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O AMBIENTE, A SOCIEDADE E O DIREITO EM TEMPOS DE CRISE ECOLÓGICA

C) Princípio da precaução e atuação preventiva

Num cenário onde as agressões ao meio ambiente são, em regra, de impossível, improvável ou difícil reparação, uma vez consumada a lesão ambiental, sua reparação será sempre onerosa e incerta, quando for possível. Em razão disso, o Direito Ambiental passa a orientar-se cada vez mais por uma atuação antecipada e cautelosa, a fim de evitar a ocorrência de danos. A reparação e a indenização devem ser o último recurso, sendo esta noção a base dos princípios de precaução e atuação preventiva.

As idéias de precaução e autuação preventiva, cujo objetivo primordial é inibir o risco de dano, revelam uma característica antecipatória inovadora, inerente ao Direito Ambiental.

Trata-se de institutos jurídicos recentes em pleno processo de assimilação pela ciência jurídica e em constante evolução, emergindo daí algumas dificuldades com relação à sua exata compreensão e conteúdo.

Existe na doutrina jurídica um amplo debate acerca das definições de precaução e prevenção. Milaré349, Fiorillo e Rodrigues350 adotam somente o termo prevenção, por entenderem que este, em razão de seu caráter genérico, abrange a precaução. Contudo, Martins351 salienta que as idéias de precaução e prevenção derivam do Vorsogeprinzip, do

348 LEITE, 2003, p. 53. 349 MILARÉ,1998, p. 290.

350 FIORILLO e RODRIGUES, 1999, p. 140-143. 351 MARTINS, 2002, p. 24.

ordenamento jurídico alemão, que exige a necessidade de ação contra a emergência de riscos, cuja existência ou dimensão ainda não foi sequer demonstrada, ou mesmo a necessidade de agir na ausência de risco, designadamente, postulando a não perturbação de um dado recurso ambiental, como forma de gestão cautelosa do futuro. Mas a autora afirma também que existe uma distinção entre ambos352.

Da mesma forma, autores como Machado353 e Derani354 procuram estabelecer tal distinção, especificando a área de atuação de cada um deles. Para eles, a precaução impõe uma atuação antecipada, num momento anterior ao próprio risco ou ameaça, enquanto a prevenção dirigiria medidas num momento posterior ao reconhecimento desse risco.

De forma sintetizada, é possível afirmar que “o princípio da prevenção se dá em relação ao perigo concreto, enquanto que, em se tratando do princípio da precaução, a prevenção é dirigida ao perigo abstrato.”355

Ferreira acrescenta mais uma distinção, quando afirma que a precaução acarreta a inversão do ônus da prova, ou seja, a conduta somente poderia ser realizada se quem intenta praticá-la, demonstrar que ela ou seus efeitos não implicam em riscos356.

Portanto, a prevenção demanda a certeza do perigo decorrente de uma dada atividade e tem por objetivo a proibição da repetição dos danos, ao passo que a precaução funda-se na falibilidade da racionalidade científica e objetiva evitar a criação de riscos novos, muitas vezes desnecessários. A precaução poderia ser compreendida como um reforço da prevenção357.

De um modo geral, de acordo com o princípio de precaução e atuação preventiva, previstos no artigo 15, da Declaração da Eco-92, sempre que houver perigo da ocorrência de 352 Idem, p. 41. 353 MACHADO, 2003, p. 62 e 73. 354 DERANI, 1997, p. 165-167. 355 LEITE e AYALA, 2002, p. 58. 356 FERREIRA, 2003, p. 148.

um dano grave ou irreversível ou a ausência de certeza científica absoluta quanto à possibilidade de danos decorrentes de determinada conduta, esta deverá ser adiada até que possam ser realizadas de modo seguro e observando critérios que impeçam a degradação ambiental.

No que tange à sua efetividade, a jurisprudência internacional absteve-se de aplica- lo, quando teve oportunidade358. Já no âmbito do direito comunitário europeu, a precaução e a atuação preventiva foram consagradas expressamente como uma das tarefas fundamentais da União Européia (UE) pelo Tratado de Maastricht, em seus artigos 2° e 3°.

O Direito Ambiental estadunidense, por sua vez, ainda não adota expressamente o princípio da precaução e atuação preventiva. Aliás, esse país declarou expressamente, quando acionado pela a União Européia (UE) perante o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, a inaplicabilidade da precaução como forma de solução para o caso, alegando que, em razão de sua carência de normatividade, a precaução revela-se como mera abordagem política.

Conforme assinala Wolfrum e Langenfeld359, o Direito Ambiental dos Estados Unidos da América (EUA) compreende a prevenção, identificando-a em três elementos: (I) prevenção como reação ou contramedidas, (II) como avaliação, taxação (assesment) e restauração e (III) como mitigação e contenção dos danos já ocorridos. Bergkamp360 acrescenta, ainda que existe um debate no meio jurídico dos EUA, acerca da precaução, indicando a adoção de meios que, ao contrário de garantir risco-zero, sejam menos restritivos, como por exemplo, a adoção de tratamento apropriado, redução da exposição, controle firme 357 NOGUEIRA, 2002, p. 290.

358 No julgamento do caso dos “Testes Nucleares”, envolvendo a França e a Nova Zelândia, em 1996, a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) absteve-se de apreciar a solicitação da Nova Zelândia quanto à natureza, à normatividade, e ao conteúdo do princípio da precaução, julgando apenas caráter processuais e formais da demanda. (MARTINS, 2002, p. 37). O Órgão de Solução de Controvérsia da Organização Mundial do Comércio (OMC), por sua vez, instado a manifestar-se sobre o embargo imposto pela União Européia às importações de carne bovina com hormônios proveniente dos Estados Unidos e Canadá, com fundamento no princípio de precaução, afirmou que não poderia manifestar-se sobre a questão, por não existir consenso quanto ao status, à normatividade e ao conteúdo do princípio de precaução na comunidade internacional (Idem, p. 38).

e seguro, adoção de limites provisionais, recomendações para as populações sobre os riscos, etc, assemelhando muito o seu conteúdo ao conteúdo da prevenção.

Com relação ao Direito brasileiro, é importante salientar que a precaução e a atuação preventiva já mereceram menção expressa na legislação, como ilustra, por exemplo, o texto do § 3°, do artigo 54, da Lei Federal 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais). Da mesma forma, a jurisprudência, ainda que de forma muito reduzida, já lhe atribuiu um certo caráter normativo, aplicando a precaução e a atuação preventiva em algumas decisões361. Porém, esses institutos somente seriam adotados expressamente com caráter normativo efetivo (princípio-norma) pelo ordenamento jurídico brasileiro, com o advento do Decreto n° 4.297, de 10 de junho de 2002, que regulamentando o artigo 9º, II, da Lei Federal 6.938/81, estabeleceu os procedimentos, critérios e requisitos que deverão ser observados para o zoneamento ambiental362.

Vê-se, portanto, que no interior da dinâmica evolutiva da sociedade, a precaução e a prevenção aperfeiçoam-se, deixando de ser apenas meras referências para adquirir a obrigatoriedade advinda do reconhecimento da sua normatividade363. Sua aplicação prática eficaz, entretanto, pressupõe a necessidade de se suplantar a pressa, a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato, que permeiam a sociedade contemporânea364.