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A intuição de que vida e consciência guardam uma semelhança estrutural, e que essa semelhança se radica na organização autorrelacional compartilhada por ambas, não é nova. Ao longo da história da filosofia, no entanto, ninguém desenvolveu conceitualmente tal intuição mais do que Hegel – o que não é de se espantar, já que sua dialética é, de certa maneira, uma lógica da auto-referência. Isso nos ajuda a entender por que a vida é tão importante para Hegel, a ponto de figurar como categoria da lógica, e estar presente, ao menos como metáfora, em quase todos os seus textos.

Mesmo uma leitura apressada da obra de Hegel basta para constatar que “vida” é uma noção básica orientadora da filosofi a hegeliana, que atravessa seu sistema por inteiro, como um fio que assegura a coesão da trama. É que a vida é, para Hegel, a expressão mínima da infinitude, e, portanto, forma elementar do Si.

Não por acaso, Beiser (2005, p. 81) chega à conclusão de que a Ciência da Lógica é uma tentativa de elaborar um pensamento mais universal e ri co que a razão mecânica, a fim de dar conta adequadamente do problema da vida: “The purpose of

Hegel’s Science of Logic is indeed to develop a logic of life, a way of thinking to

understand life.”136

O esforço de Hegel concentra-se em compreender a vida, modelo básico para a subjetividade em geral, não como substância vital, mas como movimento – mais propriamente, movimento de automediação. Vida, segundo Hegel, é processo de autoprodução de si a partir do outro. A semelhança com o Eu está em que a vida é, ao mesmo tempo, relação simples consigo e, por outro lado, voltada para fora: é, pois, movimento de retornar sobre si mesmo a partir do outro. Essa forma geral, ao mesmo tempo aberta e fechada, da auto-referência na referência ao outro, é compartilhada tanto pela vida quanto pelo Eu.

É diagnóstico comum que a Lógica de Hegel estaria empiricamente contaminada, por incluir categorias talvez mais adequadas a uma filosofia real. Em especial com respeito à ideia de vida, o próprio Hegel é o primeiro a reconhecer qu e a primeira vista pareceria tratar-se de um objeto tão concreto que extrapolaria os

136 “O objetivo da Ciência da Lógica de Hegel é de fato para desenvolver uma lógica de vida, uma maneira de

limites da Lógica. Certamente isso seria correto, nota Hegel, a respeito da lógica formal, que se restringe a expor as formas vazias do pensamento . 137

A Lógica de Hegel, contudo, possui pretensões mais ambiciosas, entre as quais dar conta de pensar o pensamento pensando a si mesmo. A vida precisa fazer parte da Lógica, argumenta Hegel, porque a verdade é o tema principal da Lógica, e a verdade é essencialmente no conhecer. Em Hegel, portanto, encontramos uma conexão estreita entre cognição e vida, de modo que simplesmente não seria possível pensar a primeira sem a segunda.

Tomemos primeiramente a vida como alma – isso é, como princípio automovente. Está claro que com a vida já não estamos mais no domínio do que é apenas subjetivo, mas sem dúvida tratamos de um objeto concreto , materialmente realizado. Essa alma, pois, não flutua etérea indiferente à objetividade, mas é necessariamente encarnada no ser objetivo, que é, em rel ação a ela, realidade subjugada ao propósito (ou ao fim), isso é, meio. Temos então o corpo, como termo médio do silogismo: a corporeidade da alma é o que liga a alma com a objetividade externa. O corpo vivo é esse terceiro excluído, que não é nem pura sub jetividade nem pura objetividade.

Uma vez que o conceito é imanente ao indivíduo vivente, e não externo, a finalidade do vivente tem que ser apreendida como algo interior: ou seja, como teleologia imanente. A objetividade da vida, como vimos é o organismo, em sua natureza corpórea, mas inteiramente invadido e permeado pelo conceito. Como objetividade não deixa de ser meio para o fim, mas agora é também realização do fim.

O corpo vivo, afirma Hegel, não está mais sujeito às determinações da reflexão – seja do mecanismo, ou da relação parte e todo etc. Na verdade, nos lembra Hegel, como externalidade, o corpo é passível de ser representado segundo semelhantes determinações, mas apenas na medida em que não é mais corpo vivo. Não há nada que nos impeça, de fato, de analisar o corpo quimicamente, mecanicamente, ou dividi-lo em partes etc. – mas isso já significa matá-lo, e o que é propriamente vivo no corpo fica assim perdido.

137 “The Idea of Life is concerned with a subject matter so concrete, and if you will so real, that with it we may seem to have overstepped the domain of logic as it is commonly conceived. Certain ly, if logic were to contain nothing but empty, dead forms of thought, there could be no mention in it at all of such a content as the Idea of life” (HEGEL, 1969, p. 761).

Segundo Hegel, como externalidade, o organismo é efetivamente uma multiplicidade – mas não de partes, e sim de membros. Esses membros são a princípio separáveis, como em qualquer multiplicidade objetiva, mas uma vez separados de fato deixam de ser membros vivos e retornam às relações da objetividade comum, dissolvendo-se na exterioridade indiferente. É, portanto, correto notar que a multiplicidade dos membros se contrapõe à unidade negativa da individualidade vivente, mas falar em unidade negativa não é outra coisa que chamar atenção para a atividade vital como simultaneamente impulso de dife renciação – cada membro se separa da unidade e se produz à custa dos outros – e impulso de superação dessa particularização – segundo o qual os membros se fazem meio uns para os outros.

Na Ciência da Lógica, Hegel utiliza sua teoria do juízo, desenvolvida no início da doutrina do conceito, para compreender a vida – e mais especificamente, para conceituar o vivente singular como cópula, conjugação concreta, de universalidade e particularidade. O juízo constitutivo da vida é a cisão originária pela qual se diferencia da objetividade como sujeito individual – nesse processo de separar um interior do exterior, a vida faz a pressuposição de uma objetividade imediata que a confronta138. A relação do indivíduo vivente não pode ser de completa indiferença frente a esse exterior, pois ele é ao mesmo tempo a condição do processo vital, de modo que o vivente se lança sobre ele para assimilá-lo.

O organismo vivo, enquanto totalidade concreta, é expressão do silogismo que unifica em um único processo a universalidade da rel ação para si com a particularidade da relação ao outro.

No momento da universalidade (U), o que temos é o puro sentimento de si, isso é, o momento da auto-referência – que Hegel interpreta como representando a sensibilidade. O momento da particularidade (P ) é a irritabilidade, ou a relação ao outro. Segundo a terceira determinação, que completa o silogismo, o vivente é singularidade (S); trata-se do momento da reprodução (ou melhor – autoprodução):

138

“Consequently the original judgment of life consists in this, that it detaches i tself as an individual

subject from objectivity, and in constituting itself the negative unity of the Notion, makes the presupposition of an immediate objectivity” (HEGEL, 1969, p. 764).

With reproduction as the moment of individuality, the liv ing being posits itself as an actual individuality, a self -related being-for-self; but at the same time it is a real relation outwards, the reflection of particularity or irritability towards an other, towards the objective world . (HEGEL, 1969,

p. 769).139

No indivíduo vivente podemos distinguir dois aspectos abstratos: por um lado é engajamento com o mundo, relação efetiva com a objetividade contra a qual se defronta; mas ao mesmo tempo, segundo o outro aspecto abstrato, o vivente é fechado em si mesmo, é pura mediação consigo mesmo. Enquanto a irritabilidade e a sensibilidade são determinações abstratas, na reprodução se estabelece a unidade fundamental entre os dois momentos: “In reproduction life is concrete and is

vitality.”140 A singularidade (S) do vivente é retorno a si (U) a partir de seu outro (P). Se identificarmos o primeiro momento como a alma (pura relação simples a si e ser-para-si subjetivo) e o segundo como o corpo (materialmente aberto, externamente condicionado), o terceiro momento é o da ide ntidade entre alma e corpo. Afirmar que “a alma e o corpo estão postos em unidade na vitalidade”, que a alma (unidade ideal em si mesma subjetiva) e o corpo (a separação sensível dos lados particulares) são a mesma totalidade – “reside nisso sem dúvida uma contradição” (HEGEL, 2001, p. 135).

Apenas na síntese do silogismo – no momento da reprodução – a vida é concreta, mas como para o Entendimento todo o concreto é impossível, devido a sua natureza paradoxal de ser síntese de determinações opostas, a unida de de alma e corpo aparece como algo que não pode ser. No entanto, alma e corpo só o são nessa totalidade, como aspectos simples abstraídos de uma unidade concreta. O Entendimento, por seu lado, se vê obrigado a manter separado algo que só pode existir em união: não há corpo sem alma, nem alma sem corpo, pois ambos não passam de maneiras complementares de perceber o processo vital, de acordo com cada polo que caracteriza a tensão dual própria do vivente. Na concepção dialética, o corpo é animado, a alma é corpórea. O dualismo é uma maneira de escapar dessa contradição, separando os momentos abstratos, que só subsistem na unidade concreta

139 “Com a reprodução como momento da individualidade, o ser vivo põe a si mesmo como individualidade efetiva, um ser -para-si auto-relacionado; mas ao mesmo tempo ele é a relação para

fora, a reflexão da particularidade ou irritabilidade ao outro, ao mundo objetivo.” 140 “Na reprodução a vida é concreta e é vitalidade.”

da singularidade, e apresentá-los, de forma reificada, como substâncias distintas, apenas externamente conectadas.

Com a relação ao outro implicada na irritabilidade, o processo de autodeterminação do vivente passa necessariamente pela externalidade objetiva, e por isso tem que assumir a forma dessa externalidade objetiva mesma. Ao mesmo tempo, e com igual necessidade, o indivíduo vivente é para si e simplesmente idêntico a si mesmo. É, portanto, unidade de determinações opostas.

O vivente é encarnação do conceito, e o fato do conceito estar imerso na objetividade, se realizar como uma objetividade particularizada (como um organismo141; um sistema natural particular) faz com que experimente imediatamente a disparidade consigo mesmo. O conceito não pode se realizar plenamente, em sua realização objetiva é distinto de si mesmo – pois o vivente não é um puro interior, mas se desenvolve a partir da exterioridade, e aí está sua finitude. A infinitude da forma do Si contrasta com a finitude da objetividade, conteúdo real no qual o conceito se realiza. Não pode deixar de haver um desencontro algo brutal entre a forma infinita do Si, puramente ideal, e o conteúdo finito através do qual ganha corpo ao se realizar objetivamente.

Para se fazer objetivo, o conceito se suja de mundo. O conceito não se realiza sem mergulhar na finitude, mas aí não pode se realizar plenamente, pois as condições de realização são precárias e contingentes. Como é simultaneamente absoluta identidade na cisão consigo mesmo, o ser vivo é em si essa desarmonia.

Se antes Hegel havia caracterizado o vir -a-ser como “desassossego em si”, o vivente, enquanto processo circular objetivo é igualmente desassossego, mas não só em si como agora também desassossego para si; tem, pois, a sensação, diz Hegel, de ser “dentro de si contra si mesmo”. Para o ser vivo, o seu nada está presente: dentro dele, o não-ser é. E esse sentimento da contradição, para Hegel, é a própria dor142.

Por ser aberto ao exterior e ter nesse outro que o defronta a condição de seu processo, o ser vivo sente falta – e essa falta é para ele, em sua certeza de si.

141

“The objectivity of the living being is the organism […]”. (HEGEL, 1969, p. 7.660).

142“Pain is therefore the prerogative of living natures; because they are the existent Notion, they are an actuality of infinite power such that they are within themselves the negativity of themselves, that this their negativity is for them, and that they maintain themselves in their otherness. It is said that contradiction is unthinkable; but the fact is that in the pain of living being it is even an actual

Quando, por um lado, a experiência do sujeito de sua negação, advinda da sensação de finitude devido à dependência do exterior, ao mesmo tempo, se contrapõe à sua certeza de si mesmo contra essa negação, à sua existência autônoma como afirmação de si e relação a si mesmo, então a falta se faz positivame nte presente no ser vivo:

Somente um [ser] vivo sente falta; pois na natureza é somente o conceito que é a unidade de si mesmo e de seu determinado contraposto. Onde há uma barreira ela é uma negação somente para algo terceiro, para uma comparação externa. Mas a barreira é falta, quando num só juntamente está o superexceder; a contradição como tal é imanente e está posta nele. Um tal, que é capaz de ter em si e carregar a contradição de si mesmo, é o sujeito; isto constitui sua infinitude. (HEGEL, 1997, p. 488).

O ser vivo é, pois conceitualizado por Hegel como inerentemente marcado pela falta, como uma totalidade incompleta. A vida, portanto nunca atinge a plenitude da eterna satisfação, mas permanece sempre lacunar e assim insatisfeita. Por ter no outro a condição de sua existência, o ser vivo precisa ser aberto ao mundo objetivo exterior, e é incompleto justamente porque precisa de algo que não é ele mesmo, algo que só o engajamento prático com o que está fora dele pode oferecer. A falta é a presença de uma ausência, que torna o processo de assimilação necessário e constitutivo à vida. Essa necessidade do outro não é um momento defeituoso a ser eliminado por um movimento de retorno a uma suposta unidade prévia. Não há nenhuma identidade inicial tranquila a qual se retornar, a vida é intrinsecamente ligada ao que lhe falta.

É com a “sensação da exterioridade como a negação do sujeito” que se inicia o processo real ou relação prática à natureza inorgânica. A sensação de falta converte-se então em impulso de superá-la.

Como vimos, o indivíduo vivo pressupõe a natureza inorgânica. A “divisão originária”, ou “juízo originário”, que o constitui, é o separar-se a si mesmo da natureza inorgânica: o ser vivo se autodefine como diferente dela, a exclui de si. Hegel chama sempre a atenção, contudo, para o fato de que o vivente é tão voltado e virado para o exterior quanto é internamente tensionado contra ele – o processo vital individual se define como distinto do exterior a partir de sua relação com esse exterior. 143 Se bem surge como indiferente nesta relação, essa indiferença mesma

143 Cabe mais uma vez ressaltar, pois se trata de um ponto crucial, que o interior se diferencia do exterior não por uma separação mecânica, que põe um o lado de dentro aqui e o lado de fora ali,

tem que ser superada: “O organismo deve portanto pôr o exterior como subjetivo, antes de tudo fazer-se-lo ele próprio, identificá-lo consigo, isto é, o assimilar” (HEGEL, 1997, p. 484).

Esse processo de assimilação é a união prática do subjetivo com o objetivo, ou a realização efetiva dessa união. A assimilação coincide , pois com o processo individual de reprodução (autoprodução).

O processo da vida de, lançar-se sobre o outro para assimilá-lo (isso é, subjetivar o objetivo) é nesse sentido análogo ao conhecimento:

No conhecimento, trata-se em geral de retirar ao mundo objetivo, que se nos contrapõe sua estranheza, e, como se costuma dizer, de encontrar -nos nele: o que significa o mesmo que reconduzir o objetivo ao conceito [subjetivo], que é o nosso Si mais íntimo. (HEGEL, 1995, p. 333).

Para Hegel, a tarefa da Filosofia é superar a oposição abstrata entre subjetividade e objetividade por meio do pensar. E é isso que, pela assimilação, realiza na prática a atividade idealizadora do vivente: tornar o mundo exterior para si. 144

Por isso Hegel (2001, p.135) pode dizer que “idealista não é apenas a filosofia, e sim já a natureza enquanto a vida faz facticamente o mesmo que a filosofia idealista realiza em seu campo espiritual”. Essa idealidade do vivente, continua Hegel, não está apenas na reflexão exterior (como uma mera ideia subjetiva), “mas está objetivamente presente no próprio sujeito vivo, cuja existência podemos, por isso, denominar de um idealismo objetivo.”

A própria existência do ser vivo já é idealismo objetivo, pois ao realizar a assimilação como forma de sustentar seu processo vital revela a atividade idealizadora como já objetivamente presente e operando no mundo. O vivente é o conhecer feito (que se faz) carne.

como realidades indiferentes, abstratamente divididas. A diferença aparece na relação, de modo que o organismo só pode manter sua auto -identidade, diferenciada do exterior, através do engajamento contínuo com o que está fora. Essa relação prática envolve a interiorização do exterior (assimilação), e tão logo ela deixa de funcionar adequadamente o processo vital se dissipa, a organização não pode ser mais reproduzida, e o corpo perde sua “alma”, retornando assim à objetividade indiferente.

144Assimilação é atividade idealizadora prática: “submete a si as coisas exteriores”, e assim o vivente se reproduz a si mesmo como indivíduo em seu outro.

Por fim, a vida é gênero. Aqui se dá a passagem da emergência da individualidade e da relação desse indivíduo com o seu outro, para a relação do indivíduo com um outro que é, ao mesmo tempo, o mesmo: a relação com um outro indivíduo do mesmo tipo. O indivíduo reconhece o outro como sendo o mesmo que ele, reconhece no outro a mesma essência genérica. Essa é a primeira relação intersubjetiva e ela se expressa paradigmaticamente na relação sexual. Na cópula sexual dois indivíduos do mesmo gênero se reconhecem como iguais, e dessa cópula um novo indivíduo, também do mesmo gênero, é produzido – assim, é agora o gênero como um todo que se reproduz, a partir da produção de novos indivíduos.

Os indivíduos adoecem, envelhecem e morrem, mas pela reprodução sexual o gênero continua para além de qualquer espécime particular. O indivíduo vivente, inicialmente pressuposto como imediato, agora aparece como mediado pelo próprio gênero, resultado de uma cópula entre indivíduos do mesmo gênero . Os indivíduos nascem e morre, o gênero permanece.

Com o gênero humano há um novo desenvolvimento crucial: a formação de uma comunidade intersubjetiva que se reconhece enquanto tal, que é para si – um Eu que é Nós, um Nós que é Eu. Dá-se aí a verdadeira emergência do espírito, de uma intencionalidade não mais individual, mas coletiva, compartilhada.

3.5 A filosofia da natureza e a vida como processo químico infinito

A filosofia da natureza de Hegel é provavelmente a parte mais desprezada de seu sistema, a ponto de que alguns comentadores, tomando -a por constrangedora, preferem ignorá-la – às vezes considerando-a um resquício schellingiano sem maior importância, às vezes tratando-a como um sintoma de megalomania intelectual. Parte significativa desse desprezo deve-se às ilustrações empíricas, ao esforço do próprio Hegel em preenchê-la com observações e teorias retiradas de publicações científicas de sua época, conteúdo que o progresso da ciência se encarregou de tornar obsoleto.

Mais do que qualquer outra obra hegeliana, a Filosofia da Natureza parece datada, e, portanto, condenada a não sobreviver ao seu próprio tempo.

Tal desprezo nos parece injustificado e, em larga medida, contraproducente. Como tem argumentado Frederick Beiser, a Naturphilosophie pertence ao coração mesmo da filosofia hegeliana: a ideia de desenvolvimento orgânico que a anima

permanece central por toda a filosofia de Hegel e, portanto, não pode ser confinada a apenas uma parte de seu sistema – muito menos ignorada145. De acordo com o lugar que ocupa no pensamento hegeliano, a tarefa da filosofia da natureza é superar o modelo cartesiano e newtoniano dominante na física, e pensar uma imagem da natureza a partir do desafio do organismo. Beiser (2003) argumenta que em última análise não é possível relegar o significado da filosofia da natureza a um papel marginal do sistema de Hegel, pois a visão orgânica de mundo, que aparece de forma tão central e característica precisamente na filosofia da natureza, é de fundamental importância para o conjunto do sistema hegeliano e uma peça chave na realização de seu projeto filosófico. Espírito, dialética e identidade -na-diferença: para Beiser, todas essas ideias brotam diretamente do conceito orgânico da natureza.

Hösle (2007, p.349) ressalta também a importância da Filosofia da Natureza de Hegel, assim como sua continuada relevância:

A Física Orgânica certamente está entre o que de melhor Hegel escreveu. – Especialmente se considerarmos o estado da biologia no tempo de Hegel, necessariamente causa surpresa ver quantas descobertas posteriores Hegel antecipou em suas estruturas fundamentais.

Nesse aspecto, estamos inteiramente de acordo com Hösle, pois, como temos argumentado, a filosofia dialética parece adiantar resultados importantes da biologia teórica – isso é válido em particular para a teoria da autopoiese de Varela e a noção de organismos como redes “fechadas a causas eficientes”, que põem a determinação circular no centro da reflexão biológica.

Porém discordamos quando Hösle (2007, p. 351), muit o apressadamente, classifica Hegel como um vitalista:

Naturalmente, com essa tentativa de uma ‘interpretação’ das declarações de Hegel sobre a diferença entre química e vida a partir das ciências