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O ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da humanidade

O AMBIENTE, A SOCIEDADE E O DIREITO EM TEMPOS DE CRISE ECOLÓGICA

C) O antropocentrismo-alargado (extended stewarship ideology)

1.2 A concepção jurídica do ambiente

1.2.3 O ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da humanidade

Como resultado das transformações verificadas nas últimas décadas, em relação à concepção social do meio ambiente270, o sistema de tutela e proteção ambiental, visando garantir o bem-estar social e a qualidade de vida da comunidade humana, foi submetido a uma transformação jurídica, no sentido de elevar o direito a um meio sadio e equilibrado à categoria de direito fundamental do ser humano.

Tal fato evidencia-se no texto do princípio número 1, da Declaração adotada em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, que prescreve que o homem tem o direito fundamental ao desfrute de condições de vida adequada, em um meio ambiente cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e com bem-estar.

Segundo Leite,

Este princípio significou, do ponto de vista internacional, um reconhecimento do direito do ser humano a bem jurídico fundamental, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a qualidade de vida. Além disso, firmou um comprometimento de todos a preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as gerações presentes e futuras271.

Conforme pontua Trindade, outro entendimento não seria possível e muito menos lógico, uma vez que

269 Idem.

270 Conforma salienta BOBBIO (1992, p. 69) “nos movimentos ecológicos está emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesmas usadas, tradicionalmente, na definição e justificativa dos direitos do homem”.

(...) a questão dos direitos humanos está indissoluvelmente presente na consideração de um sistema de proteção ao meio ambiente humano em todos seus aspectos; somos aqui confrontados, em última análise, com a questão crucial da sobrevivência da espécie humana, com a asserção - frente às ameaças ao meio ambiente humano - do direito fundamental à vida272.

Em sentido idêntico, especialistas convocados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) e pelo Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA) recentemente declararam que:

O respeito pelos direitos humanos é amplamente reconhecido como pré- condição para o desenvolvimento sustentável, (é também amplamente reconhecido) que a proteção ambiental constitui uma pré-condição para o efetivo gozo da proteção de direitos humanos, e que direitos humanos e meio ambiente são interdependentes e inter-relacionados. Essas características são atualmente amplamente refletidas nas práticas e desenvolvimentos nacionais e internacionais273.

Assim, como todos os demais direitos fundamentais, o direito a fundamental de desfrutar a vida num meio ambiente ecologicamente equilibrado, emergiu no cenário internacional do pós-guerra, na segunda metade do século XX, aparecendo expressamente nas declarações firmadas pelos Estados que compõem a comunidade internacional, sob os auspícios de diversas organizações internacionais274, mas especialmente na Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, adotada em 1972, conforme já mencionado275.

A forma de aprovação dessas declarações não as dotou de obrigatoriedade jurídica, mas tampouco esse era seu objetivo. Elas serviam como padrão ideal de comportamento dos

271 LEITE, 2003, p. 86.

272 TRINDADE, 2002, p. 946.

273 Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) e Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA), 2002, p. 3.

274 De acordo com LEITÂO (2002, 51) o direito fundamental a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é expressamente reconhecido pela Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigos 21 e 24) bem como pelo Protocolo de San Salvador, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (artigo 11). O autor salienta, ainda, que a Carta Internacional de Direitos Humanos não faz qualquer menção expressa ao meio ambiente, o que em boa parte pode ser atribuído ao fato de que os instrumentos que a compõem foram adotados antes da ascensão do movimento ambientalista mundial. Apesar disso, algumas referências indiretas que conduzem ao seu reconhecimento implícito, podem ser encontradas no texto. Destaca neste mesmo sentido, o artigo 25.1 da Declaração Universal que diz: “toda pessoa tem o direito a um nível de vida adequado que assegure a si e a sua família, a saúde e o bem estar”.

Estados, na esfera internacional, como instrumento de reivindicação e coerção moral e como meio de interpretação da Carta das Nações Unidas, especialmente dos dispositivos que fazem menção aos direitos humanos. Para Lindgren Alves, elas serviram para “estabelecer parâmetros para a aferição da legitimidade de qualquer governo, substituindo a eficácia da força pela força da ética”276.

O principal mérito dessas declarações foi incentivar os Estados na adoção desses parâmetros em seus ordenamentos constitucionais. De fato, o efeito irradiador esperado se concretizou em diversos ordenamentos constitucionais. Sem dúvida, todos os Estados que adotaram novas Constituições, após participarem de tais declarações, incorporaram o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado aos textos, assegurando esse direito aos súditos.

A título de ilustração, cite-se que tal disposição consta expressamente no artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 66, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 45, da Constituição espanhola, no artigo 41, da Constituição da Nação Argentina e no item 8, do artigo 19, da Constituição Política da República do Chile.

Nesses países deu-se, sem dúvida, um passo importante no plano da dogmática jurídica, colocando estes Estados numa posição de vanguarda quanto à proteção ambiental, em relação à países como os Estados Unidos, França277, Itália e Alemanha278, que não dispõem sequer de normas constitucionais voltadas para a proteção ambiental, cabendo aos intérpretes extrair de outros princípios ou de outros direitos um princípio de defesa do

276 ALVES, 1999, p. 140.

277 Como refere PRADO, L. R. (1992, p. 83) as Cartas Constitucionais francesas de 1946 e 1958 não fazem alusão expressa ao meio ambiente. “Contudo, há em França uma ampla e prolixa legislação ordinária a respeito. O reconhecimento do ambiente com uma ‘finalidade de interesse geral’ ocorreu com a Lei de Proteção da Natureza, de 10 de julho de 1976”. Ademais, conforme reflete o posicionamento de PRIEUR (2001, p. 869) a doutrina francesa contemporânea reconhece a existência de um direito subjetivo individual à qualidade ambiental.

278 ASHTOM (2002, p. 15) refere que no Direito Alemão “não se admite a criação de um direito fundamental individual ao meio ambiente através da interpretação das normas constitucionais existentes. Além disso, os alemães consideram a proteção constitucional atual por meio de direitos fundamentais já existentes suficiente”. Em contrapartida, REHBINDER (1994, p. 249-254) refere que, apesar da inexistência de uma norma expressa na Constituição, “o Tribunal Constitucional Federal analisou mais recentemente certos direitos fundamentais, como o direito à vida e à integridade física e a garantia constitucional da propriedade na medida em que o Estado tem uma obrigação objetiva de proteção que até certo ponto inclui os interesses ambientais. Ao abrigo de precedentes recentes, o Estado é obrigado a proteger o ambiente através de uma política ativa do ambiente de acordo com a qual a inação poderia por em perigo a vida, a saúde ou a propriedade do cidadão. Este dever afirmativo de proteção não se limita a danos provados e perigos eminentes reais; o Tribunal Constitucional Federal proclamou igualmente que o mero risco de danos tem de ser evitado ou pelo menos reduzido proporcionalmente à probabilidade, tipo de danos tem de ser evitado ou pelo menos reduzido proporcionalmente à probabilidade, tipo e extensão do risco”. No entanto, a obrigação constitucional de proteção é bastante vaga e sujeita à concretização por lei ou regulamento. Excluindo casos excepcionais, não pode entrar diretamente em vigor por meio de uma queixa apresentada por um cidadão contra a omissão do Estado.

ambiente279.

No cenário internacional, a concepção do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado como direito fundamental da humanidade, ganhou mais força somente com a adoção da Convenção Internacional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Questões Ambientais.

Adotada sob os auspícios da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (CENUPE), por 35 países e pela União Européia, na cidade dinamarquesa de Aarhus, em junho de 1998, a Convenção de Aarhus entrou em vigor em 30 de outubro de 2001. Em princípio, ela está aberta à assinatura tão-somente dos membros da CENUPE, mas seu art. 19 permite a adesão de qualquer outro membro da ONU, mediante aprovação pelo Encontro das Partes da Convenção280.

O Preâmbulo da Convenção de Aarhus incorpora, com algumas modificações, o princípio 1, da Declaração de Estocolmo, afirmando que:

Cada pessoa tem o direito de viver em um meio ambiente adequado à sua saúde e bem-estar, bem como o dever, tanto individual, quanto em associação com outrem, de proteger e melhorar o meio ambiente para o benefício das gerações presentes e futuras.

Em seguida, o Preâmbulo declara que, para defender esse direito e cumprir o correspondente dever, os cidadãos devem ter acesso às informações, ao processo de tomada de decisões e à Justiça em questões ambientais. Essas provisões são repetidas no art. 1, onde os Estados-parte acordam garantir esses direitos instrumentais. A Convenção reconhece as implicações mais amplas desses direitos, expressando a convicção de que, se implementados, contribuirão para o “fortalecimento da democracia na região da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa”281.

279 BENJAMIN, 2002, p. 93. 280 CENUPE, 2002.

Trindade, realizando uma interpretação sistemática dos sistemas globais de proteção ambiental e de direitos humanos, afirma a existência de um direito humano ao meio ambiente sadio, independentemente de seu expresso reconhecimento. Ele parte da premissa de que a existência do direito ao meio ambiente sadio é imprescindível para a garantia de outros dois direitos fundamentais: à vida e à saúde. Aquele seria, portanto, um corolário ou extensão destes últimos282. Neste sentido, após criticar interpretações, a seu ver, demasiado estreitas do direito à vida, afirma que

sob o direito à vida, em seu sentido moderno e adequado, é garantida não somente a proteção contra qualquer privação arbitrária, como mais ainda têm os Estados o dever de “dotar políticas adequadas para assegurar acesso aos meios de sobrevivência” a todos os indivíduos e todos os povos. Nesse sentido, os Estados têm a obrigação de evitar perigos ou riscos à vida, e a colocar em funcionamento “sistemas de monitoramento e de alarme precoce” a fim de detectar tais graves perigos ou riscos ambientais, bem como “sistemas de ação urgente” para lidar com tais ameaças283.

Observações semelhantes são feitas pelo autor com relação ao direito à saúde284. Na medida em a que impõe ao Estado tanto deveres de abstenção quanto de ação, Trindade conclui que esses dois direitos pertencem, ao mesmo tempo, ao grupo dos direitos civis e políticos e ao dos direitos econômicos, sociais e culturais. Sendo assim, dariam bom exemplo da indivisibilidade e inter-relacionamento de todos os direitos humanos285.

A inserção do direito de viver num ambiente não poluído no rol dos direitos fundamentais da humanidade é, segundo doutrinam Canotilho e Moreira, o passo mais recente dado pela humanidade na longa evolução histórica da definição dos direitos humanos286.

Traçando uma linha evolutiva da construção desses direitos ao longo da história, Silva insere o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado, na terceira geração de direitos fundamentais, considerando que foram incorporados ao rol dos direitos fundamentais, 282 TRINDADE, 2002, p. 955. 283 TRINDADE, 2002, p. 955. 284 Idem, p. 959. 285 Idem, p. 959 e 960. 286 CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 93.

somente após a consolidação dos direitos civis e políticos – direitos de primeira geração (como o direito à vida, à ampla liberdade de locomoção, política, religiosa, opinião e expressão, à segurança, à uma nacionalidade e à participação política, dentre outros) – e dos direitos econômicos, sociais e culturais – direitos de segunda geração (como o direito ao trabalho, à previdência e assistência social, à saúde e à participação na vida cultural da comunidade)287.

Rezek salienta, ainda que os direitos fundamentais de terceira geração diferenciam-se das gerações precedentes, por se afastar da concepção de direitos relacionados diretamente à figura do indivíduo e se concentra mais nos interesses da coletividade. Entre esses direitos, além do direito fundamental a um ambiente íntegro, estaria também o direito à paz e à co- propriedade do patrimônio comum do gênero humano288.

É neste contexto que a terceira geração de direitos, pressupõe “o dever de colaboração de todos os Estados e não apenas atuar ativo de cada um e transporta uma dimensão coletiva justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos”289. Cuida-se, em verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, “geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas

287 SILVA, J., 2002, p. 51-52. No mesmo sentido, REZEK, 2002, p. 211-213. O mesmo entendimento foi adotado pelo STF no julgamento do MS 22164/SP, relatado pelo Min. Celso de Melo e julgado em 30.10.95 pelo Tribunal Pleno (publicado no DJ em 1711.95, p. 39206, vol. 1809), onde restou assentado que: “O direito à integridade do meio ambiente, típico direito de terceira geração, constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de uma poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçam o princípio da liberdade, e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas, acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. A decisão constante do Acórdão que julgou o Recurso Extraordinário 134.297/SP (Rel. Min. Celso de Melo, 1ª Turma, j. 13.06.96, DJ de 22.09.95, ementário p. 1801-04) consagra idêntico sentido.

contundentes conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais”290.

Canotilho, por sua vez, insere o direito ao meio ambiente equilibrado, na quarta geração de direitos fundamentais, “esclarecendo que a primeira geração de direitos seria a dos direitos de liberdade, os direitos das revoluções francesa e americana; a segunda seria a dos direitos democráticos de participação política; a terceira seria a dos direitos sociais e dos trabalhadores; a quarta, a dos direitos dos povos”291. Prefere, no entanto, a expressão “dimensão” de direitos do homem, ao contrário da expressão “geração”, pois segundo ele, não existiria uma substituição de uma geração pela outra, além de que “os direitos são de todas as gerações (...); e não se trata apenas de direitos com um suporte coletivo – direito dos povos, o direito da humanidade. Neste sentido, fala-se em solidarity rights, de direitos de solidariedade, sendo certo que a solidariedade já era uma dimensão ineliminável dos direitos econômicos, sociais e culturais”292.

Conforme a lição de Luño, essa categoria de direitos fundamentais pode ser considerada uma resposta ao fenômeno denominado de “poluição de liberdades”, que “caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias, assumindo especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida”293. Trata-se de um direito com dimensão erga omnes, pois sua tutela não apenas se opera ante os poderes públicos, mas também nas relações entre particulares; além do que sua titularidade é difusa294.

Adotando uma abordagem bastante semelhante, Silva salienta que o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado

289 CANOTILHO, 1999, p. 362. 290 SARLET, 1998, p. 51. 291 CANOTILHO, 1999, p. 362. 292 Idem, p. 363. 293 LUÑO, 1999, p. 476.

não tem apenas uma dimensão negativa e garantística, como os direitos individuais, nem apenas uma dimensão positiva e prestacional, como os direitos sociais, porque é, ao mesmo tempo, direito positivo e negativo; porque, de um lado, exige que o Estado, por si mesmo, respeite a qualidade do meio ambiente e, de outro lado, exige que o Poder Público seja um garantidor da incolumidade do bem jurídico, ou seja, a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Por isso é que, em tal dimensão, não se trata de um direito contra o Estado, mas de um direito em face do Estado, na medida em que este assume a função de promotor do direito mediante ações afirmativas que criem as condições necessárias ao gozo do bem jurídico chamado qualidade do meio ambiente295.

Analisando o surgimento dessa nova categoria de direitos fundamentais, dentre os quais se inserem o direito ao meio ambiente despoluído e o direito à qualidade de vida, Bobbio assinala que eles representam

uma passagem da consideração do indivíduo uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da “pessoa” – para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direito dos pósteros à sobrevivência); e, além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais296.

A nota distintiva desses direitos fundamentais reconhecidos mais recentemente, conforme Sarlet,

reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que revela, a título de exemplo, especialmente o direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada a sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção (...). Compreende-se, portanto, porque os direitos de terceira geração são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para a sua efetivação297.

Ao reconhecer que um meio ambiente sadio é condição essencial para o pleno gozo dos direitos humanos e para uma vida digna, conseqüentemente se reconhece também que cabe aos indivíduos, em geral, e ao Estados, a responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente para a presente e as futuras gerações.

294 Idem.

295 SILVA, J., 2002, p. 52. 296 BOBBIO, 1992, p. 69.

Logo, ao direito fundamental coletivo que tem a humanidade a um meio ambiente sadio e equilibrado, corresponde também um dever coletivo. No dizer de Rangel, essa categoria de direito do ambiente se consubstancia numa pretensão de conteúdo negativo ou de abstenção, pois exige do Estado e da coletividade o dever de adotarem comportamentos não- nocivos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Surge desse caráter negativo, inerente a essa categoria de direito e ao direito ambiental como um todo, uma densidade reforçada, que lhe dá um conteúdo similar, próprio de direito e garantia, ao mesmo tempo em que exige

deveres para assegurar esse conteúdo298. Leite destaca que deste teor

resulta que o direito fundamental ao meio ambiente detém uma dupla natureza jurídica, apresentando-se concomitantemente como um direito subjetivo da personalidade e de caráter primordialmente público e também como elemento fundamental de ordem objetiva299.

De acordo com esse autor, “é um direito subjetivo da personalidade no sentido de ser possível a todos os indivíduos pleitear o direito de defesa contra atos lesivos ao meio ambiente, pois a sua preservação ecologicamente equilibrada é condição ao pleno desenvolvimento da personalidade humana”300. Leite destaca, ainda que esse direito de defesa subjetivo do ambiente, de caráter público, poderá ser exercido a título individual, mas não exclusivamente a um interesse exclusivamente individual próprio, mas sim, atinente a um interesse coletivo ou difuso ambiental301.

Já o caráter objetivo desse direito fundamental se manifesta nas incumbências indeclináveis do Estado na sua garantia e com vistas a eqüidade ambiental. Sendim, ao tratar do tema, reforça esse ponto de vista, salientando que a dimensão objetiva é assegurada pelas normas-fins e pelas normas-tarefas positivadas, que impõem aos poderes constituídos e, em 297 SARLET, 1998, p. 51. 298 RANGEL, 1994, p. 234-235. 299 LEITE, 2003, p. 85. 300 Idem, p. 86. 301 Idem.

primeiro lugar ao Legislativo, a promoção da proteção do ambiente ecologicamente equilibrado302.

Daí, pode-se concluir que este direito fundamental possui uma concepção jurídico- política de solidariedade, pois não se buscam a garantia ou a segurança individual contra determinados atos, nem mesmo a garantia e segurança coletiva; o objetivo desse direito é o próprio gênero humano e, paralelamente, à natureza, com vistas a preservação da capacidade funcional do ecossistema303.

Seguindo essa linha de raciocínio, Pureza acentua que se trata de um direito de responsabilidade compartilhada por todos nós, isto é, um misto de direitos e deveres de todos, não se inserindo mais como um direito subjetivo de perfil egoístico304.

Do ponto de vista internacional, a participação solidária é evidenciada, a partir do momento em que se percebe que para a efetivação desse direito fundamental, há necessidade