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A VENDA DIRECTA E A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

2. A VENDA DIRECTA COMO FORMA DE DISTRIBUIÇÃO

2.1. A VENDA DIRECTA COMO UMA FORMA DE COMPRA

2.1.4. A VENDA DIRECTA E A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

A evolução da venda directa nos últimos anos parece ter ligação com várias mudanças socio-económicas e tecnológicas. Não restam dúvidas de que estamos numa época de alterações. “Pode dizer-se que o final do século XX representou o fim de toda uma ordem das coisas. O fim do paradigma industrial. O fim do mundo da pós-guerra. O fim do predomínio dos Estados Unidos. O fim do Estado Providência. O fim do comunismo e do capitalismo da pós-guerra.” (Gibson et al 1997, p.19). Foi a partir do final da segunda guerra mundial, “que a actividade comercial se estruturou em moldes mais definitivos e se criaram as condições para as grandes transformações que, a partir do final dos anos sessenta, haveriam de marcar a chamada sociedade de consumo” (Marques 2001, p.5).

As sociedades vão mudando, e as várias formas de distribuição vão-se adaptando e aproveitando as mudanças socio-económicas e tecnológicas. O facto de haver mais facilidade em concretizar trocas comerciais internacionais, levou a que muitas empresas de venda directa tenham evoluído para estruturas multinacionais, operando em vários países e repartindo as suas fábricas e/ou armazéns por vários locais do globo. Essa dinâmica leva também a que os seus quadros e vendedores facilmente mudem a sua actuação de uns países para os outros, fazendo com que as fronteiras nacionais e os nacionalismos se diluam cada vez mais. De facto, “a vida económica moderna atravessa fronteiras nacionais para formar uma associação ampla e intrincada que constitui um antídoto poderoso contra o nacionalismo agressivo e retrógrado. O comércio, o investimento, as viagens e as empresas multinacionais, todos servem esse objectivo” (Galbraith 1994, p.207).

A Era Industrial tinha, e tem até este momento, a sua própria estrutura organizativa, própria das hierarquias, própria da comunicação de cima para baixo, própria do filtro da comunicação dos diferentes status e das diferenças de oportunidades. Numa estrutura desse género há sempre alguém acima, e também um conjunto de hierarquias intermédias não se podendo passar à hierarquia superior pelo simples facto de se desejar, nem sequer muitas vezes pelo próprio esforço. Tem de haver um lugar disponível, tem de se ter reformado alguém que estivesse acima, e à medida que se vai subindo o espaço fica mais restrito: cada vez há menos lugares. Então finalmente a luta por ocupar esses lugares de elite da estrutura é uma luta muitas vezes sem tréguas, uma luta que tende à destruição das equipas, que tende à perda da confiança uns nos outros, e que tende também à divisão dos esforços e não àquilo que seria desejável, ou seja a soma dos mesmos. Talvez esse tenha sido o preço mais caro e mais grave que pagaram as empresas da era industrial.

Mas hoje estamos numa era diferente: estamos na sociedade da informação. A era industrial: essa velha pirâmide encontra-se desactualizada. A sociedade não tem outra solução que não seja organizar-se de outra maneira, porque as coisas estão a mudar. Tem de fazê-lo a partir dos avanços tecnológicos mais modernos. E esses avanços vêm principalmente da electrónica com todas as suas variantes: a burótica, a informática, a electrónica aplicada, etc.

Daí que a mão-de-obra, o trabalho, este entendido como a aplicação de um esforço, está a deixar de ser uma mercadoria em procura e está a converter-se então numa mercadoria em oferta. Já não há possibilidade de que todos os seres humanos participem na economia através do que era o contrato de trabalho, porque já não há contratos de trabalho para todos.

Contudo cada vez se produz mais bens e serviços. O que acontece é que com a velha estrutura não existem meios de participação para todos. Como é que se pode participar através de um contrato de trabalho, na economia, quando resulta que o contrato de trabalho já não funciona? Este é um grave problema: como se pode fazer para que as pessoas participem na economia por outro procedimento viável? Uma das maneiras é substituir as relações laborais por relações profissionais, por relações empresariais. É neste tipo de relacionamento que apostam a maioria das empresas de venda directa.

As novas tecnologias vieram dar um impulso à substituição das relações laborais por relações profissionais, contribuindo para a mudança, mas também para uma crescente interdependência. “À medida que o nosso mundo se vai tornando cada vez mais complexo e interdependente, a mudança torna-se crescentemente não linear, descontínua e imprevisível. Por conseguinte, o futuro é cada vez menos igual ao passado. E cada vez menos como esperávamos que fosse.” (Gibson et al 1997, p.22).

As tecnologias da informação vieram revolucionar tudo. Hoje já não é concebível que um gestor ou um director de uma empresa, não tenha o seu próprio computador pessoal e que não tenha as suas próprias aplicações para dirigir e controlar a sua empresa. Agora as coisas podem-se fazer muito mais rapidamente e de forma muito mais fiável, não só na indústria, mas também na banca, nos serviços e no comércio. Ou seja, os empresários devem actualizar-se com as mais modernas técnicas que surgem, para que o seu trabalho seja mais eficaz e mais rentável.

Contudo a abundância de informação leva à necessidade de saber seleccionar a informação mais pertinente e adoptar novas estruturas organizacionais. “Os computadores fornecem dados simples – vastas quantidades deles – mas só isso não é informação, esta exige dados dotados de relevância e de um objectivo. Assim, uma empresa deve decidir qual a informação de que necessita para dirigir os seus negócios, sob pena de se afogar em elementos supérfluos mas, para funcionar desta forma, é preciso uma nova estrutura. Apesar de talvez ainda ser demasiado cedo para desenhar um gráfico organizacional baseado na informação, podemos, no entanto, definir algumas considerações gerais. Há cento e vinte e cinco anos, quando surgiram as primeiras grandes empresas, a única estrutura organizacional de que dispunham para se modelar a si próprias era a hierarquia do exército, mas a base de referência de amanhã é a orquestra sinfónica, a equipa de futebol ou o hospital”. (Drucker 1993, p.307). Estruturas organizacionais como estas são adoptadas pela maioria das empresas de venda directa, onde por um lado é cultivada a livre iniciativa individual e por outro o trabalho em equipa.

Novas estruturas organizacionais implicam diferentes formas de gestão e controlo, e neste âmbito a qualidade total é um conceito fundamental. Desenvolvido sobretudo pelos técnicos japoneses, a ideia da empresa de qualidade total, é aquela em que se procura sempre fazer bem à primeira e se trabalha para a melhoria contínua. Nesta empresa cada elemento tem os seus clientes e os seus fornecedores internos. Cada um tem de responder pelo serviço que presta ao seu cliente e tem por sua vez de exigir, e tem o direito de o fazer, o serviço que recebe do seu fornecedor, mesmo que seja colega. Implanta-se uma filosofia de empresa conhecida como Kaisen. Ou seja “Contrariamente aos ocidentais, que montaram sistemas de qualidade para impedir a ocorrência de defeitos, os japoneses sempre consideraram que isso não era, em si, suficiente e adoptaram aquilo que eles designam por Kaisen, que significa melhoria constante, progressiva e interactiva” (Cruz & Carvalho 1992, p.48).

No Kaisen japonês, ou o “método de progresso permanente”, a empresa está em tensão, a empresa está em movimento. Não se trata de fazer um grande progresso num dia e esperar até ao próximo ano para fazer um outro grande lote de projectos, mas sim o contrário, trata-se da soma de pequenos progressos constantes que se acumulam, toda a gente tem que melhorar alguma coisa todos os dias. Os japoneses têm uma fórmula para funcionar que é o kieretsu. O kieretsu é “uma forma de organização empresarial de origem japonesa, que estabelece ligações entre uma empresa e os seus fornecedores, financiadores e clientes, muito mais fortes e mais duradouras do que as relações contratuais existentes no ocidente. Na maioria dos casos, trata-se de empresas que participam no capital umas das outras, o que transforma um kieretsu numa vasta rede de participações minoritárias recíprocas” (Hundle 1998, p.86).

Assim os japoneses formaram como que enxames de empresas à volta de uma empresa maior, que precisa de ser maior pela economia de escala, como pode ser a Sumitumo ou a Mitsubishi, mas à volta destas grandes empresas há muitas empresas pequenas que se servem umas às outras e estão interligadas, num compromisso que serve tanto à empresa grande como à pequena. Esta é também a forma de funcionamento da maioria das empresas de venda directa: os vendedores/distribuidores são muitas vezes microempresas que estão ligadas à empresa “mãe” e interligadas entre si, com vantagens para todas as partes. As empresas com mais sucesso têm implantado um sistema de qualidade total, incorporando permanentemente as sugestões dadas pelos seus clientes e pelos seus vendedores/distribuidores.

Com o advento da sociedade de informação, veio também a modernização das vias de comunicação, acompanhada do gradual desaparecimento das barreiras alfandegárias e da evolução dos meios de comunicação e telecomunicações, trazendo novas oportunidades de negócio para todos, e em particular para as pessoas que buscam com a venda directa uma forma flexível de se realizarem profissionalmente, podendo agora escolher os melhores momentos, locais e meios para desenvolver a sua actividade. Efectivamente, “à medida que as vantagens de fazer negócios num qualquer local, em qualquer momento e com qualquer meio, venham a ser possíveis para indivíduos empreendedores e para pequenas empresas, eles competirão com mais força no mercado global. Informação é, sem dúvida, poder, e à medida que mais e mais informação se torne disponível para o indivíduo através de sistemas de telecomunicações, os indivíduos tornar-se-ão mais poderosos do que nunca” (Naisbitt 1994, p.17).

Obviamente que os avanços tecnológicos são essenciais para o desenvolvimento da venda directa e particularmente do marketing multinível, pois “devido à sua complicada logística, precisa de aplicar metodologias de trabalho, em que se possa automatizar o tratamento da informação que o próprio sistema gera. Devido a esta circunstância, não se pode conceber, hoje em dia, um sistema com estas características sem contar com meios informáticos que garantam o seu correcto funcionamento e permitam validar as estruturas em formato de rede sobre as quais se baseia.” (Cepeda & Martínez 1991, p.11)

Embora as empresas de venda directa já operassem com sucesso antes do advento da informática, não há dúvida que a informática e as telecomunicações têm vindo a desempenhar um papel muito importante no desenvolvimento das suas actividades, em particular no que respeita às comunicações entre a empresa e os seus vendedores. De facto a venda directa acaba por ser uma actividade algo solitária para o vendedor directo (Berry 1997), pelo que as comunicações entre ele e a empresa, e no caso do multinível, entre os vários elementos da rede é crucial. Neste último caso a informática é também muito importante para controlo da rede por parte da empresa, pois quanto maior for a rede maior terá de ser a capacidade de processamento informático. Por esse motivo, durante bastante tempo o computador da Amway era o segundo com maior capacidade de processamento em todo o mundo, depois do da Nasa.

Outro aspecto tecnológico que veio revolucionar o comércio e a distribuição, é a evolução e simplificação das formas de pagamento, que têm vindo a acelerar a evolução que se tem verificado no comércio. Longe vai o tempo em que, para se ir às compras, tinha de se levar um “monte” de notas.

A crescente utilização dos cheques e, mais recentemente, dos cartões de débito e de crédito tem vindo a facilitar as transacções comerciais e a aumentar a segurança, quer para os comerciantes, quer para os consumidores. Foi uma verdadeira revolução, à qual o consumidor se adaptou muito rapidamente. Senão vejamos a quantidade de cartões que existem hoje em circulação, e pensemos nos que havia, por exemplo há 20 anos atrás.

Inicialmente ter um cartão de crédito era coisa a que só podiam ter acesso grandes empresários ou quadros superiores das empresas. Depois foi-se generalizando e actualmente quase toda a gente que tem uma conta bancária tem um cartão de débito e de crédito. A utilização destes e de outros meios de pagamento, como por exemplo a transferência bancária, vieram facilitar todas as formas de vender produtos à distância, não só as várias vertentes da venda directa, mas permitiram ao consumidor comprar a estabelecimentos geograficamente distantes, encomendando por telefone ou correio, e pagando sem a utilização de numerário, impossível de usar nesses casos.

O expoente máximo da utilização do “dinheiro de plástico” é a Internet e o comércio electrónico, pois só é possível realizar uma transacção comercial na Internet, ou pagando contra reembolso, ou usando meios electrónicos de pagamento, pois pela Internet não é possível fazer circular notas e cheques. Efectivamente “a mudança de dinheiro (dos cheques, das notas, etc.) para a electrónica é profunda. Agora, o sistema bancário não é mais do que informação em movimento e nós movimentamo-lo por todo o mundo, à velocidade da luz.” (Naisbitt 1984, p.107).

A utilização dos mais modernos meios de pagamento é essencial para o negócio das empresas de venda directa, uma vez que os seus vendedores/distribuidores podem residir muito longe das suas instalações, não tendo muitas vezes a possibilidade de pagar em numerário. Algumas empresas criaram mesmo os seus meios próprios de pagamento, como a Mary Kay que possibilita às suas consultoras o acesso a um cartão de crédito para pagamento (apenas) das suas compras à empresa; e a Amway que em vários países (como por exemplo em Espanha) disponibiliza um cartão de crédito Visa que permite aos seus distribuidores efectuar pagamentos à Amway ou a outras entidades, acumulando pontos com as transacções do cartão, proporcionando o recebimento de uma comissão por volume de pontos.

Em resumo, as empresas de venda directa têm sabido aproveitar as vantagens trazidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, e embora a venda directa já funcionasse há muitos anos sem essas tecnologias, o seu aproveitamento veio facilitar e profissionalizar a sua actividade e permitir prestar um melhor serviço aos vendedores directos e aos clientes.