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O controlo do correio eletrónico em Espanha

CAPÍTULO III – AS COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS DO TRABALHADOR

2. As comunicações eletrónicas do trabalhador – o correio eletrónico

2.2.5. O controlo do correio eletrónico em Espanha

A problemática do controlo do correio eletrónico em Espanha convoca o poder de controlo do empregador, o direito à privacidade e, em especial, o direito ao segredo das comunicações. De facto, neste ordenamento, entende-se que o que está em causa principalmente é o direito ao segredo das comunicações515, já que o correio eletrónico é um meio de comunicação, exercitável a terceiros alheios à comunicação516. Assim, se o artigo 18 nº 1 da Constituição espanhola se ocupa do direito à intimidade, o artigo 18 nº 3517, que prevê o direito ao segredo das comunicações, daquele se demarca518. O correio

eletrónico encontra-se abrangido nas comunicações previstas pelo nº 3 do artigo 18, sendo que a proteção conferida por este normativo é uma proteção formal, já que o objeto de tutela será a comunicação em si, independentemente da natureza que a mesma revista519.

Por outro lado, a tutela conferida aplica-se não só ao momento da transmissão da comunicação, mas também ao seu registo ou à sua divulgação520.

514 Disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/

515 Neste sentido, DANIEL MARTÍNEZ FONS, “El control de la correspondência electrónica personal en el lugar de trabajo”, in Relaciones Laborales, nº 9, Maio 2003 – ano XIX, La Ley, p. 42 e ROSA M. MORATO GARCIA, op. cit., p. 1391

516 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 743

517 Para mais desenvolvimentos IMMACULADA MARÍN ALONSO, “La facultad fiscalizadora del empresario sobre el uso del correo

electrónico en la empresa: su limitación en base al derecho fundamental al secreto de las comunicaciones”, in Temas Laborales, nº 75, 2004, pp. 110-114

518 JAVIER PARDO FALCON, “Los derechos del articulo 18 de la Constitucion Española en la jurisprudência del Tribunal

Constitucional”, in Revista Española de Derecho Constitucional, nº 34, ano 12, Janeiro-Abril 1992, in https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/79453.pdf, p. 174

519 JOSÉ MARTÍNEZ DE PISÓN CAVERO, op. cit., p. 131 520 DANIEL MARTÍNEZ FONS, última op. cit., p. 42

Quanto ao controlo do e-mail521, entende-se que, ao empregador, é conferida a

possibilidade de proibir a utilização do correio eletrónico para fins que não estejam adstritos a fins pessoais. Ainda assim, estará impedido de controlar o conteúdo de mensagens pessoais. No caso, não muito comum, de a empresa permitir uma utilização para fins pessoais, havendo duas contas de correio distintas, parte-se do pressuposto de que todos os e-mails gozam de proteção, não podendo o trabalhador controlá-los, seja qual for a sua natureza. Na situação, considerada a mais frequente nas empresas, da existência de uma única conta de correio eletrónico, a qual é utilizada indistintamente para fins pessoais e para fins profissionais, podendo não haver regras estabelecidas ou, havendo, permitindo o referido uso indistinto, a solução é mais complexa. Será de defender que a conta de e-mail utilizada indistintamente estará protegida pelo direito ao segredo das comunicações, pelo que qualquer controlo ao seu conteúdo só poderá ser efetuado através de prévia autorização judicial. Ainda assim, para efeitos de controlo, o empregador pode basear-se no tipo de anexos enviados, no tamanho dos mesmos, no número de mensagens enviadas, no tempo de permanência na rede, entre outros. O trabalhador deve ser previamente informado do controlo, sendo que neste ponto há uma importante decisão do Tribunal Supremo, de 26 de Setembro de 2007522, que estabeleceu que o controlo dos computadores colocados à disposição pela entidade empregadora deve ser orientado pelo princípio da boa fé, pelo que os trabalhadores devem ser informados previamente que determinado tipo de controlo será implementado e quais as medidas específicas a que estarão sujeitos523.

O artigo 20 nº 3 do Estatuto dos Trabalhadores institui, por sua vez, que o empregador, podendo estabelecer as medidas de controlo que considere mais oportunas, deve pautar-se pelo respeito da dignidade humana. Assim, a atividade de controlo não deve ser arbitrária, tendo como limites os valores individuais cometidos à personalidade do trabalhador524.

521 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., pp. 751-754

522 Para uma análise desta sentença JOSÉ R. AGUSTINA SANLLEHÍ, “Expectativa de privacidad en el correo electrónico laboral y

prevención del delito (reflexiones en torno a la Sentencia del Tribunal Supremo de 26 de septiembre de 2007)”, Revista La Ley Penal,

nº 69, 2009, pp. 77-99, in

http://www.academia.edu/2003255/Expectativa_de_privacidad_en_el_correo_electr%C3%B3nico_laboral_y_prevenci%C3%B3n_d el_delito_reflexiones_en_torno_a_la_Sentencia_del_Tribunal_Supremo_de_26_de_septiembre_de_2007

523 XVIIth Meeting of European Labour Court Judges, op. cit., p. 129

A nível jurisprudencial525, no processo 4854/2000, a Secção Social do Tribunal

Superior de Justiça da Catalunha, em decisão de 14 de Novembro de 2000, conhecida usualmente como a sentença do Deutsche Bank526 , entendeu como lícito o despedimento

de um trabalhador que enviou 140 e-mails de caráter obsceno e sexista, sendo que a empresa só permitia a utilização do correio eletrónico para fins profissionais. Na verdade, entendemos que aqui a questão é que está em causa uma violação ao direito do segredo das comunicações, sendo que o empregador despediu o trabalhador com base no conteúdo das mensagens e não apenas no seu envio excessivo527. Quanto à questão da existência da proibição da utilização pessoal dos instrumentos de trabalho, o Tribunal Supremo, em sentença de 6 de Janeiro de 2011528, decidiu que, uma vez que existia esta proibição, não se poderia entender que o controlo levado a cabo tinha lesado os direitos da trabalhadora, já que esta sabia da proibição. Parece-nos que, apenas pelo facto de ter sido proibida a referida utilização, entender-se que qualquer ingerência não constitui uma violação é um pensamento perigoso, até porque, como vimos, a proibição do correio eletrónico para fins pessoais não legitima o acesso ao seu conteúdo. No mesmo sentido entendeu o Tribunal Constitucional na sentença 170/2013, de 7 de Outubro de 2013529, já que, apesar de não haver uma política de utilização do correio eletrónico, existia na Convenção Coletiva, aplicável à indústria química em questão, uma proibição expressa de utilização do correio eletrónico para fins extraprofissionais. Assim, o Tribunal considerou a não vulneração do direito ao segredo das comunicações e do direito à intimidade do trabalhador que enviou por e-mail informações da empresa a outra entidade, comunicações a que o empregador teve posteriormente acesso, uma vez que, face à proibição contida na Convenção, o trabalhador não teria uma expetativa legítima de privacidade.

Na sentença 55/2015, de 17 de Março de 2017530, o Tribunal Supremo destacou a importância de as empresas terem normas internas que regulem a utilização e o controlo dos meios informáticos, para que sejam salvaguardados os direitos fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente a dignidade, a intimidade e o sigilo das comunicações. Na

525 Para mais desenvolvimentos sobre o controlo eletrónico, na jurisprudência espanhola, ver LAURA MELGAR MARTÍNEZ,

“Trabajadores, medios tecnológicos y control empresarial”, Diario La Ley, nº 2, 20 de Dezembro de 2016, in http://diariolaley.laley.es/home/DT0000240074/20161216/Trabajadores-medios-tecnologicos-y-control-empresarial

526 RITA GARCIA PEREIRA, op. cit., pp. 188-190

527 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., p. 755

528 Para uma análise mais aprofundada desta decisão, ver ESTHER CARRIZOSA PRIETO, op. cit., pp. 21 e ss. 529 Disponível em https://www.boe.es

referida decisão, a entidade empregadora não havia estabelecido regras quanto à utilização do correio eletrónico e não houve aviso de um possível controlo, pelo que o acesso a um e-mail trocado entre a trabalhadora e o seu advogado foi considerado ilícito, tendo o Tribunal entendido que o direito ao sigilo das comunicações da trabalhadora foi violado.

A jurisprudência espanhola tem pautado o entendimento de que o controlo é possível quando for proporcional e adequado ao fim em causa e, traduzindo-se em mais benefícios para a empresa, não resulte em prejuízos aos direitos dos trabalhadores531. A este propósito, na sentença 4053/2010, de 6 de Outubro de 2011532, proferida pelo Tribunal Supremo, relembrou-se que, em defesa do princípio da proporcionalidade, devem ser estabelecidas regras de utilização dos meios informáticos, através de proibições absolutas ou parciais; os trabalhadores devem ser informados de que vai existir controlo e das medidas a ser adotadas para garantir uma correta utilização dos meios colocados à disposição; existe a possibilidade de serem aplicadas outras medidas preventivas de controlo.