualidades pessoais subjetivas e conhecimentos reconhecidos e objetivados no seio de sistemas profissionais. Isso entre outros ângulos apresentados por Dubar52 (apud CRIVELLARI e MELO, 1989, p. 52).

Numa outra diagonal, a qualificação é também vista sobre dois principais enfoques:

(a) relativamente aos impactos da introdução tecnológica sobre a qualificação do trabalhador, com posições defendendo a prevalência do aumento da qualificação do trabalhador, por um lado, e, por outro, posições defendendo a sua desqualificação. Nestes termos, se, por um lado, o aumento da qualificação está associada ao aumento das capacidades e habilidades para o trabalho, por outro, a noção da desqualificação é sintetizada por Crivellari e Melo (1989, p. 49) - com base em Friedmann (1950; 1963)53 - como uma

[...] mão-de-obra especializada (diferente de especialista, ou seja, não qualificada), executando um trabalho simples, parcelado e repetitivo, onde a iniciativa desaparece, a

relativas a essas atividades, desde o ponto de origem até o ponto de consumo, visando atender aos requisitos do cliente – tradução nossa.

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DUBAR, Claude. La qualification à travers lês journées de Nantes. In: Sociologie du travail. Paris, n. 1, 1987. Mais informações sobre o assunto, vide Crivellari e Mello (1989).

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FRIEDMANN, G. Problèmes humains du machinisme industriel. Paris, Gallimard, 1950; FRIEDMANN, G.

responsabilidade dilui, a ‘formação’ sendo feita através da aprendizagem de algumas rotinas e em pouco tempo. Enfim o treinamento desta mão de obra constituindo-se basicamente de gestos.

(b) a qualificação é discutida sob o viés das qualificações necessárias para gerar inovações tecnológicas; ou – o que interessa em primeiro plano no presente trabalho54 – sob o viés das habilidades necessárias para gerar capacitação tecnológica - no conceito apresentado por Carvalho (1994, p. 109) - como sendo a “capacidade das firmas de acumularem conhecimento tecnológico, que lhes permita evoluir numa cadeia que vai desde a compra e a utilização competentes de ‘pacotes’ tecnológicos até a capacidade de geração endógena de inovações”.

Ambos os enfoques, vale salientar, estão associados à relação da tecnologia55 com os “novos paradigmas organizacionais”, cuja emergência, segundo Hirata (1994), é bem representada pelo modelo empresarial japonês. Nesse sentido, no “novo paradigma” as qualificações são outras, se comparadas às do taylorismo/fordismo. Ou seja:

[...] trata-se da capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar e consertar, de administrar a produção e a qualidade a partir da linha, isto é, ser simultaneamente operário de produção e de manutenção, inspetor de qualidade e engenheiro (HIRATA, 1994, p. 130).

Por seu turno, da controvérsia entre os impactos das tecnologias sobre a qualificação, a superação do paradigma teórico da polarização das qualificações56 pela tese da requalificação, de acordo com Hirata, leva à emergência do modelo de competência57.

Na visão de Zarifian (1998), a noção de “competência” diferencia-se do trabalho prescrito, típico da concepção taylorista. Para o autor, nesse sentido, “os novos equipamentos levariam a um conhecimento mais aprofundado do ‘processo’ ao qual estariam aplicados, e que a competência [seria] um conhecimento mais aprofundado dos processos característicos de cada setor e, portanto, também dos equipamentos a eles diretamente associados” (ibidem, p. 6). Ainda de acordo com o mesmo autor, referindo-se à experiência francesa:

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Entretanto, como refere Schmitz (1988, p. 155), essas duas questões estão interligadas e têm vários pontos em comum, o que significa que abordar uma acaba, de algum modo, por focar a outra.

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Mas também fica claro que não são apenas as tecnologias que contam, mas também a adoção de novas condições de produção.

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Segundo o qual, as novas tecnologias reforçariam a divisão do trabalho e a desqualificação da mão-de-obra.

57

A respeito, Salerno (2004, p. 25) ressalta que “a polêmica sobre qualificação se sofistica com o tempo. Kern & Schumann (1989) reposicionam o debate, assim, surge a noção de competência. Hirata (1994) sintetiza a evolução do debate, abrangendo qualificação/desqualificação, polarização das qualificações, requalificação, e o chamado modelo de competência, que viria a ser conceituado de maneira mais precisa por Zarifian (2001)”.

[...] na maioria das indústrias, foram desenvolvidas muito mais formações e competências voltadas ao aprofundamento do conhecimento do processo e de equipamentos específicos do que as voltadas para os novos equipamentos da automatização [...] e a compreensão do processo tornou-se decisiva [embora] tenham sido desenvolvidas também, paralelamente, competências em manutenção de máquinas. Mas essas competências em manutenção, na realidade, são competências sobre a maneira pela qual a máquina participa do processo [...] não é a máquina ‘em si’ que importa, mas a solidariedade da máquina com o processo do qual se é responsável (ZARIFIAN, 1998, p. 6).

Nessa linha, Zarifian (1998) cita vários atributos da competência, entre eles, vale destacar a polivalência e o que o autor designou de competência de serviço. Em relação à polivalência, Zarifian faz notar que, na realidade, ela não existe a menos que seja para ampliar a superfície da competência da pessoa, isto é, ampliar para outros processos complementares ao já dominado; ampliar para outras disciplinas e funções58. Esta ampliação, no caso, “só pode realmente elevar o nível da competência se existe um sentido profissional unificado [...], mas não se esses processos não mantiverem qualquer relação entre si, e se o [profissional] estiver ‘deslocado’ para um outro processo apenas para desempenhar um papel de ‘tapa-buracos’” (ibidem, p.10-11), como ainda frisou o autor.

Em relação à competência de serviço, Zarifian sugere que não se trata de solicitar a um profissional que ele seja outra coisa se não o que ele já é, mas que o seja de outra maneira. Esta competência seria, então, um modo diferente de o profissional desempenhar as suas funções, questionando-se sobre o impacto e os benefícios que esse exercício teria, inclusive sobre o destinatário final; seria a prática da atenção, respeito e generosidade com o outro (Zarifian, 1998). Para isso, ainda sustenta o autor, é preciso conhecer e compreender os problemas de uso e do modo de vida dos clientes e usuários59.

Esses, entre outros atributos, portanto, junto com as novas qualificações, são associados e anunciados como inovação organizacional associada, por sua vez, não somente às novas tecnologias, mas também e especialmente, como refere Zarifian, à “mudança profunda nas organizações do trabalho e nas relações sociais no seio das empresas” (ibdm, p. 2).

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Polifuncionalidade, no conceito de Lojkine (1995, p. 73).

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Cliente/usuário que tem permanecido um ser abstrato e longínquo, do qual se ignoram as verdadeiras necessidades e usos, ainda de acordo com o autor.

Porém, em relação a essas propostas de inovação, é preciso não perder de vista a sua origem política e ideológica marcada, na realidade, pela necessidade das empresas de produzir mais valor.

Ademais, vale reiterar - de um modo geral em relação aos novos paradigmas organizacionais - que formatos preestabelecidos, tais como estrutura horizontal, trabalho em equipe ou em grupo, terceirização, etc., não representam, por si só, inovação, nas relações de de trabalho e de produção, podendo, inclusive, escamotear as relações de exploração do trabalho, como demonstram alguns autores, Abramides e Cabral (2003), entre outros. Ou seja, de um modo geral, esses formatos podem ser “... [adaptações interessantes], mas não acabam com os métodos antigos de organização [...]; [e os que dele participam podem constituir] um grupo de trabalhadores aparentemente autônomos, mas na realidade forçados a se submeterem à lógica do trabalho coletivo” (PALLOIX, 1982). Esses formatos podem levar à chamada polivalência vazia, isto é, em que a qualificação resume-se à capacidade de um único trabalhador operar, da mesma forma e simultaneamente, várias máquinas.

Grosso modo, portanto, salienta-se que a automação com base microeletrônica não é em si sinônimo do fim da divisão (hierárquica) do trabalho, e nem capaz de revogar o controle, pela gerência, do processo de trabalho. Em alguns casos, não passam de um taylorismo flexível, como testemunham alguns casos apresentados por Lojkine (1995).