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A tutela da privacidade em Espanha

CAPÍTULO I – A PRIVACIDADE

5. A tutela da privacidade no Direito Comparado

5.5. A tutela da privacidade em Espanha

A dignidade da pessoa humana é reconhecida no artigo 10º nº 1 da Constituição Espanhola, sendo-lhe conferida primazia absoluta. É ainda considerada como sendo um princípio estruturante dos valores e princípios do ordenamento jurídico espanhol. Assim, fundamenta a ordem jurídica, orienta a interpretação da mesma, serve como base ao trabalho integrador no caso de existência de lacunas na determinação de uma norma de conduta e pode ainda estabelecer limites a determinadas formas de exercício dos direitos fundamentais210.

O Tribunal Constitucional tem distinguido os direitos “inerentes à dignidade da pessoa humana” e os direitos “intimamente vinculados” à dignidade. Entre estes últimos, inclui-se o direito à intimidade pessoal. A conceção da dignidade, na visão deste tribunal, enquadra-se entre “a auto-determinação e a proibição de um tratamento vexatório”, apesar de não se estabelecer nenhuma consequência, já que não se encontram definidos os mínimos invulneráveis. A dignidade encontra-se interligada com todos os direitos fundamentais, sendo que nos mesmos se pode verificar um reduto de dignidade211.

O direito à intimidade212 encontra-se consagrado no nº 1 do artigo 18º da

Constituição, juntamente com o direito à honra e o direito à própria imagem. O nº 2 declara que o domicílio é inviolável. O nº 3 tutela o segredo das comunicações, instituindo o nº 4 que a lei limita o uso da informática, para garantir a honra e a intimidade pessoal e familiar dos cidadãos e o pleno exercício dos direitos dos mesmos.

209 Neste sentido TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 247 210 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., pp. 221-222 211 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 223

212 JOSÉ MARTÍNEZ DE PISÓN CAVERO, op. cit. p. 28 refere que se torna difícil delimitar o significado de intimidad,, uma vez

que se empregam diferentes expressões como vida privada, esfera privada ou privacidade. Contudo, o autor explica que, no mundo jurídico, e desde que a intimidade vem reconhecida na Constituição espanhola, se fala então do derecho a la intimidad. RAQUEL SERRANO OLIVARES, “El derecho a la intimidad como derecho de autonomia personal en la relación laboral”, in Revista Española

de Derecho del Trabajo, nº 103, Janeiro/Fevereiro 2001, pp. 100-101, entende que, ao contrário da intimidade, aquilo que é privado

e aquilo que é público são conceitos relativos, não sendo possível uma determinação positiva de ambas as realidades. A intimidade, por sua vez, encontra-se à margem das mesmas, sendo que se pudéssemos destacar o espaço privado da pessoa e destruí-lo, não destruiríamos a pessoa. Ao contrário, se destruíssemos a intimidade, tal significaria a volatilização da pessoa.

Considerando-se que têm uma conexão comum, por apelarem a um espaço reservado, próprio de cada pessoa, o direito à intimidade, o direito à honra e o direito à própria imagem são tratados conjuntamente. Por outro lado, cada um dos referidos direitos apresenta as suas peculiaridades, destacando-se uns dos outros. Desta forma, o direito à honra encerra em si a tutela da honra, do bom nome, da reputação e do reconhecimento que as pessoas têm do titular do direito. O direito à imagem, por seu lado, engloba a proteção a proteção do direito de dispor e decidir sobre o uso da sua imagem. O direito à intimidade protege a “esfera íntima” do conhecimento da sociedade213.

A proteção do direito à intimidade encontra-se também prevista na Lei Orgânica 1/82, de 5 de Maio, alterada pela última vez em Dezembro de 2010, sobre a proteção civil do direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à própria imagem. A lei estabelece, dentro do âmbito do direito civil, limites que permitem aferir da lesão dos referidos direitos. Estabelece assim situações em que se está perante uma intromissão ilegítima e prevê medidas de proteção nesse sentido214.

O papel do Tribunal Constitucional tem sido importante na determinação dos conteúdos que o direito à intimidade pode abarcar. Assim, inclui-se a intimidade corporal ou o pudor, que proíbe a indagação ou pesquisa realizadas sobre o corpo de outra pessoa, sem o seu consentimento. Protegem-se ainda a sexualidade, a intimidade económica, a morte e as relações conjugais e familiares. A inviolabilidade do domicílio, prevista no nº 2 do artigo 18º da Constituição, é também protegida, tutelando-se o âmbito físico onde se desenrolam as vivências mais íntimas da pessoa. O nº 3 do mesmo artigo, versando sobre o segredo das comunicações, parece estar relacionado com o nº 1, o que indicia a sua proteção ao abrigo do direito à intimidade215.

Face à evolução tecnológica e à sua relação com o direito à intimidade, o Tribunal Constitucional teve também uma palavra a dizer. Na sentença 110/1984, de 26 de Novembro, entendeu que o direito à intimidade deve abarcar as intromissões que por qualquer meio, nomeadamente por ação dos avanços tecnológicos, possam afetar os aspetos reservados da vida216. Na sentença 254/1993, de 20 de Julho, falou-se pela

213 JAVIER PARDO FALCON, “Los derechos del articulo 18 de la Constitucion Española en la jurisprudência del Tribunal

Constitucional”, in Revista Española de Derecho Constitucional, nº 34, ano 12, Janeiro-Abril 1992, in https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/79453.pdf, p. 141 e TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 228

214 ELISENDA BRU CUADRADA, op. cit., p. 84

215 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., pp. 228-229 216 JAVIER PARDO FALCON, op. cit., p. 159

primeira vez em “liberdade informática”217. O tribunal entendeu que, face à informática,

que permite ataques à dignidade e aos direitos da pessoa, nomeadamente a honra e a intimidade, reconhece-se um direito de controlar o uso dos dados. Este direito surge então no artigo 18º nº 4 como um direito autónomo, erigindo-se como o direito à autodeterminação informativa, que permite então controlar o uso dos dados pessoais, de os conhecer e de aceder aos mesmos. A existência deste direito foi consolidada nas sentenças de 290/2000 e de 292/2000, ambas de 30 de Novembro, em que o tribunal substituiu a expressão “liberdade informática” por “direito à proteção de dados pessoais”, estabelecendo uma função, um objeto e um conteúdo diferentes em relação ao direito à intimidade.

No que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais, destacamos ainda a Lei Orgânica de Proteção de Dados de Caráter Pessoal (LOPD), a Lei Orgânica 15/1999218. O diploma tem como missão proteger e garantir as liberdades públicas e os direitos fundamentais, especialmente o direito à honra e o direito à intimidade pessoal e familiar219, no que toca ao tratamento dos dados pessoais. Aplica-se ao tratamento automatizado ou não automatizado de dados e a dados de caráter pessoal relativos a pessoas identificadas ou identificáveis.

Assim, o direito à intimidade no ordenamento jurídico espanhol encontra-se tutelado de forma direta na Constituição, destacando-se ainda outras formas de proteção, nomeadamente no que diz respeito ao referido direito no contexto do tratamento de dados pessoais.