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O AMBIENTE, A SOCIEDADE E O DIREITO EM TEMPOS DE CRISE ECOLÓGICA

1.1 A concepção da social do ambiente

1.1.5 A sociedade de risco ambiental

Sem dúvida, o ser humano esteve, durante toda a sua existência, a mercê de ameaças e perigos. A força da natureza e os cataclismos por ela gerados, sempre sujeitaram a humanidade.

A teoria da sociedade de risco elaborada por Ulrich Beck118, contudo, destaca que atualmente as sociedades humanas estão sujeitas a perigos diferentes daqueles de outrora. Agora, além das ameaças e perigos oriundos dos fenômenos naturais, existem riscos que são qualitativa e quantitativamente maiores e que decorrem da própria atuação humana sobre o meio.

Tais riscos por sua vez, referem-se a diversas áreas da vida social. Por esse motivo, segundo Beck, hoje as sociedades humanas vivem na eminência de riscos sociais, econômicos, políticos, ecológicos e individuais119.

Dentro dessa diversidade de riscos, aqueles de ordem ambiental são extremamente

117 BECK, 1997, p. 15; 1998b, p. 27.

118 A teoria social da sociedade de risco foi desenvolvida por Ulrich Beck, em suas obras: Risk society toward

new modernity. Tradução de M. Ritter. Londres: Jage, 1992 e Ecological politics in an age of risk. Tradução de Amos Oz. Cambridge: Polity, 1995.

relevantes, por evidenciarem, dentre outras coisas, a capacidade de autodestruição e a necessidade de uma reflexão sobre os padrões sociais adotados pela sociedade industrial, na sua relação com o meio ambiente durante o curso do processo de evolução humana120.

De acordo com Goldblat, os riscos atuais são diferentes das formas anteriores de risco e de perigo, por três motivos essenciais. Primeiramente, porque enquanto os riscos e perigos que ameaçavam as sociedades industriais tradicionais eram importantes em nível local e freqüentemente devastadores em nível pessoal, seus efeitos acabavam por ficar limitados em termos de espaço, não alcançando sociedades inteiras; já os riscos atuais são riscos potencialmente globais e que vão se acumulando em intensidade e complexidade, através das gerações, ou seja, excedem limites espaciais, sociais e temporais121.

Em segundo lugar, porque o potencial de dano e de destruição dos riscos atuais é muito maior do que anteriormente. Os perigos impostos pela possibilidade de um acidente radioativo em grande escala ou de uma guerra nuclear, bem como aqueles decorrentes da liberação de produtos químicos, em grande escala e da manipulação da composição genética da flora e da fauna, por exemplo, revelam a possibilidade da autodestruição. Por último, Goldblat122 destaca ainda, o fato de que o impacto do dano eventualmente decorrente desses riscos não está diretamente ligado ao seu ponto de origem e de que sua transmissão e seus movimentos são, muitas vezes, invisíveis e insondáveis para a percepção cotidiana123.

Todos esses aspectos podem ser, um a um, identificados, por exemplo, no caso do acidente radioativo, ocorrido na Central Nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, em 26 de abril de 1986124.

Apesar de Beck reconhecer em sua teoria, determinadas diferenças qualitativas e

120 FERREIRA, 2003, p. 40. 121 GOLDBLAT, 1996, p. 231-233. 122 Idem, 232 123 Idem, 232-233. 124 FERREIRA, 2003, p. 42.

quantitativas entre os perigos gerados pela natureza e aqueles produzidos pela humanidade, estabelece que nenhuma dessas ocorrências é uma invenção da sociedade moderna125e deixa evidente que tais situações, historicamente, sempre existiram. Ilustra sua afirmação, dizendo que Colombo, ao partir para descobrir novas terras, sujeitou-se a diversos riscos. Esses ricos, entretanto, eram pessoais e tinham a conotação de coragem e aventura e não envolviam a possibilidade de autodestruição da vida na Terra, tal como ocorre hoje.

O que Beck se propõe a demonstrar com o modelo da sociedade de risco, é o fato de que atualmente a capacidade de criação de perigos não se limita apenas aos fenômenos e forças naturais. Pelo contrário, o estágio avançado das ciências e das técnicas permitiu aos seres humanos prever, com antecedência, o acontecimento de uma infinidade desses perigos naturais, tornando-o, assim, capaz de agir previamente, controlando ou amenizando seus possíveis efeitos. Mas, simultaneamente, esse desenvolvimento técnico-científico também dotou a humanidade da capacidade de criação de riscos ainda maiores, mais incertos e imprevisíveis do que aqueles oriundos da natureza.

Reconhecer a diferença entre os riscos de hoje e os perigos do passado, é de suma importância para a compreensão da teoria de Beck.

Na compreensão do fenômeno sociológico do risco, o que importa é a percepção de que, diferentemente de outras épocas, hoje as sociedades humanas têm a capacidade, decorrente de suas próprias decisões, de fazer irromper interferências que podem trazer sérios desequilíbrios ao funcionamento sistêmico do planeta e provocar catástrofes apocalípticas, evidenciando ainda mais a responsabilidade exclusivamente humana pela emergência da crise ecológica.

Pardo estabelece uma importante distinção entre os perigos e os riscos. Segundo ele,

125 BECK, 1998a, p. 27.

os perigos antecedem na cronologia histórica, os riscos126. Analisando a relação existente entre técnica e natureza, Pardo considera que os perigos têm causas essencialmente naturais, ou seja, têm suas origens nas variações próprias do ambiente127. O ser humano, estando sujeito a esses perigos, passou a utilizar-se da ciência e da técnica e a agir sobre o meio, objetivando o domínio da natureza e o controle desses perigos, sendo que dessa atuação sobre o meio, surgiram os riscos.

Nessa concepção, é preciso ter em mente que o ser humano não atuou sobre a natureza, apenas objetivando o controle dos perigos existentes. Na verdade, a capacidade de intervenção humana somada ao progresso e ao desenvolvimento técnico-científico, tidos como aptos a satisfazer as infindáveis necessidades do ser humano, também foram capazes de impelir a proliferação de riscos e, em muitos casos, na tentativa de eliminá-los, acabou-se por criar outros. Esses novos riscos são tão complexos que em muitos casos, a própria sociedade que os produziu, perde a capacidade de os prever ou controlar128.

Porém, essa concepção distintiva entre perigos naturais e riscos sociais, não basta para a compreensão da sociedade de risco. Além do reconhecimento dessa distinção existente entre perigo e risco, é preciso considerar que os efeitos sociais decorrentes de cada um desses fenômenos atuantes no interior da sociedade, também são completamente diferentes, resultando daí que as formas como essa sociedade passa a se relacionar com cada um desses fenômenos, assumem um caráter também diferenciado.

Inicialmente, importa reconhecer que os riscos inerentes à sociedade contemporânea, diferentemente dos perigos de outrora, decorrem das decisões tomadas no interior da própria sociedade.

Tavolaro aclara a percepção desse fenômeno distintivo, afirmando que o perigo será

126 PARDO, 1999, p. 29-30. 127 Idem.

sempre provocado por uma causa externa, isto é, relacionada ao ambiente. O risco, por sua vez, vincula-se à possibilidade de decisão, ou seja, à escolha, dentre diversas varáveis possíveis, operadas no interior do sistema129. Dessa forma, o que para alguns é considerado risco por ser decorrente de uma decisão tomada no interior do sistema, é por outros, assimilado como perigo, uma vez que deriva do ambiente em que está inserido o sistema.

De um modo geral, a síntese elaborada por Ferreira serve para aclarar profundamente a distinção em pauta:

Simplificando a questão, pode-se dizer que os perigos têm sua origem em causas naturais, ou seja, não há qualquer interferência do homem na sua produção. Esses perigos podem, contudo, e desde que haja intervenção humana, assumir as feições de risco que, produzidos em primeira escala, são relativamente simples. A continuidade da intervenção humana na perseguição constante de uma maior eficiência técnico-científica voltada ao crescimento dos processos produtivos, entretanto, criam uma nova modalidade de riscos cujas características e possíveis efeitos são ainda incertos ou desconhecidos130.

Esta distinção marca a grande diferença do modelo sociológico do risco idealizado por Beck, para descrever a sociedade contemporânea, uma vez que os perigos antes decorriam de causas naturais, ao passo que agora a humanidade está sujeita não só a estes perigos naturais mas também àqueles decorrentes de sua própria atuação sobre o meio ambiente.

Como salienta Santos, no interior dessa sociedade, a ciência e a tecnologia aumentaram a capacidade de ação, de uma forma sem precedentes, mas a expansão da capacidade de ação ainda não se fez acompanhar de uma expansão semelhante da capacidade de previsão; e por isso, a previsão das conseqüências da ação científica é necessariamente muito menos científica do que a ação científica em si mesma, já que esta passa a ser constantemente acompanhada de algum tipo de risco, dos quais o autor destaca o risco da destruição maciça, seja através da guerra seja através do desastre ecológico131.

129 TAVOLARO, 2001, p. 105-106. 130 FERREIRA, 2003, p. 24. 131 SANTOS, B., 2002, p. 58.

Vale ressaltar, entretanto, que a sociedade de risco continua sendo uma sociedade industrializada. Porém, com o crescimento exponencial das forças produtivas, os riscos e ameaças tornam-se muito mais evidentes, alcançando dimensões jamais imaginadas anteriormente132, refletindo diretamente no comportamento social como um todo133.

Os reflexos causados pela percepção e pelo reconhecimento social dos riscos, bem como das incertezas inerentes a eles, acarretam então a cisão dos antigos padrões de comportamento e organização social, típicos da sociedade industrial tradicional, fazendo surgir uma sociedade de risco134. Assim, a sociedade de risco teria inicio onde termina a tradição135.

Essa sociedade nada mais seria do que a obsolescência degenerativa da sociedade industrial e de suas instituições136, que ao deparar-se com os limites por ela mesma criados, cede lugar a novos padrões de comportamento137. Neste sentido, o próprio Beck argumenta que:

A transição do período industrial para o período de risco da modernidade ocorre de forma indesejada, despercebida e compulsiva no despertar do dinamismo autônomo da modernização, seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes. Pode-se virtualmente dizer que as constelações da sociedade de risco são produzidas porque as certezas da sociedade industrial (o consenso para o progresso ou a abstração dos efeitos e dos riscos ecológicos) dominam o pensamento e a ação das pessoas e das instituições da sociedade industrial. A sociedade de risco não é uma opção que se pode

132 TAVOLARO, 2001, p. 111. 133 BECK, 1997, p. 16.

134 Para BECK (1998a, p. 29) a sociedade de riscos está além da sociedade industrial de classes idealizada por Marx. Isto porque, num primeiro momento a divisão de classes, inerente à sociedade industrial tradicional, é reforçada pela percepção social dos riscos, ou seja, a princípio, algumas classes estão mais expostas aos riscos do que outras. Contudo, mais tarde, os riscos, por suas próprias características, afetam também aqueles que os produziram ou se beneficiaram deles. A esse processo Beck deu o nome de efeito bumerangue.

135 CURBET, 2002.

136 DE GIORGI, 1994, p. 49-50.

137 BECK (1998a, p. 25-26), apegando-se ao potencial destrutivo do ser humano e à crise ecológica decorrente dos avanços técnico- científicos, verificados no século XX, argumenta que a sociedade industrial clássica era estruturada sobre um padrão de classes, onde o que importava era descobrir meios de redistribuir de maneira justa e legitima a riqueza (“goods”) produzida socialmente de maneira desigual, com base num principio regulador de escassez, enquanto na sociedade industrial atual, por ele qualificada como uma sociedade de risco (risk society) predomina não só a preocupação de se distribuir as riquezas mas também a necessidade de se evitar, minimizar, e canalizar os riscos (“bads”) que se têm produzido sistematicamente no processo avançado de modernização, de modo a limitá-los e reparti-los, para que não criem obstáculos ao processo de desenvolvimento, nem ultrapassem os limites da sustentabilidade ecológica, médica, psicológica e social.

escolher ou rejeitar no decorrer de disputas políticas. Ela surge na continuidade dos processos de modernização autônoma, que são cegos e surdos a seus próprios efeitos e ameaças. De maneira cumulativa e latente, estes últimos produzem ameaças que questionam e finalmente destroem as bases da sociedade industrial138.

Como se vê, a sociedade de risco não é algo que poderia ser escolhido ou rejeitado. Na verdade, sua formação decorreu dos próprios padrões adotados no decorrer do processo de desenvolvimento, marcado por ser autônomo e indiferente aos riscos e conseqüências que poderiam dele se originar139.

Ademais, esse novo paradigma sociológico apresenta uma infinidade de elementos caracterizadores, que o diferenciam do paradigma da sociedade industrial tradicional, mas a característica que mais importa para os objetivos perseguidos no presente trabalho, é o reconhecimento de que nele a variável ambiental, que quando não era ignorada, era colocada num segundo plano na sociedade industrial tradicional, é gradativamente destacada no contexto social, como decorrência da crescente percepção da crise ambiental e da possibilidade de catástrofes ecológicas apocalípticas140.

138 BECK, 1997, p. 16.

139 FERREIRA, 2003, p. 29.

140 BECK, 1997, p. 17. Os riscos ambientais da atualidade denotam um potencial de violência nunca antes imaginado. A sua concretização em danos ecológicos é, na maioria das vezes, trágica. A manifestação dos danos ecológicos quase sempre se dá em grande escala, atingindo milhares senão milhões de pessoas, sem contar as demais formas de vida animal e vegetal atingidas, prejudicando, sobremaneira, todo o equilíbrio sistêmico do planeta e evidenciando a possibilidade de acontecimentos catastróficos, senão apocalípticos.

Não são poucos os exemplos de catástrofes ambientais que servem para delinear tal cenário. É possível ilustrá- los, citando apenas alguns desastres ecológicos em grande escala. Como exemplo de poluição atmosférica, é possível mencionar (I) o vazamento para a atmosfera de substâncias químicas (pesticidas) tóxicos em Bhopal, na Índia, em 1984, resultando na morte instantânea de 2.000 pessoas e lesões em cerca de 48.000 indivíduos; não computados os danos à agricultura, à pecuária e ao ecossistema (SOARES, 2001, p. 702) e (II) o vazamento da substância química tetra-cloro-benzo-paradioxina (TCDD) na cidade de Sevezo, na Itália, em 1976, que formando uma nuvem de aproximadamente 1.970 hectares de extensão, causou inestimáveis prejuízos à saúde dos indivíduos atingidos e ao ecossistema de um modo geral (SOARES, 2001, p. 692-693).

No caso de poluição hídrica, cita-se (I) o vazamento de produtos químicos tóxicos nas águas do Rio Reno, decorrente de um incêndio na fábrica da Sandoz, na Basiléia suíça, causando uma impressionante onda tóxica que atravessou os Estados, servidos à jusante do Reno, provocando consideráveis danos materiais a pessoas e bens, em particular, ao ecossistema aquático, inclusive ao abastecimento de água potável da Holanda, por várias semanas (SOARES, 2001, p. 707), bem como os (II) infindáveis derramamentos de óleo combustível e outros derivados de petróleo nos mares e oceanos de todo planeta, tal como ilustram os casos do Torrey Canyon, ocorrido em alto mar, em 1967 (SOARES, 2001, p. 691-692); do Amoco Cadiz, ocorrido na costa da Bretanha, na França, em 1978 (SOARES, 2001, p. 697-698); do Exxon Valdez na costa do Alasca, em 1989 e do Prestige na costa da Galizia, na Espanha, em 2002 (KISHINAMI, 2002, p. A-13). As “marés negras” oriundas desses acidentes afetaram todo o ecossistema marinho e costeiro da região em que ocorreram, além de terem

Espinosa assinala que os riscos ambientais advindos do atual estágio do industrialismo, podem ser caracterizados como sendo:

[...] resultado da própria sociedade industrial e, mais concretamente, de seu desenvolvimento técnico e econômico; não podem ser facilmente identificados no tempo, e muito menos no espaço, pois são ameaças ubíquas e globais; rompem regras e hábitos de distribuição de competência e tornam obsoletos os sistemas de segurança; finalmente, são, com freqüência, invisíveis, não os captam os sentidos, de modo que são os especialistas que os identificam e os fazem reais para nós141.

Para Beck, os riscos ambientais oriundos da engenharia nuclear, Química e Genética são dotados de características muito diferentes daqueles produzidos na sociedade industrial tradicional142.

Partindo desses apontamentos torna-se possível afirmar os riscos ecológicos da atualidade podem, de um modo geral, ser descritos como sendo: (I) ilimitados em função do tempo, (II) globais no âmbito de seu alcance e (III) potencialmente catastróficos143.

prejudicado de maneira determinante a economia das regiões afetadas, que viviam da pesca ou do turismo. Além disso, uma grande gama dos riscos ecológicos atuais caracterizam-se por serem gerados e acumulados por um período muito longo de tempo, até que se irrompam de forma trágica e visível para todos. Ilustram esse tipo de risco aqueles (I) oriundos da acumulação do dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), clorofluorcarbonos (CFCs) e outros halogêneos na atmosfera, decorrente, principalmente da queima de combustíveis fósseis, da queima da biomassa, dos vazamentos de gás natural e outras substâncias que impedem a dissipação do calor, acarretando o fenômeno conhecido como efeito estufa ou aquecimento global; e ainda, (II) o problema da destruição da camada de ozônio, elemento que atua como um filtro para a radiação solar ultravioleta, em decorrência da poluição atmosférica, oriunda da utilização de CFCs (SILVA, D., 2003, p. 118- 119).

141 ESPINOSA, 2001, p. 12. 142 BECK, 1998b, p. 31.

143 O acidente radioativo na Central Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1986, é doutrinariamente emblemático e reúne em si as piores características dos riscos e danos ambientais que permeiam a sociedade de risco.

Cerca de 17 anos após o acidente que provocou a explosão do reator de número 4, da Central Nuclear de Chernobyl, a radioatividade espalhada pelos ventos, mantém-se em níveis elevados em todas as localidades atingidas pela nuvem radioativa. Conforme salienta Mansur (2000), a princípio, acreditava-se que a concentração de césio radioativo nos alimentos e na água caísse em poucos anos; contudo, pesquisas posteriores revelaram que os efeitos futuros podem demorar cerca de 70 anos para serem totalmente neutralizados (SOARES, 2001, p. 705). Além disso, ventos do sudeste espalharam a nuvem radioativa por diversos países da Europa, numa derivação de 2.500 quilômetros para oeste, atingindo mais diretamente a Áustria, a Hungria, A Itália, a Iugoslávia, o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Suécia e a Suíça, sendo que alguns efeitos colaterais foram sentidos, apesar da distância, até no Brasil, onde se constatou a presença de altas doses radioativas em carne bovina, importada da Iugoslávia, tornando-a imprópria para o consumo (Idem). A recomendação dos pesquisadores é que diversos alimentos produzidos em certas regiões da Inglaterra, continuem proibidos para consumo humano, por mais 15 anos. Em determinadas regiões da antiga URSS, recomenda-se que frutas silvestres, cogumelos e peixes não sejam consumidos pelos próximos 50 anos (MANSUR, 2000).

Por último, estima-se que cerca de 15 milhões de pessoas tenham sido atingidas (Idem), das quais 10.000 ainda poderão vir a morrer de algum tipo de câncer provocado pela radioatividade (SOARES, 2001, p. 705). Na

Diante de tais ponderações, esses riscos devem ser, antes de tudo, evitados ao máximo. Para tanto, é imprescindível uma profunda reflexão, instrumento necessário para que o cerne da questão seja transferido das catástrofes para os próprios processos de criação e proliferação dos riscos, tornando possível, então, abandonar a fatalidade do destino e configurar o futuro, afastando-se as eventuais conseqüências trágicas que podem advir do silêncio144.

Na esteira de sua descrição dos padrões sociais contemporâneos, Beck145 dá a entender que hoje os riscos são mero resultado do atual estágio evolutivo da sociedade humana. Nessa sociedade, os riscos passam a habitar o convívio social cotidiano e, assim, vão sendo socialmente assimilados, tanto pelos indivíduos como pela própria coletividade, que internaliza a necessidade de reflexão diante da decisões a serem tomadas, já que essas decisões envolvem cada vez mais riscos a serem assumidos146.

Desenvolvendo esse raciocínio, Beck vai mais longe e, assumindo uma espécie de materialismo histórico recontextualizado, passa a considerar que a sociedade de risco seria o inicio de um processo irreversível de transição, denominado por ele de modernização reflexiva147, onde o reconhecimento social dos riscos, o aprofundamento da incerteza, da ambivalência e da falta de controle, torna a sociedade autocrítica, reflexiva, desperta para a necessidade de se reinventar para poder sobreviver. Dessa forma, Beck reconhece além do caráter negativo dos riscos a que está exposta a sociedade, uma espécie de utilidade para

República de Belarus, localizada a aproximadamente 12 quilômetros da central nuclear, passados mais de 10 anos do desastre, bebês ainda nasciam sem braços e olhos ou com membros atrofiados (MANSUR, 2000). Tais conseqüências são fruto de um experimento tido como controlado, mas que demonstrou sua falibilidade, evidenciando, assim, que as previsões científicas foram extremamente frustradas. Falharam antes, quando julgaram calculáveis os riscos produzidos pelo experimento; e falharam depois, quando, de forma equivocada, minimizaram as conseqüências do acidente (LEITE; FERREIRA, 2002, p. 80).

144 FERREIRA, 2003, p. 41. 145 Idem, p. 16.

146 BECK, 1998b, p. 29. 147 Idem, 1997, p, 11-15.

eles148, revelando um efeito positivo, decorrente dos efeitos do reconhecimento social dos riscos e de suas implicações no interior da sociedade contemporânea.

Segundo o próprio Beck, a sociedade de risco poderia ser descrita como:

[...] uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna onde os riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais, criados pelo momento da inovação, escapam cada vez mais às instituições de controle e proteção da