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A superação da crise a partir de sua compreensão sistêmica: a transição em marcha no decorrer da modernidade

O AMBIENTE, A SOCIEDADE E O DIREITO EM TEMPOS DE CRISE ECOLÓGICA

1.1 A concepção da social do ambiente

1.1.3 A superação da crise a partir de sua compreensão sistêmica: a transição em marcha no decorrer da modernidade

Inspirada pelas teologias religiosas herdadas da Idade Média, que concebiam o ser humano como filho do Criador e senhor da natureza criada para lhe servir, a humanidade embriagada pelos avanços científicos dos séculos XVI e XVII propugnou-se a dominar a natureza em toda a sua plenitude.

43 LEITE, 2003, p. 22

44 OST, 1997, p. 16.

45 OST (1997, p. 9) afirma que: “Esta crise é simultaneamente a crise do vínculo e a crise do limite: uma crise de paradigma, sem dúvida. Crise do vínculo: já não sabemos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o que deles nos distingue”. E continua, propondo um modelo de solução (1995, p. 16) dizendo que: “será necessário elaborar um saber ecológico realmente interdisciplinar: não uma ciência da natureza, nem uma ciência do homem, mas uma ciência das suas relações”. Tal como ensina SERRES (1990, p. 51) quando propõe o seu contrato natural, dizendo: “Volta à natureza! Isto significa: ao contrato exclusivamente social juntar o estabelecimento de um contrato natural de simbiose e de reciprocidade onde nossa relação com as coisas deixaria o domínio e a posse pela escuta admirativa, pela reciprocidade, pela contemplação e pelo respeito, onde o conhecimento não mais suporia a propriedade nem a ação a dominação, nem estas os seus resultados ou condições estercorárias”.

A ciência moderna se propôs explicar tudo aquilo que antes era atribuído ao místico e contribuiu para que a Modernidade assumisse um caráter eminentemente antropocêntrico. Colocando o ser humano no centro das preocupações universais, a ciência forneceu-lhe um método racional, que o tornou capaz de subjugar a natureza, com menos clemência que outrora, colocando-a como serva de seu insaciável deleite.

Os renomados estudiosos da época da revolução científica cortaram o cordão umbilical, que até então unia o ser humano ao seu mítico criador, instituindo, dessa forma, as ciências naturais laicas, hoje conhecidas como a Física, a Astronomia, a Química, a Biologia, etc.

As descobertas científicas que patrocinaram esse corte umbilical, foram as grandes responsáveis pelo império do pensamento reducionista e mecanicista, oriundo das influências teóricas do racionalismo científico, elaborado por René Descartes, Isaac Newton, Galileu Galilei e Francis Bacon, dentre outros, em todo mundo ocidental.

Abordando a revolução científica, Capra é categórico, ao afirmar que:

Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associada aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton46.

A ciência emergente buscava contrapor-se a qualquer forma de dogmatismo ou autoridade do ancien régime. Os protagonistas do paradigma científico emergente procuravam refutar tudo o que não fosse racionalmente explicável.

Santos aponta que “ao contrário da ciência aristotélica a ciência moderna desconfiava sistematicamente das evidências da nossa espiritualidade imediata. Tais evidências que estão

46 CAPRA, 1996, p. 34.

na base do conhecimento vulgar, são ilusórias”47 para ela.

A partir das descobertas desses magníficos cientistas, a humanidade julgou-se capaz de conhecer o universo em toda a sua plenitude e a partir de então se propôs a dominá-lo48. Nessa racionalidade científica moderna predominava uma percepção do mundo natural, tido como uma máquina linear predisposta a se repetir infinitamente.

Torna-se total a separação entre a natureza e o ser humano. A natureza diante da nova ciência

(...) é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sobre a forma de leis; não tem qualquer outra dignidade que nos impeça de desvendar seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes ativo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar49. A natureza passava a ser esmiuçada, delineada e aprimorada pela ciência e estaria destinada sempre a servir e satisfazer as vontades e caprichos humanos na consecução e realização de um desejado estado de bem- estar social.

Argumentando sobre o comportamento humano, diante da natureza nos últimos séculos, Ost argumenta que:

O programa assim delineado é bem o da tecnociência moderna: conhecimento e domínio do Universo. Num primeiro tempo trata-se de compreender, penetrando o segredo das causas e dos princípios; em seguida imita-se a natureza; algum tempo depois aperfeiçoa-se a natureza; depois chegará o momento em que ela é transformada; por fim cria-se o artifício, o autômato, a supernatureza50.

As idéias que fundamentam a observação e a experimentação científica, são idéias claras e simples que permitem um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza. Essas idéias são matemáticas. A Matemática fornece à racionalidade científica predominante na modernidade não só o instrumento privilegiado de análise como também a lógica da

47 De acordo com SANTOS, B. (2003a, p. 24) é com fundamento nessa perspectiva que Galileu, em seu célebre

Discurso sobre os grandes sistemas do Mundo, de 1632, esforça-se para demonstrar a hipótese dos movimentos de rotação e translação da Terra que não pode ser refutada pelo fato de que não é possível para o homem observar qualquer efeitos mecânicos desses movimentos, ou seja, pelo fato de a Terra parecer parada e quieta. 48 OST, 1997, p. 35-42.

investigação e o modelo de representação da própria estrutura da matéria. Não é atoa que para Galileu, o livro da natureza estava escrito em caracteres geométricos51.

Do lugar central que a Matemática ocupa na ciência, derivam, segundo Santos, duas conseqüências principais. Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico se afirma pelo rigor da medições. As qualidades intrínsecas dos objetos são desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades, em que eventualmente se podem traduzir; nesse contexto, o que não é quantificável, é cientificamente irrelevante52. Em segundo lugar, o método científico se assenta na redução da complexidade (reducionismo). O mundo é por demais complicado para que a mente humana possa compreendê-lo. Em virtude desse fato, para conhecê-lo, torna-se necessário dividir e classificar o objeto de análise, para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou53.

Com a publicação de seu Discurso do método, em 1637, René Descartes consagra o método científico, cuja regra consiste precisamente em “dividir cada uma das dificuldades... em tantas parcelas quanto for possível para melhor as resolver”54.

Santos pontua que a natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas aqui referidas. “É um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos”55.

Trata-se de uma ciência voltada para a construção das “leis universais da natureza”. Esse conhecimento baseado em leis, tem como pressuposto a idéia de ordem e de estabilidade do universo, a idéia de que o passado se repete no futuro. De fato, o conhecimento baseado em leis privilegia o “como funciona” das coisas, em detrimento do “porque funciona” e 49 SANTOS, B., 2003a, p. 25. 50 OST, 1997, p. 37. 51 SANTOS, B., 2003a, p. 27. 52 Idem, p. 28. 53 SANTOS, B., 2003a, p. 28.

“para que funciona”. É por essa via que o conhecimento científico rompe com a racionalidade do senso comum e é através do método científico que a ciência dota-se de tendências à globalidade, à universalização, tornando a racionalidade científica o paradigma predominante do mundo moderno.

De acordo com a Mecânica teorizada por Newton, o mundo da matéria é uma máquina, cujas operações podem ser determinadas exatamente através da formulação de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível, por via de sua decomposição nos elementos que o constituem. Essa idéia do mundo máquina torna-se a metáfora do mundo e transforma-se na grande hipótese universal da Era Moderna, o mecanicismo56.

O determinismo mecanicista apresenta-se como a forma de conhecimento, que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender o mundo real do que pela capacidade de dominar e transformar57. Enquanto conhecimento racional, utilitário e funcional, apto a transformar o mundo, coloca-se a serviço da burguesia ascendente e torna-se o pilar fundamental das idéias de progresso e desenvolvimento econômico emergentes no cenário europeu a partir do século XVIII.

As características da racionalidade científica cartesiana até aqui expostos, levam Santos58 a enumerar os principais aspectos que lhe são inerentes. Para ele, a racionalidade cientifica que contribuiu para o declínio da Era Medieval e a ascensão da Modernidade, é marcada, de um lado, por um desprezo pelo conhecimento do senso comum, que não se pauta pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas; e por outro, pelo incentivo à desvinculação entre ser humano e natureza, sendo esta concebida como passiva,

54 DESCARTES, 1984, p. 6. 55 SANTOS, B. 2003a, p. 29. 56 Idem, p. 31. 57 Idem. 58 SANTOS, B. 2000, p. 61-62.

ilimitada, eterna e reversível. Nesse contexto científico totalizador, que ignora outras formas de racionalidade59, a natureza é tomada como elemento totalmente dissociado do humano e, portanto, passível de dominação e controle para o benefício da humanidade60.

Para o modelo ou método científico cartesiano, a natureza é uma fonte infinita de recursos e riquezas e, por esse motivo, capaz de ser colocada a serviço da humanidade. Ost61 assinala que nessa concepção a “natureza é reduzida a uma ‘coisa vasta’ (res extensa), somatório de toda matéria fixa, divisível em partes determinadas percorridas por movimentos constantes”.

De fato, deve-se ter cuidado quando se pretende desmoralizar a ciência moderna. Não há como negar seus méritos e louvar o método científico moderno, já que foi ele que possibilitou “a uniformidade das investigações e, portanto, a aferição dos resultados empiricamente constatados”62.

Foi o método científico idealizado por Descartes que possibilitou a contestação dos dogmas eclesiásticos da Igreja e os avanços científicos, que iluminaram as trevas medievais. A ciência moderna, baseada no método cartesiano, trouxe infindáveis benefícios para a humanidade: proporcionou-lhe conhecimento inigualável, auxiliou no aumento da expectativa de vida da população, contribuiu para evitar que as previsões apocalípticas de Malthus63 se realizassem, auxiliando no aumento da produção global de alimentos, contribuiu para o

59 CHAUÍ (1997, p. 36-37) adotando uma concepção sistêmica da sociedade, considera que ela é composta por uma série de subsistemas portadores de racionalidades próprias. Estes subsistemas subsistem e convivem harmoniosamente. Em épocas de crise, a continuidade dessas racionalidades desfaz-se como um movimento de irracionalidade dentro da racionalidade. Dessa forma, o que é considerado por alguns como uma negação da racionalidade, pode ser também compreendida como uma exacerbação da racionalidade de um dos subsistemas. Diante dessa desordem e do caos, é necessário restabelecer a harmonia dos e entre os subsistemas.

60 SANTOS, B. , 2000, p. 56 e 61-63. 61 OST,1997, p. 43.

62 ECARNAÇÃO, 1997, p. 78.

63 Economista e demógrafo, Thomas Robert Malthus ficou conhecido quando publicou seu “Essay on

Population” (Ensaio sobre a população) em 1798, no qual afirmava que enquanto a população cresce em progressão geométrica , a produção de alimentos cresce num ritmo mais lento, em progressão aritmética. Em virtude desse fato, em determinados períodos haveria um déficit na proporção de alimentos produzidos em relação à quantidade de pessoas para alimentar. Segundo ele, o resultado desse déficit acarretava as epidemias, as guerras e outras catástrofes provocadas pelo excesso populacional e para se evitar tais acontecimentos negativos,

aprofundamento das relações sociais, através do desenvolvimento dos meios de transporte, de comunicação e das redes de informação global, dentre outros inúmeros benefícios. Aliás, foi por intermédio do próprio método da racionalidade científica que a ciência percebeu seus equívocos, suas contradições e a fragilidade dos pilares sobre os quais se assentou, possibilitando a emergência de novas formas de compreensão científica das coisas e do universo.

Por isso é preciso cuidado ao se criticar a racionalidade cientifica da Modernidade. A culpa que lhe pode ser creditada pela crise atual, não decorre diretamente dela, mas do uso que a burguesia fez dela na busca de equivocados objetivos essenciais: o domínio e a espoliação da natureza e a exploração de seus semelhantes, na busca incondicional do poder e da acumulação capitalista.

Apesar dos benefícios trazidos, as insuficiências e limitações do método cartesiano na compreensão real dos fenômenos e das coisas começaram a se descortinar no final do século XIX. Como foi dito, a racionalidade científica, descobrindo as leis universais da natureza, fundou todo o conhecimento racional na formulação de tais leis, ignorando que determinados fenômenos do universo não podem ser concebidos e explicados sobre a perenidade de leis pré-estabelecidas.

Para Santos, esse fato começou a ser evidenciado com o nascimento da ciência sociológica. Segundo ele, no século XVIII, os ideais do Iluminismo amplificaram o fermento intelectual, possibilitando que no século XIX surgissem as ciências sociais64.

Os fundadores imediatos da ciência da sociedade acreditavam que se haviam sido descobertas as leis que regem a natureza, seria plenamente possível descobrir as leis que regem a sociedade e os comportamentos humanos. Essa corrente sociológica foi inspirada, especialmente pelo Positivismo, de Auguste Comte e pelas regras do método sociológico de seria preciso, de acordo com sua teoria, adotar mecanismo de controle de natalidade.

Émile Durkheim65.

O desenvolvimento das ciências sociais, porém, deparou-se com uma bifurcação metodológica, consubstanciada no surgimento de outra vertente sociológica. Uma posição inspirada principalmente, na compreensão da fenomenologia social de Marx Weber, segundo a qual o comportamento humano, ao contrário dos fenômenos naturais, é radicalmente subjetivo e, portanto, imprevisível, já que o ser humano pode modificar facilmente seus padrões comportamentais, em razão do próprio conhecimento que adquire deles. Por esse motivo, não há como se aplicar às ciências sociais o método atinente às ciências naturais desenvolvido por Descartes. Logo, para essa vertente sociológica, as ciências sociais seriam muito mais complexas do que as ciências naturais e deveriam se afastar das simplificações reducionistas do método cartesiano e desenvolver um método de estudo próprio.

Esse segundo posicionamento, apesar de vislumbrar as limitações da racionalidade cartesiana para explicar a sociedade, ainda via a natureza com um enfoque tipicamente mecanicista, mas seu surgimento é considerado por Santos como um dos primeiros sinais de crise do paradigma cartesiano66.

No período de transição, entre os séculos XIX e XX, inicia-se também a nova revolução científica, “a releitura da ciência moderna”, que acaba por desencadear a crise do

64 SANTOS, B., 2003a, p. 33-40.

65 Idem, p. 36.

66 Idem, p. 39-40. CAPRA (1996, p. 35-36) afirma que a racionalidade mecanicista começou a mostrar suas limitações no momento em que Lavoisier, no século XVIII, descobriu a importância dos processos químicos para o funcionamento dos organismos vivos. A constatação da existência e da importância desses processos era ainda ignorada em razão da predominância do método cartesiano que se concentrava apenas no estudo de elementos separados, ignorando as relações existentes entre eles. Mais tarde, Pasteur, ao estabelecer o papel das bactérias em outros processos químicos e biológicos, demonstrou a “correlação” definida entre os microrganismos e as doenças humanas, mas utilizando-se do método analítico cartesiano, ignorou o fato de que estudar esses elementos separadamente do meio ambiente, em que se inserem, impedia compreender corretamente estas relações e interações, bem como os resultados delas decorrentes. Esse autor destaca que a primeira oposição forte ao paradigma cartesiano surgiu na literatura dos século XVIII e XIX, nas obras de poetas como Willian Blake e Goethe, escritores românticos que estavam preocupados principalmente com um entendimento qualitativo dos padrões e não com os critérios quantitativos predominantes no método cartesiano e de Kant, que ao publicar sua Crítica do Juízo, desenvolveu a idéia de que “os organismos, ao contrário das máquinas, são totalidades auto-reprodutoras e auto-organizadoras” e que somente essa compreensão possibilitaria a compreensão correta dos fenômenos da vida.

paradigma científico baseado no método e na racionalidade cartesiana67.

Segundo Santos, a crise da racionalidade científica cartesiana é resultado interativo de uma série de condições teóricas e reflexos sociais.

Iniciando pela observação das condições teóricas, Santos adverte que elas servem para identificar os limites e as insuficiências estruturais do paradigma científico moderno, resultado direto do grande avanço que ele próprio propiciou. “O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda”68.

Santos indica que os rombos teóricos no paradigma mecanicista surgiram, dentre outros motivos, com o advento das teorias de Einstein na Astrofísica69, de Heisemberg e Bohr no domínio da Mecânica Quântica70, de Gödel, na Matemática71 e de Prigogine, que aplicou conceitos da Física e da Química aos organismos vivos, obtendo a teoria das estruturas dissipativas72.

Do rol fornecido por Santos, vale destacar as descobertas do físico-químico Ilya Prigogine, já que são elas que estabelecem os alicerces que possibilitam uma nova

67 CAPRA, 1996, p. 33-45.

68 SANTOS, B., 2003a, p. 41.

69 Conforme pontua SANTOS, B (2003a, p. 43), Einstein, em sua construção teórica da relatividade, constatou que a simultaneidade de acontecimentos distantes não pode ser verificada, mas apenas definida, já que as longas distâncias, especialmente as distâncias astronômicas, afetam a simultaneidade dos eventos. Não havendo simultaneidade universal, o tempo e o espaço absolutos de Newton deixam de existir e as leis da Física e da Geometria tornam-se limitadas, já que se aplicam somente em medições locais. Com sua teoria da relatividade, Einstein relativizou o rigor das leis de Newton, especialmente no domínio da astrofísica

70 Conforme pontua SANTOS, B (2003a, p. 45), Heisemberg e Bohr demonstraram que não é possível observar ou medir um objeto, sem interferir nele, ou seja, sem alterá-lo de tal modo que o objeto que sai do processo de medição, já não é o mesmo que lá entrou. Com suas descobertas evidenciaram-se “a idéia de que não conhecemos o real senão o que nele introduzimos”. A partir dessa constatação, as leis da Física foram desprovidas da exatidão lhes fora atribuída outrora e tornaram-se meras leis probabilísticas. Por outro lado, as conclusões de Heisemberg e Bohr inviabilizaram também a hipótese do determinismo mecanicista, uma vez que demonstraram que a totalidade do real não se reduz à mera soma das partes em que as dividimos para observar e medir. Por último, em razão da interferência do sujeito no objeto, a distinção entre o sujeito-observador e o objeto-observado perde seus contornos e assume uma forma contínua e interligada

71 Segundo observa SANTOS, B (2003a, p. 45-46), Gödel elaborou o teorema da incompletude e questionou o rigor das formulações matemáticas, demonstrando que, em determinadas circunstâncias, é possível formular proposições indecidíveis, proposições que não se podem demonstrar nem refutar. Considerando que a Matemática é o instrumento formal para a construção das leis da natureza formuladas com fundamento no método científico cartesiano, mais uma vez essas leis mostraram-se desprovidas do rigor e da exatidão científica atribuídos a elas.

compreensão dos fenômeno, uma compreensão eminentemente sistêmica.

Prigogine aplicou os conhecimentos da Microfísica e da Química à Biologia e elaborou a teoria das estruturas dissipativas e o princípio da ordem através das flutuações, que estabelecem que em sistemas abertos, ou seja, em sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, tais como os sistemas vivos, a evolução explica-se por flutuações de energia, que em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis, desencadeiam espontaneamente reações que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado menos instável. Esta transformação irreversível e termodinâmica é o resultado da interação de processos microscópicos segundo uma lógica não linear de auto-organização, numa situação de não-equilíbrio. O caráter de irreversibilidade das transformações nos sistemas abertos, significa que estes são produtos da História73. Revela também que o processo de auto-organização inerente aos sistemas abertos envolve processos de desenvolvimento e aprendizagem, significando um processo de cognição que engloba em si a capacidade de discernir, evoluir, recriar-se e reconstruir-se de maneira autônoma, frente às constantes alterações a que estão sujeitos, em virtude da influência que recebiam do meio ambiente74.

A importância da teoria de Prigogine é que ela não é um fenômeno isolado. Pelo contrário, faz parte de um movimento convergente, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais75, contribuindo para que a ciência fosse definitivamente repaginada. Agora, a ciência inspirada por esse movimento revolucionário, postula valores