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A teoria sociolinguística

No documento Adriana Martins Simões (páginas 40-43)

Para Labov (1994, 2008), os sistemas linguísticos teriam um caráter heterogêneo. Isso significa dizer que, na medida em que estão inseridas em ambientes sociais, as comunidades de fala, as línguas variam. Sendo assim, dentro da perspectiva sociolinguística, as línguas não seriam estruturas homogêneas, contrariando, assim, as ideias de linguistas como Paul (1889, apud LABOV, 2008)26, Saussure (1962, apud LABOV, 2008)27 e Martinet (1955, apud LABOV, 2008)28, que desconsideravam o âmbito social nos estudos linguísticos.

De acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2009), há comunidades de fala que exibem uma coexistência de formas referentes a uma mesma língua. A variação consistiria na existência de duas formas linguísticas equivalentes das quais compartilhariam todos os membros de uma comunidade de fala, ainda que nem todos os falantes produzam as formas coexistentes em proporções iguais.

Conforme Labov (2001), a variação linguística seria um fenômeno de transição que se manifestaria entre dois estágios invariantes da língua. A variação ocorreria devido a um acidente na história dessa língua e em virtude de que a forma inovadora não poderia substituir a outra de maneira instantânea. Entretanto, existem fenômenos de variação que se estendem por um longo tempo, que se denominam variação estável e que contribuiriam muito para a compreensão da estrutura linguística.

Entre os problemas relativos à mudança linguística, Labov, Weinreich e Herzog (2009:126) afirmam que a variabilidade e a heterogeneidade que se manifestam na língua não implicariam mudança. No entanto, para que haja mudança é necessário que o sistema se apresente variável e heterogêneo. Assim, o fato de que determinada língua exiba variação não significa que se trate de uma mudança em progresso, mas de variáveis estáveis.

Existem dois tipos de evidência a respeito das variáveis estáveis, sendo uma negativa e a outra positiva. Seria difícil obter o primeiro tipo de evidência em casos

26 PAUL, H. Principles of the History of Language. Tradução de H. A. Strong. New York: MacMillan, 1889. 27 SAUSSURE, F. de. Cours de linguistique générale. Paris: Payot, 1962.

em que determinado fenômeno linguístico sofre mudança na comunidade linguística como um todo, como seria o caso da mudança lexical. Já a evidência positiva, que consistiria em observar estágios anteriores da língua, seria mais consistente.

O processo de variação nas línguas ocorreria de forma ordenada, de modo que estaria sujeito a regras linguísticas inerentes ao sistema, como também a questões sociais.

Weinreich, Labov e Herzog (2009) detectam evidências empíricas a respeito da mudança linguística, que seriam os princípios que a regeriam, bem como os problemas concernentes a ela, sendo eles: (1) Os fatores condicionantes, que consistem no levantamento de possíveis contextos linguísticos e sociais a que as variantes da variável em estudo estariam condicionadas; (2) A transição, que revelaria o processo de mudança linguística a partir do estudo de diferentes faixas etárias, que em alguns casos nos possibilitariam verificar o surgimento da coexistência de duas formas até à obsolescência de uma delas; (3) O encaixamento, que ocorre tanto no âmbito linguístico como no social. No primeiro caso, como a mudança linguística em geral não se configuraria como a mudança de um sistema para outro, haveria a alteração gradual das variantes de determinada variável. Já no encaixamento social se trata de detectar que fatores sociais se relacionam a uma variante ou outra, já que não há um encaixamento uniforme das estruturas linguísticas na estrutura social; (4) A avaliação, que se refere ao juízo de valor, à significação social que o falante atribui a determinada variante; é um fator que atua na implementação ou retrocesso da mudança; (5) A implementação, que envolve questões de natureza linguística e social. Como uma mudança estaria encaixada na estrutura linguística, sua expansão se daria de forma gradual pelo sistema. Por outro lado, não sendo esse um processo instantâneo, haveria a intervenção da mudança na estrutura social antes que essa expansão se complete. Assim, a significação social de determinada variante poderia atuar tanto no sentido de sua implementação no sistema linguístico quanto no de retrocesso da mudança em curso.

Em nossa pesquisa, as variedades de espanhol de Madri e Montevidéu correspondem cada uma a uma comunidade de fala.

Como variável, investigamos o fenômeno sintático da realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa, tendo como variantes o clítico e o objeto nulo.

Considerando-se os estudos de Campos (1986a, b) e Fernández Soriano (1999) a respeito da língua espanhola em geral e o estudo de Groppi (1997) a

respeito da variedade de Montevidéu, a hipótese inicial e geral de nossa pesquisa era de que os objetos nulos nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu se restringiriam a antecedentes [-determinados; -específicos].

Contrariando os estudos sociolinguistas clássicos, que partem de fenômenos de variação, nossa hipótese inicial não previa variação, na medida em que esperávamos encontrar objetos nulos apenas com antecedentes [-determinados; - específicos] e clíticos com antecedentes [+determinados; +/-específicos]29. Entretanto, a partir da análise dos dados, encontramos algumas ocorrências de objetos nulos que fizeram com que nossa hipótese inicial fosse corroborada parcialmente e que revelaram a existência de variação nessa área da sintaxe investigada30.

Investigamos em nosso trabalho diferentes variáveis independentes. Em relação aos contextos linguísticos, estes estão relacionados à sintaxe, à semântica e ao discurso. Quanto aos fatores sociais, investigamos, além das duas variedades de espanhol, diferentes faixas etárias.

Apesar de termos analisado aspectos extralinguísticos, nossa pesquisa não se caracteriza como um estudo sociolinguístico canônico, pois nos parece necessária a análise de outros fatores sociais, como a escolaridade31, para que um estudo adequado do encaixamento e implementação social possa ser levado a cabo. Portanto, nossa pesquisa se concentrou em investigar os condicionamentos linguísticos que favoreceriam o apagamento do objeto e permitiriam verificar seu encaixamento na estrutura linguística. Por outro lado, a análise de duas variedades de espanhol nos permitiu verificar a que apresenta uma frequência mais elevada de objetos nulos, enquanto a análise das diferentes faixas etárias nos permitiu observar questões relacionadas à transição, ou seja, se o fenômeno estudado se configura como variação estável ou mudança em progresso.

29 A princípio, investigaríamos também as variedades de espanhol de Assunção e Quito, variedades estas que

exibem variação na realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa (FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, 1999; SUÑER; YÉPEZ, 1988). Contudo, como veremos no capítulo 3, foi preciso restringir nossa pesquisa às variedades de Madri e Montevidéu.

30 Conforme vimos na subseção 1.1.1., no âmbito da teoria gerativa, o fenômeno de variação seria considerado

como uma coexistência de gramáticas (CHOMSKY, 1999; LIGHTFOOT, 1999).

31 Como veremos no capítulo 3, as entrevistas da variedade de espanhol de Montevidéu não apresentam

informação relativa à escolaridade dos informantes, de modo que não foi possível analisarmos esse fator social. Por outro lado, os informantes da variedade de espanhol de Madri possuem ou estão cursando nível superior.

Capítulo 2

2. A expressão do objeto pronominal acusativo

Este capítulo será dedicado a apresentar e discutir algumas pesquisas a respeito da realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa na língua espanhola, em geral, e também em algumas variedades específicas dessa língua e no PB. Além disso, veremos trabalhos sobre a natureza categorial do objeto nulo nessas línguas e o fenômeno das elipses nominais.

Contudo, este capítulo será introduzido por uma seção em que apresentaremos alguns aspectos relacionados aos determinantes e à noção de especificidade. A questão da ausência e presença de um determinante, bem como o seu tipo e o traço semântico de especificidade constituem elementos centrais que atuam na possibilidade de expressão do objeto acusativo por um pronome ou sua omissão, como veremos ao longo do capítulo, daí a importância de caracterizá-los no início deste capítulo.

2.1. Algumas questões sobre os determinantes e a especificidade

No documento Adriana Martins Simões (páginas 40-43)