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CAPÍTULO II – O PODER DE CONTROLO DO EMPREGADOR

1. Os poderes do empregador

Estabelece o CT, no artigo 11º, que o “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. A par da retribuição e da prestação de trabalho, a subordinação jurídica apresenta-se assim como um dos três elementos essenciais do contrato laboral243. A este propósito, podemos caraterizar a relação de trabalho como a única relação jurídica de cunho patrimonial que implica, de modo direto, a personalidade244 e a liberdade do trabalhador enquanto sujeito devedor da prestação de trabalho245.

A subordinação, traço estrutural da relação de trabalho246, que a distingue de contratos afins247, implica o exercício da atividade pelo trabalhador sob as ordens, direção e fiscalização do empregador. De facto, o contrato de trabalho pressupõe e legitima a existência e atribuição de poderes ao empregador248. Desta forma, podemos falar do binómio subordinação jurídica do trabalhador vs poderes do empregador249, sendo certo que o contrato de trabalho, em que a subordinação se apresenta como elemento intrínseco, só existe se a entidade empregadora tiver determinados poderes em relação aos seus trabalhadores250.

243 Neste sentido JOÃO LEAL AMADO, op. cit., pp. 59-60, que carateriza a prestação de trabalho como uma prestação de facto

positivo e a retribuição como a contrapartida patrimonial da atividade prestada pelo trabalhador.

244 A este propósito, refere JOSÉ JOÃO ABRANTES, “Contrato de trabalho e direitos fundamentais – breves reflexões”, in II Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, (coord. António Moreira), Almedina, Coimbra, 1999, p. 106 que o

trabalhador “(…) empenha a sua própria personalidade na conduta laboral”.

245 JESÚS R. MERCADER UGUINA, Derecho del trabajo, Nuevas tecnologías y sociedad de la información, Editorial Lex Nova, 2002, p. 96 246 JACQUES LE GOFF, “Citoyennete et subordination dans l’entreprise, un couple à problems”, in Ergologia, nº 7, Setembro, 2012, in

http://www.ergologia.org/uploads/1/1/4/6/11469955/7_le_goff.pdf, p. 151

247 AMADEU GUERRA, - “A privacidade no local de trabalho”, in Direito da Sociedade da Informação, vol. 7, Coimbra Editora,

2008, p. 132

248 A este propósito é interessante apontar a antinomia existente entre contrato e poder: o contrato é um acordo de vontades, enquanto

que o poder se carateriza pela faculdade de impor à outra parte a sua vontade. FABRICE FEVRIER, Pouvoir de controle de

l’employeur et droits des salariés à l’heure d’Internet – les enjeux de la cybersurveillance dans l’entreprise, 2003, in

http://leclainchentic.free.fr/pdf/cybersal.pdf, p. 57

249 ANTÓNIO JOSÉ MOREIRA, “O poder disciplinar – a necessária caminhada para o Direito”, in Congresso Europeu de Direito do Trabalho – Comunicações apresentadas no Congresso organizado pela ELSA Nova Lisboa e Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa realizado nos dias 12, 13 e 14 de Abril de 2012, Almedina, 2014, p. 296

Podemos, então, questionar-nos sobre quais são os poderes do empregador, sendo certo, porém, que existem divergências quanto sua à definição e âmbito. O esforço da doutrina em determinar e classificar estes poderes espelha, de resto, a complexidade da posição de domínio que a entidade empregadora ocupa no contrato de trabalho251.

Numa perspetiva tradicional, autores como LEAL AMADO252 e COUTINHO DE ALMEIDA253 defendem a existência do poder diretivo, do poder disciplinar e do poder regulamentar.

O poder de direção, tendo por base o artigo 97º do CT, atribui ao empregador a competência de “estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem”. Ao poder de direção corresponde o dever de obediência do trabalhador254 que, como estabelece o artigo 128º nº 1 e) do CT, deve “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias”. O contrato de trabalho apresenta-se como o instrumento jurídico que legitima a obediência do trabalhador255.

Neste sentido, no âmbito do poder diretivo, cabe ao empregador determinar a prestação de trabalho256. Revela-se como manifestação da liberdade de empresa, uma vez que, através do seu exercício, se leva a cabo a iniciativa económica, permitindo a sua concretização257. Na ótica de LEAL AMADO258, no poder de direção cabem a faculdade

de determinar de forma concreta a função do trabalhador, o poder de conformar a prestação de trabalho e ainda poderes de vigilância e de controlo sobre a mesma.

251 MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral, Almedina, 1993, p. 149 252 Op. cit. pp. 222-227

253 AMADEU GUERRA, op. cit., p. 25, nota 38

254 Neste sentido acórdão do STJ de 13/11/87, disponível em http://www.stj.pt/index.php/jurisprudencia-42213/basedados

255 ALFREDO MONTOYA MELGAR, – “Libertad de empresa y poder de dirección del empresário en las relaciones laborales”, in Libertad de empresa y poder de dirección del empresário en las relaciones laborales: estúdios oferecidos al professor Alfredo Montoya Melgar, dir. Carmen Sánchez Trigueros y Francisco A. González Diaz, Aranzadi, 2011, p. 28

256 A este propósito, podemos falar do ius variandi que, tendo por base o poder de direção, representa a possibilidade que o empregador

tem de, para além de fixar a prestação de trabalho, poder modificá-la, adaptando-a a novas circunstâncias e realidades. Desta forma, o empregador pode atribuir temporariamente ao trabalhador serviços não compreendidos no objeto do contrato de trabalho, sendo o que o artigo 120º do CT designa por mobilidade funcional. Para mais desenvolvimentos BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER,

Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pp. 420-422 e CARMEN MORENO DE TORO; Mº JOSÉ RODRÍGUEZ CRESPO,

“Ejercicio y límites del ius variandi del empresario – Sentencia del Tribunal Superior de Justicia de Madrid, de 25 de febrero de 2008”, in Temas Laborales, nº 98, 2009, pp. 202-204

257 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 367 258 Op. cit. p. 208

LOBO XAVIER259, embora defendendo a existência do poder diretivo, do poder

disciplinar e do poder regulamentar, entende que, quanto ao poder diretivo, podemos destacar e distinguir um poder determinativo da função e um poder conformativo da prestação. Desta feita, o poder determinativo da função permite ao empregador atribuir ao trabalhador a função a cumprir ou o posto a ocupar, ideia suportada pelo artigo 118º do CT. Contudo, é necessário que esta competência se insira nas funções convencionadas em sede de contrato de trabalho. O poder conformativo da prestação, apoiando-se no artigo 97º do CT, revela a faculdade atribuída à entidade patronal de dar ordens, instruções e orientações, de forma contínua, para que a prestação laboral seja concretizada e ainda adequada aos fins empresariais em questão.

Podemos apontar determinadas caraterísticas da relação de trabalho que justificam a necessidade de existência do poder de direção260. Assim, tendo em conta que esta relação é normalmente entendida como contínua, sendo o contrato de trabalho um contrato duradouro e de execução continuada, é natural que haja a necessidade de orientar e determinar de forma continuada a prestação laboral. Por outro lado, uma vez que o trabalhador se obriga à prestação de uma atividade, é razoável que o empregador fixe essa tarefa e determine de que forma será prestada, onde será desenvolvida e o que engloba essa mesma atividade. Porém, a atividade desempenhada pelo trabalhador não é certa e não se encontra estabelecida de forma exaustiva, isto é, corresponde antes a um tipo genérico e indeterminado de atividades laborais. Desta forma, perante a indefinição do conteúdo preciso da prestação laboral, o poder diretivo mostra-se imprescindível, uma vez que permite a manutenção da relação de trabalho e a adaptação da prestação a ela associada.

Quanto ao poder disciplinar261, é definido pelo artigo 98º do CT que o “empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”. Os artigos 328º a 332º do Código regulam o poder disciplinar, sendo que o artigo 328º institui as sanções disciplinares que a entidade empregadora pode aplicar. Podemos entender que a relação de trabalho é o fundamento do próprio poder

259 BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, op. cit. pp. 415-419

260 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., pp. 358-360

261 Para mais desenvolvimentos ver ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991,

pp. 745-763, que destaca o “fito punitivo” do poder disciplinar e COSTA MARTINS, “Sobre o poder diretivo da entidade patronal”,

I Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, (coord. António Moreira), Almedina, Coimbra, 1999, pp. 226-240, que

disciplinar, uma vez que as faculdades disciplinares do empregador se estabelecem na dependência da relação laboral262.

Para LEAL AMADO263, está aqui em causa um poder punitivo privado, na medida

em que, caso um dos sujeitos contratuais entenda que o outro cometeu uma infração disciplinar, poderá castigá-lo. O poder diretivo é, nesta perspetiva, entendido como um desvio a dois importantes princípios: o princípio da justiça pública, já que as sanções disciplinares se reconduzem a penas privadas, e o princípio da igualdade das partes, uma vez que o poder em causa representa uma posição de domínio contratual do empregador, sendo o contrato de trabalho um negócio jurídico de direito privado264.

No contexto do poder regulamentar e, analisando o artigo 99º nº 1 do CT, o empregador tem a possibilidade de “elaborar regulamento interno de empresa sobre organização e disciplina do trabalho”. Para o autor, esta é mais uma demonstração da posição de domínio reservada ao empregador, já que a este é atribuída a competência de fixar por escrito as regras sobre a organização e a disciplina no âmbito laboral.

De acordo com outro entendimento, há quem considere que o empregador tem um poder genérico de direção. Esta posição, encabeçada por MONTEIRO FERNANDES265, engloba no seio deste poder um poder determinativo da função, um poder confirmativo da prestação, um poder regulamentar e um poder disciplinar. Para o autor, o poder determinativo da função não é visto como uma manifestação da subordinação jurídica, elemento enformador do contrato de trabalho. Já o poder conformativo da prestação tem como correlativo o dever de obediência, por parte do trabalhador. De resto, este poder genérico de direção justifica-se pela titularidade da empresa, sendo a entidade patronal detentora dos meios de produção e comprometida num projeto de atividade patronal, tendo acesso a força de trabalho, atribuída através dos contratos laborais, o que implica a existência de uma certa autoridade sobre os trabalhadores que disponibilizam essa força.

262 MARIA FERNANDA FERNANZES LOPEZ, El Poder Disciplinario en la Empresa, Editorial Civitas, 1991, p. 45 263 Op. cit. p. 209

264 Neste sentido também MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, - “Sobre os limites do poder disciplinar laboral”, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, (coord. António Moreira), Almedina, Coimbra, 1999, pp. 186-188. Como notas

caraterísticas do poder disciplinar, a autora aponta, além da natureza jurídica privada e egoísta, a qualificação como direito subjetivo, o conteúdo unilateral e dominial e a essência punitiva.

Já MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO266 reconduz os poderes do

empregador a quatro manifestações que têm merecido a atenção da doutrina: poder organizativo, poder diretivo, pode regulamentar e poder disciplinar.

O poder organizativo expressa-se pela faculdade concedida ao empregador de ordenar os meios necessários para a prossecução do objetivo ao qual se propôs. Visa-se a realização do direito de iniciativa económica através da colaboração de terceiros, o que justifica o poder de organização. Embora este poder seja entendido como um poder autónomo à luz da doutrina italiana e de um setor da doutrina francesa, concordamos com a autora ao entender que não é possível a sua individualização enquanto poder laboral, mas apenas como do ponto de vista económico. É que o titular deste poder, tendo em vista a estruturação de determinados meios para a concretização de fins económicos, exerce-o na qualidade de agente económico, não nas vestes de empregador. Ora, faltando esta qualidade de empregador, não existe a subordinação típica da relação de trabalho, fazendo com que o poder em causa não seja laboral.

Quanto ao poder diretivo, a doutrina é unânime em relação ao seu posicionamento enquanto poder do empregador, exprimindo a faculdade de este emitir ordens e instruções sobre a execução do trabalho. Por sua vez, o poder disciplinar é definido como o poder de aplicar sanções, sendo considerado um poder inevitável e não levantando dúvidas quanto à sua admissibilidade267. Havendo consenso sobre a determinação do poder de

direção e do poder disciplinar, revela-se uma certa discórdia quanto ao posicionamento de ambos os poderes. Seguindo a perspetiva monista, há quem considere que o poder de direção, poder fundamental do empregador, integra em si todos os poderes, incluindo o poder disciplinar. De acordo com a perspetiva dualista, o poder diretivo e o poder disciplinar encontram-se em pé de igualdade (e, para quem admite o poder regulamentar enquanto poder autónomo, este também é colocado ao mesmo nível do que os referidos poderes).

O poder regulamentar, por seu turno, permite ao empregador, através do regulamento interno, estabelecer diretrizes de ordenação e regras de disciplina do trabalho. Um largo setor da doutrina não atribui autonomia a este poder, integrando-o no poder de direção. A autora considera que, embora não seja de atribuir autonomia ao poder regulamentar, não é possível integrá-lo apenas no poder diretivo, uma vez que o poder

266 Do Fundamento (…), cit., pp. 149-189 267 Sobre os (…), cit., p. 189

regulamentar expressa qualquer uma das vertentes da posição de poder do empregador – quanto ao conteúdo de organização do trabalho (por exemplo, delimitação de horários e regras de higiene e segurança), o regulamento interno expressa o poder diretivo; quanto ao conteúdo disciplinar (determinação das infrações e das sanções disciplinares), o regulamento interno representa a expressão do poder disciplinar.