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Fundamentos para uma ciência jurídica do ambiente

O AMBIENTE, A SOCIEDADE E O DIREITO EM TEMPOS DE CRISE ECOLÓGICA

C) O antropocentrismo-alargado (extended stewarship ideology)

1.2 A concepção jurídica do ambiente

1.2.4 Fundamentos para uma ciência jurídica do ambiente

Na busca de seus propósitos, entretanto, o Direito não deve abandonar seu tradicional

302 SENDIM, 1998, p. 109. 303 LEITE, 2003, p. 90. 304 PUREZA, 1997, p. 24. 305 REZEK, 2002, p. 235-238. 306 BONAVIDES, 1993, p. 481.

comprometimento com o progresso e, muito menos adotar as ideologias que emanam da deep

ecology307; pelo contrário, deve assumir um compromisso intermediário, baseado num

nivelamento equilibrado dos dois extremos, agindo apenas para restringir a atuação do ser humano sobre a natureza, mantendo determinados limites ideais de tolerância, tanto para um como para o outro308.

O caráter intergeracional inerente ao Direito Ambiental justifica implicitamente todo e qualquer cuidado na proteção do meio ambiente. Sua preocupação com o direito das gerações futuras implica no reconhecimento de uma dicotomia: “tudo o que é bom para as gerações futuras é igualmente bom para a sobrevivência da biosfera e para a integridade do planeta.”309

Assim, o Direito Ambiental caracteriza-se por ser um direito revolucionário, pois seu propósito não consiste apenas na realização daquele objetivo tradicionalmente atribuído a ciência jurídica, ou seja, lograr a paz social, erradicando a violência privada, senão conseguir a harmonia do homem com o meio, implicando as expectativas de sujeitos inexistentes, que integram as gerações futuras310.

Tem por preocupação primordial garantir a manutenção das bases vitais da produção e da reprodução da humanidade e de suas atividades, garantindo igualmente, uma relação satisfatória entre os seres humanos e destes, com o ambiente311.

307Segundo OST (1997, p. 169-180) a “deep ecology” ou “ecologia profunda” consiste numa ideologia ecocêntrica, uma espécie de fundamentalismo ecológico que se baseia na sacralização da natureza. No contexto de sua radicalidade, a “deep ecology” não considera que a natureza pertence ao homem, pelo contrário, é o ser humano que pertence a natureza; havendo conflito de interesses, os interesses da natureza, então considerada sujeito de direitos, prevalecem sobre os interesses da humanidade. O autor salienta ainda que essa radicalidade também deve ser evitada pela sociedade. O ideal seria procurar o meio termo, de modo que a sociedade consiga uma relação dialética com o meio, um relacionamento positivo, civilizado. Não se trata de atribuir direitos à natureza, mas sim, de impor limites e deveres aos seres humanos. (Idem, p. 260). Ademais, conforme argumenta DERANI (1997, p. 75), as normas ambientais, como toda e qualquer outra norma jurídica, são voltadas a uma relação social e não a uma assistência à natureza. O Direito Ambiental surge para solucionar um dilema novo da sociedade industrial, um dilema que envolve presente e futuro, progresso e bem-estar na natureza.

308 MATEO, 1995, p. 32. 309 OST, 1997, p. 314. 310 MATEO, 1995, p. 19. 311 DERANI, 1997, p. 170.

Aqui não se pretende esculpir a idéia de que a norma ambiental seja a solução para todos os problemas ambientais que afligem a sociedade, pois como argumenta Derani:

Não se pode sobrestimar o Direito na ilusão de sua onisciência e onipotência, tudo prevendo, tudo organizando. Porque nem toda atividade se deixa organizar, e nem mesmo quando chega a ser organizada pode-se prever todas as suas peculiaridades312.

Obviamente, a lei não pode tudo313. Necessita, sem embargo, o concurso da moral e ambas da ciência, sem cujo aporte não haveria conhecimento suficiente para que se pudesse determinar os instrumentos e estratégias de atuação314. Apesar disso, é inegável que o aparato normativo, não só produz insubstituíveis efeitos disciplinadores das condutas em que incide, como também se constituí em causas informativas e meios pedagógicos que ajudam na formação da opinião com que se realimenta o processo, induzindo à introdução de novos aperfeiçoamentos normativos, num círculo evolutivo e constante315.

Importante salientar também que sendo parte integrante de uma resposta social às contingências da atualidade, o Direito Ambiental inegavelmente demonstra a dinâmica da ciência jurídica e cria novos instrumentos – princípios e normas, que expressam obrigações, responsabilidades e sanções – e atualiza instituições jurídicas tradicionais, já existentes, formando, assim, um sistema relativamente apto a estabelecer no interior da sociedade um elemento de fixidez, regularidade e continuidade, sem o qual nenhuma vida coerente seria possível. Como todo sistema jurídico, ele apresenta um desempenho satisfatório, ainda que

312 Idem, p. 50

313 Conforme já salientou o autor em outra ocasião (SILVA, D., 2003, p. 128-129) nas sociedades organizadas, a dinâmica social é conduzida às claras através de regras gerais, porém essas regras somente são respeitadas como decorrência de um acordo político prévio; assim, é possível dizer que a autoridade do Direito deriva primordialmente do interesse existente no interior do contexto sócio-político de onde emerge. A causa primeira do déficit de eficácia que atualmente caracteriza o Direito do Ambiente, tanto no âmbito interno, como no internacional, não deve ser procurada no próprio Direito do Ambiente; o Direito do Ambiente apresenta esse déficit porque entra em contradição com normas mais poderosas, que organizam e protegem as diferentes atividades destrutivas, forjando, assim, a ambivalência característica da sociedade de risco. Em verdade, ele tem sua eficácia prejudicada por ainda estar maculado pela ausência de uma escolha de prioridades.

314 MATEO, 1995, p. 32. 315 Idem, p. 35.

limitado316.

Da mesma forma, como todo e qualquer aparato jurídico, o Direito Ambiental funda sua atuação sobre o instituto da responsabilidade. Aliás, como já declarou a Corte Internacional de Justiça “a responsabilidade é o corolário necessário de um direito”317, já que sem ela, os princípios e as normas que estruturam o aparato jurídico se tornariam letra morta e delinqüir não acarretaria qualquer punição.

Contudo, a responsabilidade sobre a qual se alicerça o Direito Ambiental, é uma nova modalidade de responsabilidade. É uma responsabilidade ética e alargada. Ética, porque coloca o ser humano como guardião da natureza e das gerações futuras; e alargada, porque se volta decididamente para o futuro – não para o passado, como sempre foi tradicionalmente concebida – e por considerar que o que é bom para futuro da humanidade, também é bom para a natureza318.

Voltando-se para o futuro, essa responsabilidade, em lugar de procurar os culpados das ações passadas, serviria para antecipar a definição do círculo de pessoas solidariamente envolvidas, às quais seriam então imputadas antecipadamente as obrigações decorrentes de terem assumido as conseqüências previsíveis de seus atos.

A idéia de responsabilidade que permeia o Direito do Ambiente, deve ser compreendida como uma obrigação geral de prudência no sentido lato, apelando à idéia de limite, uma vez que é a ilimitação dos comportamentos que gera a fragilidade ecológica 319.

Esta responsabilidade configura-se por ser mais uma responsabilidade projeto do que uma responsabilidade imputação. Seu objetivo é a continuidade do humano e, em razão disso,

316 SILVA, D., 2003a, p. 169.

317 Trecho da sentença proferida pela Corte Internacional de Justiça, no Caso Barcelona Traction, Ligth and

Power Company Limited (Bélgica x Espanha), 2ª fase, CIJ n. 3, 1970. Apud PEREIRA, L. 2000, p. 116.

318 OST, 1997, p. 309. 319 Idem, 310.

toma como seus beneficiários as gerações futuras e não a natureza como tal320. Dessa forma, tendo sempre em vista tais interesses, essa responsabilidade projeto estrutura-se sobre três princípios gerais: (I) a manutenção das opções; (II) a conservação da qualidade de vida e (III) a garantia de acesso aos recursos, dos quais decorrem obrigações derivadas, como: a solidariedade com o futuro, a obrigação de preservação, a utilização eqüitativa, a prudência e prevenção dos danos, a assistência, a informação e a indenização dos prejuízos321.

Como fenômeno jurídico, essa responsabilidade projeto acompanha a evolução da ética social e se constrói, dia após dia no interior do contexto social, se alicerçando em princípios ambientais, internacionalmente declarados pelas sociedades humanas.