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Da mesma maneira, as bibliotecas (bem como os processos de informatização), como microsistemas, são influenciadas por um ou outro ou mesmo pelo conjunto dos elementos do universo supradescrito. Uma das influências205 está patente no modelo de informatização (ou de adoção tecnológica) assumido por essas bibliotecas, como resultado das mudanças políticas e que é mais perceptível nos sistemas de bibliotecas sul-africanos. Um outro aspecto que pode ser aqui destacado, e no caso de Moçambique e África do Sul, é a interferência direta dos financiadores estrangeiros no processo. Em relação a este último aspecto, vale afirmar que, embora o Sistema de bibliotecas da UFMG não tenha detalhado o procedimento, ele também recorre a outras fontes (externas) de financiamento.

Quanto ao modelo de adoção tecnológica - e diferente dos sistemas de bibliotecas brasileiros e moçambicanos, que optaram por um processo individual, isto é, em que cada universidade e sistema de biblioteca desenvolveu o seu próprio projeto/plano de informatização - as universidades sul-africanas desenvolveram os seus planos em consórcios, isto é, conjunto de sistemas de bibliotecas que se reúnem para compartilhar recursos. Nesse sentido, na experiência sul-africana, pelo menos duas modalidades podem ser distinguidas:

203

WOLFF, Robert Paul. O ideal da universidade. São Paulo, Ed. Unesp,1993.

204

O regime pós-laboral pressupõe a extensão do ensino diurno nesta Universidade. Entretanto, sendo essa uma universidade pública, o valor cobrado representa um típico caso de “aluguel da Universidade”.

205

(a) Os sistemas de bibliotecas que compartilham a mesma política administrativa (no que diz respeito à automação), os mesmos dados bibliográficos, o mesmo equipamento (caso do servidor, infra-estrutura, etc.), mas não compartilham o mesmo software, como é o caso do Consórcio GAELIC, em Johannesburg;

(b) Os sistemas de bibliotecas que compartilham a mesma política administrativa, os mesmos dados bibliográficos, o mesmo equipamento, inclusive o mesmo software, como é o caso do consórcio CALICO, em Cape Town, do qual o Sistema de Bibliotecas da UCT faz parte.

Com o fim do Apartheid, esses consórcios fazem parte da política governamental de estímulo à cooperação entre as instituições, neste caso, de ensino superior, como forma de eliminar (ou pelo menos reduzir) a defasagem entre as então universidades “historicamente privilegiadas” e as “historicamente em desvantagem”, reunindo-as, especificamente, num mesmo projeto de informatização, como explicita a Diretora do CALICO (Cape Library Cooperative):

O consórcio foi estabelecido em 1992. Foi principalmente motivado pelas transformações ocorridas na África do Sul, em que se pretendia um planejamento conjunto entre as instituições das duas partes, as brancas e as não-brancas, fazendo com que estas funcionem melhor. A outra coisa é que as bibliotecas saem de um nível individual e trabalham juntas para pleitear fundos, adquirir o sistema (software)... O consórcio faz com que as bibliotecas façam em equipe aquilo que seria mais difícil de forma individual. Assim podem trabalhar juntas, poupar dinheiro, compartilhar equipamentos, compartilhar software (dirigente sul-africana).

Ainda de acordo com a dirigente, o CALICO

[...] como parte da Cape Higher Education Consortium (CHEC) 206, foi criado como resultado da busca de alternativas de colaboração e cooperação entre as (até então cinco) instituições de ensino superior do [Estado de] Western Cape: a UCT, a University of Stellembosch, a University of Western Cape e a Cape Pennisula University of Technology. Nesses termos, hoje, as bibliotecas do CALICO estão aptas a fornecer o acesso a informações para todos os usuários do CALICO, o que possibilita uma economia de escala, justamente pela administração centralizada das bibliotecas no que se refere aos serviços de informação, como o acesso cada vez mais crescente de bases de dados eletrônicos, não só dos membros próximos do CALICO, mas também de outros consórcios de bibliotecas na África do Sul (dirigente sul-africana).

206

Organismo legal formado pelos quatro conselhos universitários das instituições do Estado de Western Cape com o objetivo de facilitar e expandir a cooperação entre si, no que diz respeito ao compartilhamento de infra- estruturas, bibliotecas, tecnologias de informação, treinamento do pessoal, entre outros, de interesse para os membros.

Isso, em parte, reforça a sugestão dos autores Darch, Rapp e Underwood (1999), segundo a qual falar das bibliotecas acadêmicas na África do Sul é também falar das transformações que vêm ocorrendo no país, com o fim do Apartheid (algumas das quais já vistas no capítulo anterior e nos tópicos acima, relacionadas, em particular, ao ensino superior). Em relação à África do Sul e às instituições aqui em tela, esses autores também fazem referência a um país, (a) por um lado, com características de “primeiro mundo”, com um grupo de pessoas e instituições com os mais altos níveis de educação, acesso aos sistemas de comunicação e facilidades de informação; características essas encontradas em áreas com instituições acadêmicas que, pela deliberação política do Apartheid, não sofreram restrições de financiamento e de recursos - entre as instituições estavam a Universidade de Cape Town (UCT) e (até pouco tempo) a Cape Technikon; (b) por outro lado, e em contrapartida, encontram-se áreas com altos índices de analfabetismo e com dificuldades de comunicação e informação; áreas cercadas pelas designadas “instituições historicamente em desvantagem”, entre elas, a (então) Peninsula Technikon ou a Universidade de Western Cape. Sobre o assunto, vale dizer que, entre as mudanças ocorridas com o fim do Apartheid e contidas no programa de reestruturação do próprio sistema de ensino superior (cf. Capítulo 3, p. 123), está, justamente, a transformação, por fusão, da Cape Technikon e da Pennisula Technikon em Cape Peninsula University of Technology, uma das instituições citadas na entrevista acima como parte do CALICO.

Assim, o CALICO, como projeto do Cape Higher Education Consortium (CHEC) e como coordenadora do processo de informatização, tem uma presença, ainda que virtual, nas estruturas dos sistemas de bibliotecas membros. As bibliotecas, em contrapartida, têm uma participação efetiva na estrutura do CALICO e do CHEC. Nesse caso, o CALICO não interfere na autonomia e na estrutura organizativa de cada instituição quanto à aplicação dos recursos para o aproveitamento dos serviços comuns, embora o contrário aconteça. É através do CALICO que é feita a gestão dos assuntos inerentes ao processo, desde a negociação dos recursos, negociação do software, das parcerias, treinamento, assistência relativamente avançada em relação ao software, formas de acesso e uso dos recursos, entre outros, como pode ser visto a partir da entrevista que se segue, que também permite visualizar a estruturação do Consórcio:

[...] o CALICO conta com a participação direta das bibliotecas. Do ponto de vista da estrutura organizacional, a biblioteca participa dos níveis de decisão [...] [O CALICO] deve gerir a cooperação entre bibliotecas, mas não ela mesma fornecer serviços

diretamente às instituições. Ele age como uma agência nos assuntos operacionais e de serviços a favor do coletivo dos seus membros.

O Quadro do CALICO é composto pelos Vice-Chancellors responsáveis pelas bibliotecas nas quatro instituições; por dois Diretores e pelo Diretor Executivo do CHEC, que é um membro de todos os Comitês do CHEC. Nos Comitês, entretanto, de tempos em tempos, podem ser solicitados os responsáveis por determinada área, IT, por exemplo, de acordo com os projetos em curso. Ao Comitê cabe providenciar novos projetos coletivos, traçar políticas e administrar os recursos humanos, aprovar o orçamento, proteger e promover os interesses acadêmicos dos usuários finais, aprovar e mediar comissões de serviço, avaliar o desempenho e mediar a resolução de conflitos. Aos seus membros é esperado que ajam da melhor forma sobre os interesses do Consórcio CALICO, que promovam os projetos com sucesso e assegurem que estes estão de acordo com a capacidade financeira e outras obrigações (dirigente sul- africana).

Esclarece, ainda a dirigente:

O Comitê dos Diretores da Biblioteca é uma comissão permanente do Quadro do CALICO, agindo como um comitê de aconselhamento. É composta pelos quatro Diretores das instituições membros, o Diretor do CALICO e um membro do Quadro [...] A Agencia CALICO, é composta pelo Diretor do CALICO, um Assistente Administrativo, uma Bibliotecária do Sistema e um Administrador do Sistema. Tem a responsabilidade de reportar regularmente ao Quadro do CALICO sobre como agregar valor aos serviços de biblioteca e dentro do orçamento e do cronograma estabelecido; têm de cuidar e reportar sobre o desempenho do software e hardware no consórcio e sobre o andamento das operações e dos serviços do CALICO... (dirigente sul-africana).

É também papel do CALICO gerenciar o processo em busca do consenso entre as instituições membro, gestão essa que não está limitada à informatização em si:

Entretanto, para o atual sistema funcionar, foram necessários acordos prévios de coalizão, antes mesmo da decisão pelo tipo de programa a ser usado pelas instituições. Foram acordos de partilha dos recursos da biblioteca, tanto diretamente ou via empréstimo entre bibliotecas. Para isso, teve que ser montada toda uma infra-estrutura, por exemplo, a “van” que diariamente passa pelas quatro universidades e suas satélites para recolher e devolver materiais do processo de empréstimo entre bibliotecas.

[...] Individualmente seria muito mais caro do que em conjunto, embora seja mais complicado gerir o conjunto. Cada um tem as suas expectativas. Foi um processo muito longo. Tivemos que formar uma comissão que ficou encarregada de discutir as modalidades do processo. Era um vai e vem... era preciso muita paciência para se chegar, não às necessidades muito particulares, mas aquilo que atendia, de um modo geral, todos os membros.

Enquanto isso, nos outros sistemas de bibliotecas analisados, o papel de gerir o processo de informatização e correlatos cabe diretamente aos respectivos centros coordenadores dos sistemas de bibliotecas (órgãos responsáveis por coordenar as atividades, especialmente

técnicas dos sistemas de bibliotecas) e em consonância com os planos das universidades, como mostra a entrevista a seguir:

O processo de informatização, tanto em Winisis assim como em Millennium, obedeceu a um plano de informatização. Esse plano - que nunca existiu no sistema de bibliotecas, mas que em 99 foi elaborado - veio a coincidir com o Plano Estratégico da Universidade Eduardo Mondlane, que pressupunha a informatização das bibliotecas e ligá-las à Internet e melhorar o acesso à informação na Universidade.

Para a implementação do primeiro projeto da Universidade, que é o MHO [Projeto que abrangia a Universidade como um todo para a parte da infra-estrutura tecnológica], portanto, tinha cinco projetos... o subprojeto II, o das bibliotecas e acesso à informação, tinha uma consultora holandesa que trabalhava com uma equipe da DSD [Direcção dos Serviços de Documentação, coordenadora do Sistema da UEM] (dirigente moçambicano).

Ou, como também sugere outro dirigente do Sistema da UEM (Moçambique):

[...] a idéia era de fazer com que tivéssemos uma uniformização do sistema. Tentamos fazer com que as bibliotecas fossem um sistema, e quando nós já apontávamos para essa via, já nos estava a ser oferecido um projeto pelos holandeses, que haviam de fazer uma doação. Então, propusemos que a componente biblioteca, informatização, sobretudo, fosse inclusa nesse pacote. Através do Centro de Informática e da própria Reitoria, soubemos que o projeto fora aprovado e que incluía a componente biblioteca [...] Mas fizemos para poder uniformizar as diferentes situações existentes no sistema de biblioteca (dirigente moçambicano – grifo nosso).

O sistema da UFMG, nesse sentido, vivia (e ainda vive) um momento particular: o da migração - numa terceira etapa de informatização, depois do Microisis (pequeno porte) e do VTLS (grande porte), norte-americano - para um outro software também de grande porte, o Pergamum, que é brasileiro. Entre os motivos estão, não necessariamente nessa ordem: o alto custo de manutenção do VTLS, a barreira lingüística, além dos problemas (acumulados) – aspecto que será abordado mais no Capítulo 6 – e que não foram solucionados pela fornecedora. Ou seja:

A primeira coisa que nos alertou foi o preço. A gente pagava no software antigo [VTLS] R$ 6.000,00 [aproximadamente USD 2,750.00] por mês de manutenção, fora o preço dele que era caríssimo, porque era um software americano e esse outro software, a gente viu que ia pagar só R$ 600,00 [aproximadamente USD 275.00] por mês. Então, quando a gente viu, eu disse: mas eu não vou decidir só por isso. Tem que ver a funcionalidade dele. Aí a gente foi e viu que faz praticamente as mesmas coisas [...] Então essas coisas todas nos levaram e, principalmente, não posso exagerar, o fato de ser um software nacional [foi relevante para a troca]. Acho que isso foi importantíssimo, porque uma vez que o outro é americano, eles fizeram o software para uma visão que é a deles: que o livro não é “patrimoniado”; que não tem roubo... o que não era o fato aqui. Então tinha que adaptar e ficava assim: nós trabalhamos o software e não o software trabalhando para nós...(dirigente brasileira).

O relatório do MEC... o MEC pede o relatório das bibliotecas. O software anterior não fornecia o relatório, provavelmente porque não é... lá não existe MEC. O software que nós adquirimos agora ele tem o relatório voltado para o MEC; nos moldes do MEC (dirigente brasileira).

Essas entrevistas, além das questões políticas intervenientes no processo (origem do software, questões lingüísticas, etc.), revela um dos fenômenos citados na parte introdutória da presente tese e que pode ocorrer num processo de informatização, que é a questão da customização inversa. Ou seja, a instituição que adota determinada tecnologia é levada a se adaptar às configurações dessa tecnologia e não o contrário. No caso em questão, às normas norte- americanas (ou contra-normas, já que o software não previa certas normas locais).

Em relação à “língua do software” como fundamental para a escolha/troca do programa, observa-se, porém, que mais do que singular, ela remete a uma abordagem multivariada. Ou seja, embora a limitação lingüística (em relação, no caso, ao VTLS) tenha sido importante, ela não foi, por si só, decisiva. Essa limitação mostrou-se apenas inicial. Isto é, estabelecida a comunicação entre as partes, além do custo do programa, pesou o fato de os problemas colocados pela biblioteca terem permanecido, por muito tempo, sem respostas por parte do fornecedor, como sugere a seguinte entrevista:

E outra coisa, pego o telefone: [Fulano (que é o responsável pelo Pergamum)] ‘tem esse problema todo e o usuário está aqui na minha frente, como é que eu resolvo?’ E de lá ele resolve. Estados Unidos tem pendências que estavam desde que a gente comprou o software - foi 96 - e desde que instalou - foi 98 - até 2001, que foi que a gente entrou aqui, que não tinham sido resolvidas. Pode ser pelo fato de que havia muito pouca gente que usava o VTLS no país e eles não tinham muito interesse e tudo mais...

Eu sei que o que pesou mais foi a relação e o jeito de negociar e a facilidade de você adaptar para a sua realidade (dirigente brasileira).

Com o VTLS foi um absurdo: eu nunca vi um fornecedor que fornece um produto para a língua portuguesa em inglês. Nós é que tivemos que traduzir os manuais [...] a gente quebrou a cabeça, tinha coisa que até 2001 a gente não tinha nem mexido, nem usado porque a gente não tinha conseguido nem destrinchar... então, foi esse conjunto de coisas (dirigente brasileira).

Vale observar que a preocupação expressa no último trecho desta entrevista vai ao encontro da contestação apresentada por Dziekaniak (2004), citada na parte introdutória teórica (p. 13) para quem é lamentável o fato de o contratante (a biblioteca universitária, neste caso) ter de pagar pela licença, pela manutenção mensal e, como ocorre em muitos casos, pelas atualizações sugeridas pelo próprio bibliotecário.

De um modo geral, em relação aos modelos de informatização - seja em consórcio ou individualmente – a gestão do processo é sempre complexa e os desafios pelo consenso são similares, como mostra, do outro lado, a entrevista a seguir:

Quando a gente foi adquirir o software, a gente fez o check-list dos software que estavam no mercado. Definiu-se em dois e com essa definição foi feita uma reunião com a PROPLAN (que é a Pró-Reitoria de Planejamento) e no sistema a gente mostrou os dois software e houve possibilidade de todo mundo discutir. Na verdade, no meu ponto de vista, é que muita gente não quis se manifestar. Eu não sei por que motivo, ou se é o medo de depois ser cobrado. Sei que de 48 pessoas numa sala, só 24 votaram [...] 24 votaram no que ganhou, que é o Pergamum e os outros não voltaram em nenhum...(dirigente brasileira).

Além das questões ligadas aos modos de gestão, essa complexidade, vale resgatar, está também ligada aos aspectos macro - político-financeiros e de trabalho (incluindo os relacionados à qualificação das profissões) - que interferem diretamente no processo de informatização, seja na África do Sul, Brasil ou Moçambique.

No que diz respeito ao financiamento, vale citar neste capítulo - e como já pôde ser visto nas entrevistas na seção anterior - a questão da dependência em relação ao capital externo, que, por sua vez, é parte de uma política de Estado, como reflete a entrevista a seguir:

[...] normalmente a aquisição de computadores é feita através de alguns projetos que nós temos... dentro de algumas parcerias que nós temos com alguns doadores externos. Temos, por exemplo, a compra de computadores que estamos a ter agora para o processo de informatização, está sendo financiada pelo Banco Mundial. Neste caso é um crédito... neste caso é um crédito que o Governo Moçambicano tem em relação ao Banco Mundial. Mas, isso já é outra área... (dirigente moçambicano).

Por seu turno, em se tratando das relações de trabalho, a limitada autonomia de gestão e contratação de pessoal também interfere diretamente na composição do quadro de pessoal das bibliotecas e, por conseguinte, no processo de informatização. Contudo, as nuances dessa influência só pode ser entendida: (a) dentro de um processo de mudanças políticas mais amplas, como é o caso da África do Sul:

[...] vejamos, na África do Sul está em curso um importante processo de transformação, em busca do equilíbrio demográfico e de trabalho, a favor dos grupos historicamente em desvantagem. Aqui em Western Cape [província de] tem um aspecto diferente em relação às outras partes do país, porque .... bom, não vou entrar nos aspectos políticos do país porque senão fica muito longo... é o seguinte: nós temos mistura entre brancos e negros em Western Cape e em trabalhos formais tentamos representar essa miscigenação. Projetamos o recrutamento de acordo com os interesses da biblioteca. Tentamos contratar pessoas negras, mas não sem dificuldades ... Algumas vezes as

pessoas vêm com nível técnico e entram como assistente de biblioteca (e, em seguida, entram para a universidade)... (dirigente sul-africana).

Ou (b) dentro de um cenário mais amplo que governa as relações de trabalho; interferência da qual esses países não estão isentos.

Ou seja, nos três países visitados, verifica-se que as políticas públicas de trabalho (em geral restritivas, isto é, de enxugamento da máquina pública) têm uma relação direta com o corte dos gastos públicos, como umas das formas de eliminar o déficit público, sendo a não reposição ou não contratação de novos quadros a forma mais usual. Isso, porém e por outro lado, acaba por gerar um déficit em competências, além de acarretar uma série de desvios relacionados ao trabalho. Diante das políticas restritivas, por exemplo, no Sistema de Bibliotecas da UFMG (Brasil), recorreu-se à contratação de prestadores de serviços. Assim, dos 371 funcionários, 164 (44,2%) não são efetivos (são terceirizados, estagiários, etc.).

A respeito disso, e de forma um pouco mais específica, vale afirmar que, no Brasil, a contratação do pessoal para a função pública depende, em regra, de concurso público, cabendo aos órgãos e às entidades do Estado a sua regulamentação, o provimento de vagas, entre outros aspectos relacionados. As dificuldades de emprego, por um lado, e a perspectiva de estabilidade, por outro, são alguns dos motivos que tornam o serviço público atrativo e, por isso, cada vez mais concorrido. Contudo, o provimento de vagas, contrariamente, tem estado, em termos quantitativos, muito aquém das demandas, tanto dos candidatos quanto das instituições a serem beneficiadas, entre elas, o Sistema de Bibliotecas da UFMG.

Em Moçambique - até pelo momento histórico, ainda de recomposição da força de trabalho, sobretudo a letrada – em lugar do concurso público, tem-se a análise do currículo e a entrevista como mecanismo para a admissão no aparelho do Estado. Idem em relação à África do Sul207. Nesses dois casos, do mesmo modo, a oferta de vagas não cobre as necessidades das instituições, especialmente no que se refere ao pessoal qualificado. Como agravante e devido aos baixos salários na administração estatal - comparativamente ao setor privado – há, em Moçambique principalmente, uma tendência de fuga de quadros do Estado para o setor privado (ou para as chamadas empresas públicas - que são um misto de capital do Estado e capital privado e em que o Estado é majoritário). Nesses termos, nem a perspectiva de

207

Em alguns casos, contudo, em função da demanda ou para alguns cargos, os candidatos têm que passar por um processo mais complexo, que inclui testes específicos.

estabilidade conferida pelo Estado consegue reter esses profissionais nas instituições sob sua