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Sobre os mecanismos de defesa, vinculações e interdições expressos nas díades

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.3. Integração dos resultados

6.3.1. Sobre os mecanismos de defesa, vinculações e interdições expressos nas díades

O primeiro objetivo específico “Identificar os mecanismos de defesa, as vinculações e interdições estabelecidas, buscando convergências e divergências entre mães sociais e adolescentes”, aborda três grandes conceitos, presentes de forma bastante clara no decorrer de grande parte dos resultados levantados nos relatos das díades. Mais do que demarcar o aparecimento de conteúdos que corroborem a sua existência, interessa a maneira como são manifestos pelas mães sociais e pelos adolescentes. Os mecanismos de defesa são o ponto de partida dessa síntese integrativa.

6.3.1.1. Os mecanismos de defesa

Os mecanismos de defesa mais recorrentes nos relatos foram: identificação, negação, racionalização e projeção que, ao se vincularem a diferentes objetos e conteúdos emocionais, suscitam sentimentos e reações também variados.

O mecanismo de identificação foi percebido nos relatos de adolescentes e mães sociais. Nos relatos de Maiara e Alice, a identificação é com o agressor, percebida por meio da assimilação da agressividade da mãe, no caso de mãe social, e com indivíduos da instituição, no caso da adolescente. A postura agressiva e, em algumas situações, violenta, é repetida em relação a indivíduos da família biológica e também da família social. Nos dois casos, o mecanismo também influenciou negativamente a construção dos vínculos.

Para a mãe social Milena, a identificação se dá em relação à figura materna, principalmente quanto à sua posição de cuidadora e sua atitude de perpetuação da família de

origem. Sua filha social, Agnes, compartilha do mesmo processo, identificando-se com ela e planejando a continuidade dos vínculos construídos na instituição de abrigamento. Nesse caso, fica evidente que a construção de vínculos e da parentalidade também se evidencia na história de ambas, com o predomínio da representação positiva dos mesmos.

A necessidade de negar aspectos desagradáveis da realidade, principalmente aqueles ligados ao abandono e à experiência de risco, é compartilhada pelos quatro adolescentes que compõem as díades, além da mãe social Marilene. Para os adolescentes, a negação funciona como uma forma de preservar os afetos positivos pela família biológica e afastá-la dos atributos negativos associados às figuras parentais, nesses casos. Para a mãe social, o que é negado não é a rejeição e recusa afetiva, mas sim a sua própria recusa e afastamento, preservando-a da culpa e remorso por não se disponibilizar para ela. A díade Milena e Agnes compartilha também outro tipo de negação, o que se liga ao desenvolvimento corporal e às evidências da sexualidade adolescente, que funciona como uma espécie de repressão inconsciente para a iniciação da sexualidade. Nesse caso, o conteúdo rejeitado é a emergência do desejo sexual.

Outro mecanismo utilizado é a racionalização, evidente nos discursos da díade Marilene e Adriano, que compartilha a necessidade de explicar de forma coerente e lógica uma experiência dolorosa como a violência sofrida. Nos dois casos, a finalidade da operação defensiva era preservar a imagem positiva da mãe, mesmo depois de sua perda real ou simbólica. Ana faz uso desse mecanismo, associando-o ao de deslocamento. Ela não apenas encontra explicações racionais para a violência e abandono da mãe, como desloca a culpa para pessoas e situações externas à família.

Finalmente, o mecanismo de projeção é utilizado pelas díades Marilene e Adriano, Maiara e Ana, tendo como alvo a instituição de abrigamento e como conteúdo sentimentos contraditórios. Para a díade Marilene e Adriano, o sentimento é de acolhimento, familiaridade e segurança. A mãe social Maiara alterna sentimentos de proteção e persecutoriedade, enquanto a filha social Ana projeta somente sentimentos persecutórios. A transmissão intersubjetiva se processa também por meio da utilização desse mecanismo.

A transmissão psíquica se sustenta, também, quando analisado outro ponto do objetivo específico em questão: o das vinculações, componente fundamental para a intersubjetividade e o compartilhamento dos conteúdos psíquicos.

6.3.1.2. As vinculações

Como foco do trabalho, as vinculações têm um papel determinante nas análises, já que a partir delas emergem outros conteúdos e o tipo de compartilhamento que se dá nas díades. De forma distinta da discussão do item anterior, apresentam-se, neste item, os tipos de vinculação díade a díade, em razão da força dos conteúdos compartilhados.

Na díade Marilene e Adriano, apesar das representações positivas do outro que são compartilhadas por ambos e de um vínculo parcial que garante um convívio de respeito e destituído de manifestações agressivas, as vinculações que ganham maior relevo são com a família de origem. Tanto para a mãe social como para o adolescente, o ressentimento pela rejeição da mãe biológica é superado por outro tipo de vinculação, a vinculação fraterna. Esse processo é percebido quando abstraem sobre o momento de saída da instituição e demonstram a intenção de resgatar os vínculos com os irmãos, no caso de Adriano, e com os irmãos e os sobrinhos, no caso de Marilene. Não existe a menção de continuidade dos vínculos sociais, construídos na instituição, o que pode evidenciar tanto a constituição do pacto denegativo, como dar indícios de uma relação edipiana ainda em processo de resolução.

Para a díade Maiara e Ana, os vínculos se processaram de forma intensa, porém, com o predomínio dos aspectos negativos. Ambas, em suas famílias de origem, mantiveram vínculos com a figura materna, baseados, sobretudo, na violência e recusa, e vinculações com a figura paterna ancoradas na percepção de provimento de cuidado e afeto. Na vinculação desencadeada pela constituição da díade, o padrão reeditado é aquele constituído com a figura materna, com manifestações de violência, rejeição e persecutoriedade. Esse padrão não acontece somente na díade, mas também na relação com os pares da instituição de abrigamento.

Na vinculação da díade Mara e Alice, também prevalece a percepção recíproca de aspectos negativos e do pacto denegativo, determinados pelas vivências anteriores ao abrigamento. A mãe social, ao passar pela experiência de morte da própria mãe, identifica-se maciçamente com ela, principalmente pela culpa fantasiosa por sua morte e por ter assumido o seu lugar na família de origem, ao mesmo tempo em que minimiza sua participação na vida dos filhos sociais. A experiência de morte é compartilhada pela filha adolescente que manifesta medos noturnos e vivências de culpa decorrentes do desejo de se afastar das irmãs biológicas, repetindo a postura das duas mães, biológica e social. Os conteúdos compartilhados favorecem uma vinculação parcial com o predomínio do pacto denegativo e

da não resolução da reedição edipiana, já que a rivalidade é o sentimento dominante que ainda perpassa a relação.

Diferentemente das demais díades, Milena e Agnes apresentam uma vinculação com predomínio de representações e identificações positivas. A mãe social, apesar da infância marcada pelo trabalho e o convívio com uma figura paterna dependente, desenvolve identificações positivas com a figura materna, que se traduzem na postura afetuosa e acolhedora percebida pela filha social. A filha, por sua vez, mesmo após passar por duas experiências de abandono, uma pelos pais biológicos e outra pela primeira mãe social, estabelece uma vinculação positiva com a mãe social e a toma como referência. Para ambas, a família social é reconhecida como própria e aquela que será perpetuada, mesmo fora dos muros da instituição.

De forma menos explícita, as interdições aparecem nos relatos dos participantes e nos conteúdos compartilhados entre as díades.

6.3.1.3. As interdições

As interdições manifestam-se nos relatos das díades de duas maneiras distintas: a primeira, na relação que os membros estabelecem com as regras e a segunda, com as interdições definidas pelo tabu do incesto.

Uma posição comum a todas as mães sociais das díades é o apego às normas da instituição, principalmente aquelas que se referem à conduta dos adolescentes e sua inserção na comunidade extramuros. O controle rigoroso sobre as saídas, horários e relacionamentos fora da instituição aparece nos relatos de Maiara, Marilene e Mara, como uma tradução das regras impostas pela instituição. O apego às regras aparece de maneira exacerbada no relato de Mara, evidenciando uma adoção rígida das normas da instituição e, possivelmente, retração do afeto ou dificuldade de investimento psíquico na família social.

Os filhos sociais trazem em seu discurso o exagero de normas e a dificuldade de corresponder com a submissão total que é exigida, senão imposta, pelas mães sociais e pela própria instituição.

Quanto à ameaça representada pelo tabu do incesto, recrudescida pela reedição edípica que acontece na adolescência, a díade Milena e Agnes compartilha um ritual de iniciação e interdição bastante semelhantes, que tanto demonstram o tipo de vinculação e sua extensão como o peso das regras institucionais, quando se trata desse assunto. A interdição é operada pelo pai social (dirigente) que acusa de prostituição a adolescente quando a vê vestindo-se de

maneira adulta e erotizada. A reação da mãe é de rejeição de tal postura agressiva e, ao mesmo tempo, de completa submissão às normas da instituição.