• Nenhum resultado encontrado

As idealizações, interdições de controle e morte na instituição

3. MARCO TEÓRICO

3.4. O contexto institucional

3.4.1. As idealizações, interdições de controle e morte na instituição

Para Enriquez (1991), regras que organizam uma instituição são estruturadas no momento de sua fundação, pois, não podendo impedir a emergência daquilo que aconteceu no momento de

sua origem, a violência fundadora tem a necessidade de mascarar esses eventos, mantendo-se herdeira de vários crimes que se inscrevem no seu sistema de normas e interdições. Porém, uma interdição traz consigo um desejo de transgressão. Assim se o abandono é o evento fundante e a sua criação se tornar a resposta ou o seu encobrimento, a força desse evento poderá marcar e organizar não apenas as percepções, mas as atitudes e práticas dos indivíduos que dela participam. Sobre as interdições, Enriquez as descreve da seguinte maneira:

A violência parece ser assim substancial para a vida institucional, na medida em que procede da legalidade que exige que os homens renunciem à satisfação das suas pulsões e na medida em que, fazendo isso, é capaz de reacender os combates entre os iguais e favorecer o desejo de transgressão das interdições; mas a violência institucional não se reduz à violência legal (Enriquez, 1991, p. 75).

Dessa maneira, as instituições podem ser reconhecidas como reguladoras sociais, já que se estabelecem a partir de uma imagem redentora, prometendo salvação, ou único modelo de resolução dos problemas que se propõe a resolver. Para Enriquez (1991), o controle será efetivo na medida em que sistemas internos forem acionados. Esses sistemas se apresentam da seguinte forma:

• Sistemas culturais: sistema de valores e de normas, pensamento e ação que devem modelar o comportamento; rituais para a vivência intramuros na instituição (reuniões, jogos, festas); processos de formação e de socialização de diferentes atores para que possam ocupar o ideal proposto.

• Sistemas simbólicos: elaboração de mitos unificadores e ritos de iniciação, figuras heroicas, sagas, que funcionam como um sistema que legitima e dá sentido às práticas e às vidas.

• Sistemas imaginários: são elaborações que permitem que os indivíduos tenham as suas necessidades de amor, afirmações narcisistas, identificações atendidas pela instituição.

Além disso, a instituição os tranquiliza quanto à possibilidade de proteção da sua identidade, angústias de fragmentação, temores de desmoronamento. Esses sistemas, segundo Enriquez (1991), apresentam-se como conjuntos englobantes e visam a educar os corpos, os pensamentos e o psiquismo de cada um de seus membros, favorecendo a construção de indivíduos para a sua devoção, já que ela, nesse lugar idealizado, assume uma posição divina.

Além dos sistemas que submetem os indivíduos aos padrões desejáveis, a instituição lança mão de interdições que são tanto explícitas quanto implícitas. Dependendo da sua aplicação e manejos de controle, algumas consequências podem ser percebidas. Quando acontece um excesso

de proibições, podem emergir sentimentos de culpa derivados de angústia diante da retração do amor, exacerbação do superego, renúncia à satisfação das pulsões, indivíduos completamente submissos às obrigações morais, porém, adoecidos em função do excesso.

No déficit de proibições, a imagem será de indivíduos abandonados a si mesmos, desprovidos de superego, porém, em situação de perturbação pela vivência do desamparo psicológico, que a falta de referências pode provocar. O seu funcionamento pede a satisfação imediata das necessidades e desejos, e seu sofrimento se situa na falta de identidade, por não terem se situado na temporalidade que filtra os desejos.

Há, ainda, situações de total confusão de proibições, nas quais, falsas liberações, ausência de proibições estruturantes e, ao mesmo tempo, algumas proibições carregadas de arbitrariedades. Diante da contradição, é possível que o recolhimento se apresente como uma saída, tornando os indivíduos narcisistas e incapazes de perceber o outro.

Os controles e interdições existem como uma forma de limite contra os fenômenos da própria instituição, como o das pulsões de vida e morte que convivem no imaginário institucional. A pulsão de vida pode ser percebida através dos laços amorosos do tipo homossexual ou unissexual inibido quanto ao seu objeto, pela interdição da sexualidade, imposta pela instituição, amor sublimado nas atividades prescritas.

A pulsão de morte, no nível individual é percebida, dentro e fora das organizações, já coletivamente, ela ganha novos contornos, como descreve Enriquez (1991, p. 100):

Certamente, essas tenderão (pois essa é a sua natureza) a negar a morte, a enquadrar a luta pelo reconhecimento em estruturas de poder, a minimizar os questionamentos fundamentais; no entanto, eles não podem entravar totalmente a sua ação sem se condenar ao perecimento. Por nível coletivo, queremos simplesmente indicar a presença de um processo diferente daqueles mencionados acima e que é específico da instituição: o processo de desligamento que a afeta desde a sua origem.

A morte, seja imaginada ou vivida, tem um impacto muito forte sobre os indivíduos, estejam eles inseridos ou não em uma instituição. Porém, dentro das instituições as defesas coletivas podem encaminhar os seus sintomas de forma bastante distinta. A experiência da morte pode quebrar padrões, até então bastante rígidos de comportamento e pensamento, dissolver identidades defensivas, obrigando os indivíduos a perceberem problemas e contradições existentes no seio das relações instituídas.

Nas instituições de acolhimento de crianças, as defesas coletivas são perceptíveis e se inscrevem em estruturas que as organiza e dão sentido às suas práticas. Para compreender um pouco mais sobre o contexto de abrigamento de crianças e adolescentes, que ali chegaram

devido a sua condição de risco social e pessoal, é importante entender essas estruturas e dinâmica.