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O controlo do correio eletrónico no Reino Unido

CAPÍTULO III – AS COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS DO TRABALHADOR

2. As comunicações eletrónicas do trabalhador – o correio eletrónico

2.2.2. O controlo do correio eletrónico no Reino Unido

O Regulation of Investigatory Powers Act, de 2000, é considerado um marco legal relativamente à interceção de todas as comunicações, incluindo o correio eletrónico, e ao uso da informação obtida através das mesmas. O diploma aplica-se a particulares e ao Estado (polícia e serviços secretos491), estabelecendo que a interceção das comunicações

não é permitida sem o consentimento dos seus intervenientes492. A sua introdução deveu- se a diversas razões493, como a expansão e a mudança no universo das telecomunicações e a necessidade de atualização para que a lei tutelasse situações privadas, como o famoso caso Halford v. The United Kingdom494, de 1997, do TEDH, em que o Tribunal entendeu

490 Disponível em http://caselaw.findlaw.com/

491 O Investigatory Powers Act 2016 teve, como um dos objetivos, estabelecer a extensão que determinados poderes de investigação,

atribuídos aos serviços secretos, poderão ter. Para mais desenvolvimentos http://services.parliament.uk/bills/2015- 16/investigatorypowers.html

492 MARK JEFFERY, “Carta Blanca (…)”, op. cit., p. 5 493 HAZEL DAWN OLIVER, op. cit., p. 48

494 Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng#{"fulltext":["halford"],"documentcollectionid2":["GRANDCHAMBER","CHAMBER"]}. O

caso dizia respeito à senhora Halford, uma oficial superior de polícia que, no local de trabalho, dispunha de duas linhas telefónicas: uma para assuntos profissionais e outra para assuntos privados. A trabalhadora tinha apresentado uma queixa por discriminação sexual contra o empregador, sendo que usava a linha telefónica privada para discutir essa questão, tendo mesmo obtido autorização para tal utilização. O empregador acabou por intercetar as chamadas efetuadas no âmbito desta linha e utilizar as mesmas em desfavor da senhora Halford.

que o artigo 8º da CEDH tinha sido violado e que o sistema legal inglês não oferecia proteção quanto à interceção de comunicações privadas.

O RIPA, considerando como ofensa criminal a interceção de uma comunicação durante a sua transmissão, é bastante restritivo para os empregadores que pretendam efetuar o controlo do correio eletrónico. Contudo, a interceção é possível em alguns casos, sendo que no caso dos trabalhadores será possível em duas situações: quando as duas partes consentiram ou quando esteja em causa uma comunicação de trabalho495.

Quando à questão do consentimento, resta saber se será um consentimento dado de forma geral ou se terá que ser realizado para uma comunicação em específico. Indaga- se se é possível entender que o consentimento do trabalhador é dado livremente quando a sua recusa possa implicar a recusa de contratação ou o despedimento. Por outro lado, quando ao consentimento de terceiro, a entidade empregadora deve informar que as comunicações podem ser acessadas.

Quanto à exceção da comunicação de trabalho, exige-se que a intromissão seja realizada em comunicações relevantes para o negócio do empregador, sendo admissível nestas situações a interceção do correio eletrónico.

Se o referido diploma tem uma natureza restritiva, já o Lawful Business Practices Regulation, de 24 de Outubro de 2000, permite amplamente o controlo dos e-mails do trabalhador496. De facto, esta legislação permite que em determinados casos a interceção

das comunicações do trabalhador possa ser realizada sem o seu consentimento. Assim, a intromissão será possível quando o empregador pretenda constatar factos, isto é, conservar registos de comunicações relativas, por exemplo, a pedidos e entregas. Será também possível para provar o cumprimento de exigências externas, como qualquer legislação obrigatória ou voluntária, adotada por qualquer país do Espaço Económico Europeu. Uma terceira exceção será aquela em que o empregador pretende comprovar o cumprimento dos standards exigidos na prestação laboral, como aqueles fixados relativamente aos controlos de qualidade ou de formação do trabalhador. Com o propósito de evitar ou prevenir delitos e com o objetivo de evitar problemas de segurança, será também possível a intromissão nas comunicações do trabalhador. Por fim, para aferir se os e-mails do trabalhador ausente temporariamente terão cariz pessoal ou profissional, a intromissão é também aceitável.

495 TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, última op. cit., pp. 772-773

As referidas exceções dão, evidentemente, prioridade aos interesses do empregador, agravadas pelo facto de que a sua aplicação não se guia pelo princípio da proporcionalidade, pelo que, se um empregador provar que a intromissão se enquadra em alguma das exceções, não relevará se essa ingerência for ameaçadora da privacidade do trabalhador. Neste contexto, o diploma The Employment Practices Code, elaborado pela Comissão Inglesa de Proteção de Dados, em 2011, estabeleceu que, quanto aos e-mails e em defesa do princípio da proporcionalidade, devem primeiro controlar-se os dados externos, de tráfego, e só em casos de maior gravidade é que se poderá controlar o conteúdo. Este controlo deve evitar-se, principalmente no caso do correio eletrónico pessoal, em que os trabalhadores têm uma legítima expetativa de privacidade, Se tiver que ser levado a cabo, terá que ser fundamentado em razões imperiosas, como a suspeita da prática de ilícitos penais pelo trabalhador, o que será suficiente para justificar o controlo, caso não haja uma forma menos intrusiva de o realizar. As empresas devem ainda estabelecer políticas claras de utilização do correio eletrónico, por forma a que os trabalhadores tenham conhecimento das formas de controlo a que podem estar sujeitos e para não criarem falsas expetativas de que as suas comunicações são privadas. A este propósito, no caso Miseroy v. Barclaycard, de 2003, a entidade empregadora (Barclaycard) tinha uma política de controlo eletrónico, conhecida dos trabalhadores, tendo estes sido avisados de que o uso inapropriado e excessivo do e-mail seria monitorizado. Durante o habitual controlo, foram encontrados no computador da trabalhadora Hilay Miseroy 900 mensagens, cujo conteúdo incluía insultos aos seus colegas de trabalho e envio de informações confidenciais a uma instituição concorrente. O Tribunal entendeu que, apesar de os e-mails em causa terem natureza pessoal, a entidade empregadora agiu corretamente na investigação levada a cabo e que o despedimento de Hilary foi lícito497.

No âmbito legislativo, percebemos então que, para além da inconsistência existente nos referidos diplomas498, o trabalhador vê a sua posição enfraquecida perante o empregador.

A nível jurisprudencial, destacamos o célebre caso Copland v. United Kingdom499, de 2007, em que o TEDH analisou o controlo oculto, incluindo o controlo do correio eletrónico, ao qual a trabalhadora Lynette Copland foi submetida. Este Tribunal entendeu

497 GAIL LASPROGATA; NANCY KING; SUKANYA PILLAY, op. cit., p. 39 498 HAZEL DAWN OLIVER, op. cit., p. 71

que as noções de “vida privada” e “correspondência”, às quais o artigo 8º da CEDH faz referência, devem também aplicar-se ao e-mail, afirmando, assim, uma importante posição. Apesar de ter considerado que não é de excluir que, em situações em que esteja em causa um fim legítimo, o controlo seja também legítimo, no caso em apreço verificou- se uma ingerência no direito à privacidade, salvaguardado no artigo referido.

No caso Atkinson v. Community Gateway Association500, de 2014, o empregador, por forma a investigar o trabalhador, P. Atkinson, acedeu ao e-mail deste e descobriu que o trabalhador tinha enviado mensagens de teor sexual a uma amiga e que a tinha auxiliado a obter um cargo na empresa, acabando por proceder ao despedimento. Entendeu-se que o controlo do correio eletrónico foi realizado de acordo com a política da empresa e que, face à existência destas regras internas, assumia-se que as comunicações não tinham caráter privado. O Tribunal considerou, então, que o direito à privacidade do trabalhador não tinha sido violado e afirmou a sua posição de que, quando existe uma política clara de utilização dos meios informáticos, o empregador fica autorizado a monitorizar os e- mails do trabalhador.