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As categorias referenciais nas línguas naturais

No documento Adriana Martins Simões (páginas 34-40)

1.1. A teoria gerativa

1.1.3. As categorias referenciais nas línguas naturais

No âmbito da teoria gerativa (CHOMSKY, 1999), propõe-se que haveria diferentes elementos referenciais nas línguas naturais, que seriam classificados de acordo com a forma como fixam sua referência. Alguns desses elementos constituiriam argumentos14 e se dividiriam em nomes, anáforas, pronomes e variáveis.

Os argumentos constituem SNs, que, por sua vez, compreendem os itens lexicais cuja categoria seria [+N, -V]. Esses elementos são formados por conjuntos de traços fonéticos, semânticos e sintáticos. Entretanto, os itens lexicais podem ou não apresentar traços fonéticos. No primeiro caso, teríamos as categorias plenas ou visíveis e, no segundo, as categorias vazias.

Conforme Chomsky (1999), os elementos visíveis se dividem em diferentes categorias, a partir da combinação dos traços [anáfora] e [pronominal]:

(1.3) (a) [+anáfora, -pronominal] (b) [-anáfora, +pronominal] (c) [-anáfora, -pronominal] (d) [+anáfora, +pronominal]

13 Em outras palavras, conforme Chomsky (2001:12), a operação Spell-Out buscaria traços [-interpretáveis] aos

quais se atribuiu um valor, foram checados. Esses traços seriam removidos da sintaxe escrita no momento em que ocorre o envio do objeto sintático ao componente fonológico.

14 Apenas constituiriam argumentos os SNs selecionados semanticamente por um núcleo lexical, como no caso

de um verbo transitivo que seleciona um objeto direto. No caso dos expletivos, como o it ou there do inglês, estes não constituiriam argumentos, na medida em que não são inseridos na derivação por questões de seleção semântica, mas para que uma posição na estrutura sintática seja preenchida.

Os elementos com o traço [+anáfora] seriam os pronomes reflexivos e recíprocos. De acordo com Eguren e Fernández Soriano (2004), esses pronomes apresentam menos traços gramaticais e dependem de um antecedente na oração para fixar sua referência, como se observa em (1.4)15.

(1.4a) Juan se quiere a si mismo. (1.4a’) O João se ama (a si mesmo).

(1.4b) Juan y María se escriben el uno al otro. (1.4b’) O João e a Maria se escrevem (um ao outro).

No caso dos elementos com traço [+pronominal], estes constituem os pronomes pessoais não reflexivos, que apresentam traços de pessoa, número e gênero e podem ter um antecedente na sentença ou um antecedente extralinguístico ou deítico, como se observa nas orações em (1.5), respectivamente.

(1.5a) Juan cree que lo admiran.

(1.5a’) O João acha que o admiram / O João acha que admiram ele. (1.5b) En esa película ella es Grace Kelly.

(1.5b’) Nesse filme ela é Grace Kelly.

(1.5c) Ha sido él.

(1.5c’) Foi ele.

Já as expressões referenciais, que constituem os nomes próprios ou comuns encabeçados por determinante, estas apresentam traços gramaticais e semânticos e possuem independência referencial, de modo que os SNs em (1.6)16 possuem sua

própria referência e o agramatical seria que fossem correferentes com o pronome.

(1.6a) Él miraba a Juan. (1.6a’) Ele olhava o João.

(1.6b) Él cree [que Pedro miraba a Juan]. (1.6b’) Ele acha [que o Pedro olhava o João].

15 Como investigamos o espanhol e o comparamos ao PB, optamos por apresentar exemplos em ambas as

línguas. Os exemplos em (1.4) e (1.5) foram extraídos de Eguren e Fernández Soriano (2004:139). As sentenças correspondentes no PB constituem nossas traduções desses exemplos em espanhol.

Quanto às categorias vazias, conforme Chomsky (1999:84), estas se diferenciam por compartilharem os traços [anáfora] e [pronominal] das categorias visíveis. Assim, as anáforas, os pronomes e as expressões referenciais correspondem a vestígio de SN, pro e variável, respectivamente. Entre as categorias vazias se inclui o PRO, que não teria uma forma correspondente nas categorias plenas. De acordo com Chomsky (1999:87), as categorias vazias também partilhariam traços-φ com os elementos visíveis. Observe-se a distribuição das categorias vazias (CHOMSKY, 1999:84):

(1.7) (a) Vestígio de SN é [+anáfora, -pronominal] (b) Pro é [-anáfora, +pronominal]

(c) Vestígio de operador (variável) é [-anáfora, -pronominal] (d) PRO é [+anáfora, +pronominal]

Vejamos exemplos dessas quatro categorias1718.

Nas orações em (1.8), o vestígio de SN é uma categoria vazia do tipo [+anáfora], como os pronomes reflexivos e recíprocos. O SN la casa se move de sua posição de origem à posição de sujeito da oração19.

(1.8a) La casa ha sido construída __. (1.8a’) A casa foi construída __.

Já nas orações em (1.9), a categoria vazia é [+pronominal] e, portanto, constitui a contraparte sem realização fonética dos pronomes pessoais não reflexivos.

(1.9a) __ estoy construyendo una casa. (1.9a’) __ estou construindo uma casa.

17 Os exemplos em espanhol de (1.8) a (1.11) foram extraídos de Eguren e Fernández Soriano (2004:144). 18 Conforme Eguren e Fernández Soriano (2004), como os vestígios são elementos que não estão presentes na

numeração (ou arranjo lexical), no programa minimalista, os vestígios seriam cópias do elemento que se moveu e que são apagadas. Tendo isso em vista, vejamos como seria gerada uma construção com movimento-Qu (EGUREN; FERNÁNDEZ SORIANO, 2004:301):

(1.3a) [C C [quieres quéCu]]

(1.3b) [C qué [quieres qué]] = Movimiento y creación de una copia

(1.3c) ¿Qué quieres? = Borrado de la copia

19 Em nossa análise, estamos representando a categoria vazia em função de objeto acusativo mediante o

símbolo ‘Ø’. Contudo, ao citar exemplos dos trabalhos de outros autores, em geral, mantemos os símbolos empregados por eles. Assim, em alguns casos, teremos esse mesmo símbolo representando a categoria vazia, porém, em outros, teremos ‘__’ e e ou ec do termo em inglês empty category.

Em (1.10), a categoria vazia é uma variável, cujos traços são [-anáfora; - pronominal] e que corresponde às expressões referenciais. Conforme Eguren e Fernández Soriano (2004), em (1.10), a variável seria o vestígio do elemento interrogativo, que constitui um operador e se move ao especificador de SC, uma posição não argumental, para ter âmbito sobre toda a oração.

(1.10a) ¿Qué ha construído Juan __? (1.10a’) O que o João construiu __?

Nas sentenças em (1.11), a categoria vazia PRO apresenta os traços [+anáfora; +pronominal], de maneira que ao mesmo tempo que necessita ter um antecedente, este não pode estar em sua mesma oração.

(1.11a) Juan quiere __ construir una casa. (1.11a’) O João quer __ construir uma casa.

Cada um dos diferentes tipos de elementos referenciais estavam sujeitos a um princípio da Teoria da Ligação. Segundo Chomsky (1999:298), no âmbito da versão minimalista da teoria de Princípios e Parâmetros, esses princípios se aplicariam em FL20 e seriam21:

A. Se α é uma anáfora, interpretar α como sendo correferente com um constituinte que c- comande22 α em D.

20 No modelo da Regência e Ligação (CHOMSKY, 1981), a Teoria da Ligação constitui um módulo da gramática.

Os princípios dessa versão da teoria estariam relacionados à noção de c-comando, que na versão minimalista seria derivacional, e à regência, que já não faria parte da teoria.

21 Adaptação nossa para o PB.

22 Definição derivacional de c-comando (EGUREN; FERNÁNDEZ SORIANO, 2004:281, tradução nossa):

(1.4) α c-comanda todas os termos da categoria β com a qual se concatenou no curso da derivação. Conforme Eguren e Fernández Soriano (2004:279-280), no c-comando simétrico, em que A c-comanda B e vice- versa, como se observa na estrutura (1.5), a relação de c-comando se estabelece no momento em que os sintagmas se concatenam.

(1.5) C

A B

Quanto ao c-comando assimétrico, como se observa na estrutura em (1.6), D c-comanda A e B, mas o contrário não é possível. Vimos que A e B estabelecem uma relação de c-comando ao concatenarem-se. No momento em que D e C se concatenam, A e B já estão na derivação, de modo que D também estabelece uma relação de c- comando com esses sintagmas.

B. Se α é um pronome, interpretar α como sendo disjunto de qualquer constituinte que c- comande α em D.

C. Se α é uma expressão-r, interpretar α como sendo disjunto de qualquer constituinte que c- comande α.

Vejamos brevemente como se aplicam esses princípios.

Na oração em (1.12a)23, é necessário que o pronome reflexivo seja correferente com o SN Juan. Esse SN c-comanda esse pronome e se encontra em seu mesmo domínio, ou seja, em sua mesma oração. Sendo assim, em (1.12c), o pronome reflexivo apenas pode ser correferente com o SN Pedro, mas não com o SN Juan. Os pronomes reflexivos, assim como a categoria vazia vestígio de SN, estão sujeitos ao Princípio A. Ao contrário, na oração (1.12b), o pronome não reflexivo não pode ser correferente com um SN que o c-comande e esteja em sua mesma oração, em outras palavras, deve receber uma interpretação disjunta do SN

Juan. Por outro lado, se o pronome aparece em uma oração subordinada, pode ter

como antecedente o sujeito da oração principal, como em (1.12d). Nesse caso, o agramatical seria sua correferência com o sujeito da subordinada. Tanto os pronomes não reflexivos plenos quanto a categoria vazia de natureza pronominal,

pro, estão sujeitos ao Princípio B. Já em uma sentença como (1.12e), o pronome

pode ter como antecedente o SN Juan da oração relativa. Em (1.12f), ainda que estejam em uma mesma oração, o SN Juan e o pronome poderiam ser correferentes porque esse SN não o c-comanda, enquanto que isso não seria possível se se trata de um pronome reflexivo, como se observa em (1.12g).

(1.12a) Juani sei mira (a sí mismoi). (1.12b) Juani loj/*i mira.

(1.12c) Juanj dijo [que Pedroi sei/*j miraba en el espejo]. (1.12d) Juanj dijo que Pedroi lo*i/j miraba en el espejo].

(1.12e) Un hombre [que estaba al lado de Juani] loi miraba fijamente. (1.12f) [[La madre de Juani] loi quiere mucho].

(1.12g) *[[La madre de Juani] sei quiere a sí mismo].

(1.6) E D C A B

Quanto ao Princípio C, se uma expressão-r for interpretada como correferente com um constituinte que a c-comande, a sentença será agramatical, como se observa nas orações em (1.13)24. Como os nomes são categorias referenciais, não é possível que tenham um antecedente. Em relação às variáveis, de acordo com Eguren e Fernández Soriano (2004), o elemento interrogativo que se move para o especificador de SC não pode ser o antecedente do vestígio deixado em decorrência desse movimento, uma vez que as variáveis, assim como as expressões-r, não podem ter um antecedente.

(1.13a) *Éli miraba a Juani.

(1.13b) *Éli cree [que Pedro miraba a Juani].

Nesta seção, vimos as diferentes categorias referenciais das línguas naturais na esfera da teoria gerativa (CHOMSKY, 1999). Vimos que essas categorias se diferenciam pela combinação dos traços [anáfora] e [pronominal], estão sujeitas a um princípio da gramática e apresentam traços sintáticos, semânticos e fonéticos. Entretanto, os traços fonéticos poderiam estar ausentes e, nesse caso, teríamos as categorias vazias em oposição às categorias plenas.

Os clíticos acusativos constituem elementos de natureza pronominal. Contudo, na esfera das categorias vazias, o objeto nulo do espanhol foi analisado por Campos (1986a, b) como uma variável, em virtude de diferentes argumentos empíricos encontrados por esse autor para sustentar sua análise, como veremos na seção 2.4 do capítulo subsequente25. Por outro lado, conforme Demonte (1994), essa categoria vazia poderia tratar-se de um pro. Além disso, Landa (1995) propõe que os objetos nulos da variedade de espanhol do País basco seriam um pro, assim como nas análises no âmbito do PB (KATO, 1993; GALVES, 2001).

Em nossa pesquisa, investigamos a natureza dos objetos nulos encontrados nas variedades de espanhol de Madri e Montevidéu. Para tanto, verificamos se a omissão do objeto nessas variedades ocorreria em construções de ilha ou construções com elementos interrogativos, já que a ocorrência de apagamento do objeto nessas construções sugeriria que essa categoria vazia teria uma natureza

24 Exemplos extraídos de Eguren e Fernández Soriano (2004:141).

25 Nessa seção, veremos também que Suñer e Yépez (1988) analisam o objeto nulo da variedade de espanhol

pronominal. Os resultados dessa análise serão apresentados e discutidos no capítulo 4.

No documento Adriana Martins Simões (páginas 34-40)