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A representação da instituição e suas relações

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1. A análise das transmissões nas díades

6.1.2. A díade Maiara e Ana

6.1.2.3. A representação da instituição e suas relações

Neste item, os trechos escolhidos trazem a representação das participantes sobre a instituição que as abriga. No seu relato, Maiara traz espontaneamente, sem que a pesquisadora questione a sua percepção sobre a instituição de abrigamento. No caso de Ana, como não mencionou diretamente a instituição, ao final da entrevista, indagou-se sobre a sua

percepção. Ambas escolheram mencionar as relações que se processam ali, como neste trecho do discurso de Maiara.

Nós somos uma família aqui, num condomínio, nós precisamos um do outro e ajudamos. Podem falar de mim, podem falar o que quiser que eu faço de conta que nem escuto, aí às vezes as meninas vêm me contar as coisas, porque uma coisa meu pai falou muito pra gente: minha filha, num lugar onde trabalha muita gente, não se pode ficar dependendo do pensamento de cada um, o nosso é diferente. O coração dos outros ninguém ama. Então a gente não sabe. Eu estou aqui falando contigo, numa boa, você não pode saber do meu coração, só eu sei o que eu estou sentido. Então isso aí eu guardo muito assim, todo mundo é diferente debaixo, se todo mundo pensasse igual, o mundo tava desse jeito? Aí tem o que eu falso também. Faço só escutar, entra aqui e sai ali. Não tem como dizer que eu falei de fulano. Chega perto, nem o que não deve escutar, eles escutam mesmo aqui, mas eu jamais vou falar. Se chegar pra mim: ah, mas ela não falou isso não? Não! Procura outra pessoa, procura ver, procura ver onde ela está procura conversar, nós estamos aqui pra se ajudar. (Maiara)

No discurso de Maiara, a instituição é percebida como uma família, inserida num condomínio, espaço de proteção e, ao mesmo tempo de controle e com ideais bem definidos. Esse trecho sugere uma reprodução do discurso da instituição que fundamenta a sua atuação na noção de família, como o espaço ideal para o desenvolvimento.

Esse ideal não se perpetua ou reproduz no discurso da mãe social que passa a relatar suas percepções e defesas na relação com as outras funcionárias da instituição.

A representação sobre as relações é de desconfiança, o que resulta no distanciamento e na necessidade de usar o “falso”, ato falho que expressa a inverdade que pratica. No “condomínio”, exercita-se na comunicação intersubjetiva, a especulação sobre o cotidiano do outro, ato condenado por Maiara, que afirma afastar-se e calar desse hábito. O ato falho evidencia, por outro lado, o recurso de não expor as suas verdades.

O pacto denegativo se apresenta, também, em relação ao grupo das funcionárias da instituição, pois apesar dos ideais familiares defendidos, a mãe social se defende da vinculação, a partir da representação de um grupo no qual não se pode confiar e do qual, se mantém à margem, sem entrar numa malha de discursos que estabelecem.

A desconfiança e, consequentemente, a necessidade de guardar ou esconder seus sentimentos, são descritas, também, em relação à pesquisadora, a quem transfere o mesmo manejo que empreende nas suas outras relações.

A tendência manifesta é a de perpetuação desse tipo de defesa e postura nos relacionamentos e nos grupos nos quais se insere.

Quando fala sobre a instituição, Ana a associa à figura da mãe social, e demonstra a sua dificuldade de confiar, reproduzindo experiência bastante semelhante à exposta acima.

Às vezes eu tenho vontade de conversar com ela dos meus problemas, das coisas... Mas eu não tenho porque (choro). Tudo o que acontece lá em casa, ela tá espalhando lá pro... Pras outras mães. Assim, o que nós aprontamos lá dentro da casa, aí ela tá lá. Às vezes elas se unem as mães e falam um do filho... Do outro. Aí eu não confio ainda de contar pra ela, porque tudo o que acontece lá ela conta. Porque se nós aprontamos o certo é conversar lá, sei lá e não ficar falando pros outros. Qualquer coisa que eu faço aqui, a aldeia já tá sabendo, aí eu chego lá, já tá falando pra nós... Quando a gente tava em São Paulo, pra eu tratar o ouvido, ela cuidava sim. Lá eu sentia que ela tava bem legal assim, eu não sei se era porque tava na aldeia lá em São Paulo e tinham outras pessoas lá. Lá eu senti como se ela fosse a mãe, ela chamava a gente de filho. É assim porque, os grandes são mais desprezados do que os pequenos (chora). Parece assim que os grandes não precisa de família (Ana)

Apesar de se expor de maneira muito semelhante à da mãe social, Ana a localiza na interdiscursividade do grupo de mães e a sua dificuldade em assumir o papel de mãe social dentro dos muros da instituição. É nesse espaço, o condomínio, onde se expõem as particularidades de cada um de seus membros, unindo as mães sociais em torno da fofoca, tornando públicas as vivências domésticas e criando defesas contra esse tipo de exposição.

Na sua vivência, Ana fala de dois espaços relacionais, um dentro dos muros da instituição, outro localizado num momento onde a mãe social a acompanha num tratamento de saúde em outro estado. Fora dos muros, onde não existia o padrão da fofoca e da desconfiança, foi possível uma relação mais próxima de uma experiência familiar e uma imagem mais acolhedora da mãe social.

Essa percepção pode evidenciar a existência de um mecanismo coletivo utilizado pelos indivíduos da instituição que criam defesas compartilhadas por parte de seus membros.

No próximo item, essa percepção se mostra por outro ângulo, pois outro elemento é trazido, o momento de saída da instituição e as expectativas criadas em torno desse momento e do desconhecido fora dos seus muros.