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O dano ambiental: a construção social de um conceito jurídico

OS DANOS AO MEIO AMBIENTE

2.1 A construção do conceito jurídico do dano ambiental

2.1.2 O dano ambiental: a construção social de um conceito jurídico

A definição de dano esboçada linhas acima, denota que o dano ambiental, por sua vez, é mera especialização de uma categoria mais ampla e genérica. Nele, a lesão sempre recairá sobre algum ou alguns dos elementos que compõem o ambiente, podendo, ainda, indiretamente, atingir bens, direitos ou interesses individuais juridicamente protegidos. Por essa razão, a amplitude do conceito que se atribui para definir o dano ambiental, estará sempre circunscrita e determinada pelo significado que se outorgue ao meio ambiente9.

Conforme já salientado em outra oportunidade10, segmentos cada vez maiores da sociedade têm passado gradativamente a considerar o meio ambiente como um bem autônomo, unitário e de interesses jurídico múltiplo, integrado por vários elementos, como os patrimônios naturais, artificiais e culturais11. Outros, porém, ainda compreendem o bem ambiental exclusivamente sob a ótica antropocêntrica, ou seja, intimamente relacionado ao ser humano, enquanto indivíduo e sujeito de direitos12. 7 MELLO, 1985, p. 55.

8 Isto porque, nem toda alteração desfavorável para o meio ambiente, do ponto de vista ecológico, será necessariamente uma lesão juridicamente tutelada. De fato, existem alterações provocadas ao ambiente tidas como socialmente necessárias e que acarretam desequilíbrios ecológicos, mas que são acobertada por uma certa tolerância jurídico-social, desde que respeitados determinados padrões e normas técnicas previamente estabelecidas.

9 SANCHEZ, 1996, p. 142.

10 Ver item 1.1.4, do Capítulo 1, retro. 11 LEITE, 2003, p. 94

12 Conforme salienta CATALÁ (1998, p. 77), esse é o caso da Lei alemã sobre responsabilidade ambiental e da Lei japonesa sobre indenização por danos corporais resultantes de contaminação ao meio

Dessa forma, para compreender o dano ambiental, é indispensável ter em mente que a construção de seu conceito é reflexo direto do contexto social no qual se insere13. Na realidade, as escolhas e opções da sociedade influenciam de maneira determinante a amplitude da definição que se pode atribuir a esse fenômeno, uma vez que na prática nem toda alteração negativa ou lesão do ambiente será caracterizada como dano, em virtude da existência de uma certa tolerância social, em relação a determinados acontecimentos capazes de causar mutações ao meio14.

É neste sentido que Steigleder aponta o Direito como “um filtro dos diversos aspectos econômicos, sociais e culturais que influenciam a definição do que será considerado dano ambiental em sentido jurídico”15.

Assim, para refletir a realidade a que se destina, “a construção jurídica do dano ambiental deve ser percebida dentro do contexto social, político, cultural, econômico e histórico do paradigma da modernidade ocidental”16, uma vez que tal paradigma é determinante no estabelecimento dos comportamentos da humanidade, em relação ao meio ambiente17.

Tal autora salienta, ainda que a modernidade ocidental adotou, desde seus primórdios, como pressuposto essencial de sua evolução social, o desenvolvimento e o progresso a qualquer preço, fatores que, inevitavelmente, concorrem para gerar “uma moldura reduzida e de pouca efetividade prática”18, na tutela jurídico-social do meio

ambiente, onde o dano ao bem ambiental só existe na medida em que se produza um atentado à vida, à saúde ou à propriedade do indivíduo.

13 Neste sentido, ANTUNES (2002, p. 173-174 e 187), prescreve que a poluição e o dano ambiental não existem em si; eles somente podem ser compreendidos em relação a uma determinada realidade previamente estabelecida, são constituídos social e culturalmente e não existem de forma abstrata, uma vez que até os padrões e limites para a permissão de poluir são definidos socialmente, mediante a adoção de critérios que possuem natureza política, econômica e social, alicerçados sempre no conhecimento e na informação científica, que por sua vez não é decisiva, impedindo uma definição definitiva.

14 CATALÁ, 1998, p. 75-76; STEIGLEDER, 2003, p. 14. 15 STEIGLEDER, 2003, p. 24. 16 Idem, p. 22. 17 Idem, p. 5. 18 Idem. 130

ambiente, em geral e do dano ambiental mais especificamente.

Portanto, ao pretender formular um conceito condizente de dano ambiental, é indispensável considerar essa diversidade de fatores; daí a complexidade que envolve a compreensão e a formulação teórica e prática do fenômeno dano ambiental.

Tratando-se de um projeto social inacabado, a construção de um conceito jurídico para o dano ambiental encontra-se sob a permanente interferência recebida dos quatro axiomas fundamentais da sociedade moderna, apontados por Santos, e que, segundo ele, constituem a base estrutural da crise ecológica que assola a sociedade contemporânea. Segundo esse autor, tais axiomas são: 1) a hegemonia da racionalidade científica; 2) a propriedade privada independente do uso que faz dela o proprietário; 3) o Estado como legitimador da propriedade, proprietário, empreendedor e regulador das atividades e 4) a crença no progresso, entendido como desenvolvimento infinito, alimentado pelo crescimento econômico, pela ampliação das relações e pelo desenvolvimento tecnológico19.

Steigleder afirma que a esses quatro aspectos, agrega-se, gradativamente, de uns tempos para cá, um quinto fator, atinente à sensibilidade humana em relação à natureza e que como os demais, interfere determinantemente na formação do conceito de dano ambiental reparável20.

Ao hegemonizar (1) a racionalidade cientifica inspirada nas teses iluministas do final do século XVII, a sociedade moderna tornou-se predominantemente antropocêntrica e passou a tomar o ambiente, ou seja, a natureza, como objeto a ser apropriado, explorado, investigado, dissecado e fragmentado, no intento de se extrair dela todos os benefícios aptos a satisfazer as necessidades humanas21. Obviamente, essa racionalidade científica trouxe muitos benefícios para a humanidade, mas levou o ser

19 SANTOS, 2000, p. 321. 20 STEIGLEDER, 2003, p. 24.

humano a considerar a natureza como fonte ilimitada e infinita de recursos, apta a servir como instrumento de perpetuação do então emergente sistema sócio-econômico liberal burguês.

Por outro lado, a ciência tomada como única forma de conhecimento universalmente aceita torna-se, em tempos de crise ecológica, a fonte predominante de informação capaz de auxiliar na definição do que pode ou não ser considerado um dano ao meio ambiente.

Por sua vez, a sacralização do (2) direito de propriedade22 no interior dessa sociedade, contribuiu ainda mais para o aprofundamento da noção de natureza, como objeto destinado a servir ao homem.

Aqui, importa frisar que é irrelevante o fundamento que se utilize para justificar a existência desse direito, tido como sagrado nessa sociedade; o que interessa é constatar que a noção de propriedade privada sempre serviu como pretexto para salvaguardar a possibilidade de qualquer forma de utilização dos bens ambientais, contribuindo, assim, para estabelecer uma compreensão reducionista que, simplesmente, reduzia o ambiente à mera fonte de matéria prima para os processos produtivos. Tal fato, sem dúvida, relegou a proteção da natureza sempre para um plano secundário, que somente se cogita quando a conservação dos recursos encerra alguma utilidade humana23.

21 Idem, p. 24-25.

22 Inicialmente, o direito à apropriação fundou-se na ética e na teologia judaico-cristã, insculpida na Bíblia (ver Livro do Gênese, 1, 26 e 28), que em diversas passagens ensejava a interpretação que conduziu à apropriação ilimitada dos recursos naturais (neste sentido, ver OST, 1995, p. 30-34). Posteriormente, o direito de propriedade foi sacralizado e positivado pelo Estado emergente das revoluções liberais burguesas do século XVII, que se inspiraram nas idéias de John Locke sobre a constituição do Estado a partir da celebração do pacto social e cujo objetivo era o de justificar e de assegurar todos os direitos naturais do ser humano, entre eles o direito à propriedade privada; consagrado como o principal direito subjetivo e um dos fundamentos da instituição do Estado Moderno, seu garantidor fundamental. A idéia de que propriedade é um direito natural do ser humano era tão forte na época da Revolução Francesa que foi expressamente prevista no art. 2º e 17 da Declaração de Direitos do Homem de 1789. (Neste sentido, ver STEIGLEDER, p.31- 32).

23 STEIGLEDER, 2003, p. 37.

Nesse contexto, o proprietário tudo pode fazer em e com sua propriedade, desde que não prejudique o exercício dos direitos e poderes dos demais proprietários sobre suas respectivas propriedades.

Conforme salienta Steigleder24, nesse cenário:

o dano ambiental surge como verdadeira apropriação dos recursos ambientais ou da qualidade destes recursos, na forma de poluição, que deveria ser fruída coletivamente. Essa apropriação vem legitimada pelo intenso individualismo, que conduz para uma absoluta ausência de preocupação e respeito pelos outros. Assim, o proprietário exerce livremente o seu domínio sobre o bem, podendo utilizar totalmente os recursos ambientais que se situam sobre o solo, já que integram a propriedade imobiliária. Nenhuma preocupação, portanto, com o coletivo ou com as futuras gerações.

Além disso, é importante também considerar que a propriedade é um direito que se estende ilimitadamente, buscando transformar todos os elementos da natureza em valores comerciáveis, concebendo-os, assim, como meros objetos a serem gradativamente apropriados.

No interior dessa lógica de apropriação desenfreada, a res nullius ou coisa sem dono (como as aves e os peixes) escapam apenas temporariamente da apropriação; ou por nunca terem sido apropriadas ou por terem sido abandonadas pelo antigo proprietário, mas que podem ainda ser apropriadas pelo primeiro que se apossar delas. Enquanto a res communes ou coisa coletiva (como a água e o ar) em razão da impossibilidade de serem apropriadas na sua totalidade, são apropriadas em parcelas, a exemplo do que acontece com uma infinidade de elementos naturais que compõem o meio ambiente, que enquanto bens coletivos são poluídos e degradados indiscriminadamente para benefício patrimonial de alguns, enquanto os demais repartem os prejuízos oriundos dessa apropriação injusta e indevida25.

O direito de propriedade esconde outra perversidade, uma vez que a

24 OST, 1995, p. 68-70.

25 Idem, p. 40-41.

apropriação impõe a fragmentação do meio ambiente, causando a perda da visão de conjunto, consagrando, dessa forma, mais uma vez, a ótica analítica cartesiana, em detrimento da idéia de interação e interdependência inerente à compreensão sistêmica e ecológica.

Quanto ao ente estatal, seu papel é fundamental na sociedade moderna e por esse motivo, sua atuação irá também influenciar de forma determinante a construção do conceito de dano ambiental. O (3) Estado moderno, além de ser o grande garante do direito de propriedade, contribui de maneira dúplice para a crise ecológica, pois de um lado, é o regulador das atividades particulares e de outro, é também o proprietário empreendedor26.

Na primeira acepção, o Estado ainda não busca primordialmente proteger ou preservar o meio ambiente, mas sim, disciplinar a atividade econômica27. Na segunda acepção, revela-se o paradoxo da sua atuação, pois exercendo atividades econômicas ou de cunho social (como por exemplo, adotando políticas de pleno emprego, moradia e implemento da produção), colabora para a degradação ambiental, praticando atividades e atos potencialmente lesivos ao meio28.

Ademais, a história já demonstrou que a simples transferência da titularidade dos bens de produção para o Estado, nunca foi um fator que, por si só, demonstrasse condições de proteger adequadamente o meio ambiente. Sem qualquer pretensão de examinar a potencialidade do Socialismo, como filosofia, de enfrentar as questões ambientais, pode-se constatar, pela experiência prática e histórica dos países que adotaram tal regime, que, apesar de todas as diferenças entre as economias ocidentais dominadas pelo mercado e as economias planificadas inerentes aos Socialismo e suas

26 Idem, p. 43.

27 DERANI, 1997, p. 72-76.

28 Por exemplo, produção de energia, seja hidroelétrica ou nuclear, implantação de loteamentos e construção de moradias populares, construção de aterros sanitários, etc...

respectivas ideologias, quando existe a necessidade de tomar-se uma atitude quanto ao mundo natural, suas visões são surpreendentemente semelhantes. Agrega-se, portanto, à questão da titularidade sobre os recursos ambientais, o modelo de desenvolvimento adotado e as concepções a respeito de progresso, desenvolvimento e crescimento econômico, como pilastras basilares ao bem-estar social29.

A atuação paradoxal do Estado quando se propõe a tutelar o ambiente, fica mais evidente quando considerado que ao mesmo tempo em que é fonte criadora, é também destinatário final das normas e regulamentos de tutela ambiental, que objetivam a conservação, a proteção e a preservação do ambiente, sendo, portanto, responsável e garante pela proteção da natureza ao mesmo tempo em que colabora de maneira ao menos potencial para sua degradação30.

O (4) progresso, por sua vez, apesar dos inegáveis benefícios que proporciona, é muitas vezes utilizado como desculpa para justificar a degradação ambiental em todos os seus níveis. O predomínio da ideologia dominante de que sem progresso não há desenvolvimento e que sem desenvolvimento não haverá a qualidade de vida desejada31, interfere, de maneira determinante, na construção do que pode ou não ser considerado dano ambiental, contribuindo para a criação dos graus ou padrões de tolerabilidade social, diante das alterações provocadas no meio.

Por último, tem-se como fator social determinante para a definição do conceito de dano ambiental, a crescente (5) sensibilidade humana em relação à natureza, que enquanto fator cultural resultante da percepção da crise ecológica, pode ser maior ou

29 Conforme salienta CORDEIRO (1995, p. 144), a apropriação do mundo natural, o desperdício e a produção de escassez que fomenta a crise ecológica estão intrinsecamente inseridos na sistemática de produção da mais-valia capitalista, sendo que a promessa socialista era justamente superar essa lógica produtiva perversa; porém a história do século passado veio mostrar que a humanidade está longe de encontrar uma efetiva alternativa econômica e social ao mercado, pois perversidades muito piores emergiram na sociabilidade socialista real.

30 OST, 1995, p. 131.

menor, variando de acordo com os níveis de educação e conhecimento, mas também de acordo com o padrão social das pessoas32.

Da mesma forma, enquanto fator cultural, essa sensibilidade, inevitavelmente evoluí no decorrer de evoluções históricas, estando, por isso sujeita às interferência oriunda do enraizamento das tradições regionais, fragilizando-se, por esse motivo, em determinados locais ou regiões, tais como ilustram as tradições da “farra do boi” no Estado de Santa Catarina, as Touradas na Espanha e ainda, “as rinhas de galo e de cães” em regiões mais esparsas.

Em que pese os aspectos flexíveis dessa manifestação cultural, é inegável a importância da evolução dessa sensibilidade para com a natureza, já que no seu auge, contribuiu de forma determinante para a emergência dos movimentos ambientalistas e ecológicos, no decorrer da década de 1970, abalando o domínio do antropocentrismo, na medida que seus representantes pregavam uma compreensão ecocêntrica do mundo, traduzida na filosofia da deep ecology ou ecologia profunda, segundo a qual o ser humano precisa voltar a considerar-se parte integrante da natureza, tomada então, como verdadeiro centro do universos e mãe de toda a vida 33.

Vale destacar que esta filosofia ecológica colocou-se em ampla contradição ao 31 Como afirma SANTOS (2000, p. 328), a racionalidade cientifica forjou uma ideologia fortemente enraizada na sociedade moderna de que “o progresso científico assegura, por via do desenvolvimento tecnológico, o progresso da sociedade”.

32 Conforme salienta SILVA, J. R. (2002, p. 35), “numa certa tomada de vista sociológica, parece claro que uma pessoa bem alimentada, com necessidades básicas atendidas e com tempo para o lazer, reage (em relação às questões ambientais) de um modo diferente daquele que nada ou pouco possuí. Aqueles que não detêm um mínimo patrimonial que lhes permita satisfazer as necessidades básicas da sobrevivência, tendem a se concentrar primeiro em alcançar este mínimo patrimonial para posteriormente ter um agir ambientalmente correto. É certo que esta proposição não é absoluta, mas, como se afirmou, é uma tendência e se irradia do instinto básico de sobrevivência”.

33 A idéia central da Deep Ecology é o retorno do ser humano à natureza, integrando-a. Seu pressuposto fundamental era o reconhecimento da natureza não mais como objeto de direito mas sim, como sujeito de direito. Trata-se, contudo, de um movimento heterogêneo, que algumas vezes foi marcado pela radicalidade, pregando a sacralização da natureza, bem como da idéia de igualdade de direitos entre ela e o ser humano e, em alguns casos, a possibilidade de se atribuir aos seres vivos, em geral, a capacidade de pleitearem em juízo, ignorando, assim, diferenças essenciais entre o que é humano e o que não é; daí, ter sido feroz e intensamente criticada, especialmente porque, conforme assinala OST, “o Direito é produzido

antropocentrismo até então dominante, surgindo do choque entre ambas, um meio termo, uma filosofia híbrida34, que provocaria um alargamento da visão antropocêntrica do mundo. Agora, o ambiente deixa de ser apenas mais um objeto a ser apropriado e utilizado indiscriminadamente pelos seres humanos, para inserir-se no seio das preocupações sociais que demandam solução. Institui-se, então, ao menos no discurso existente na sociedade, a pretensão de um relacionamento mais positivo com o ambiente e, conseqüentemente, a preocupação com a precaução e com a prevenção no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, adotando-se critérios mais adequados para se compreender o significado de progresso. Este passa a ser de certo modo limitado pelo pressuposto da sustentabilidade (desenvolvimento sustentável) proporcionando ainda, o reconhecimento de uma função social e ambiental inerentes à propriedade. Todos esses aspectos contribuem, sem dúvida, para o alargamento do conceito de dano ambiental.

Contudo, essa preocupação social com a preservação e a utilização racional do meio ambiente, imanente nessa sensibilidade, não abala a posição de centralidade que o ser humano ocupa há séculos em relação ao resto da natureza35, mas serve tão somente para que ele reconheça que a sua sobrevivência, bem como a sua qualidade de vida, traduzida em bem-estar social, dependem intrinsecamente da qualidade dos demais componentes ambientais. A proteção, preservação e conservação da natureza passa a ser mais importante do que em outras oportunidades, sem considerar, entretanto, a natureza diretamente em si, mas tão somente as necessidades e interesses humanos que estão vinculados à proteção do ambiente.

pelos homens e para os homens” (1995, p. 214-215). Neste sentido, ver também STEIGLEDER, 2003, p. 103-111 e, para uma abordagem mais profunda sobre a Deep Ecology, ver OST, 1995, p. 181-216. 34 SENDIM (1998, 101), chama essa filosofia híbrida de concepção do ser humano perante o mundo e a natureza, de “antropocentrismo alargado”, segundo a qual, tende-se a “acentuar-se a responsabilidade do Homem pela Natureza – conseqüência da possibilidade de alterar o equilíbrio do sistema ecológico em que este se insere – e a justificar-se a atuação do Homem como guardião cuidadoso da biosfera”, reconhecendo-se como parte integrante e dependente da comunidade biótica.

35 Tanto que há certa tolerância a determinadas alterações do ambiente, desde que tais alterações tragam benefícios relevantes para o conjunto social humano. Nesse sentido, ver letra “b”, do item 2.3, infra.

Essa diversidade de interferências sócio-culturais que recaem sobre a construção do conceito utilizado para designar o que seja dano ambiental, denota que sua estratificação em termos jurídicos é um processo dialógico e heterogêneo, marcado pela tensão de uma infinidade de interesses e diferenças culturais, afastando qualquer pretensão de se elaborar um discurso único e universal sobre o que pode ou não pode ser considerado uma lesão ao ambiente, denotando que a missão de se construir tal conceito ainda é, realmente, um projeto inacabado.