• Nenhum resultado encontrado

Abertura, controle da inflação, combate à pobreza e o tripé macroeconômico

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 98-102)

Dando sequência às iniciativas de liberalização, o Plano Nacional de Desestatização (PND) foi criado em 1990. De início, a privatização dirigiu-se para as empresas produtoras, como as dos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. A seguir, desde 1995, vieram as concessões dos serviços públicos (CYSNE, 2000). A partir de 1996, passaram a ser 13 Segundo Williamson (2003, p. 1), o Consenso constava de dez reformas específicas: “disciplina fiscal; uma

mudança nas prioridades para despesas públicas; reforma tributária; liberalização do sistema financeiro; uma taxa de câmbio competitiva; liberalização comercial; liberalização da entrada do investimento direto; privatização das empresas estatais; desregulamentação; direitos da propriedade assegurados”.

criadas as agências reguladoras, voltadas para energia elétrica, telecomunicações, saúde e vigilância sanitária e modalidades de transportes.

No âmbito da agricultura, criou-se a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública federal, constituída pela fusão das empresas públicas Compa- nhia Brasileira de Alimentos (Cobal), Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem) e Companhia de Financiamento da Produção (CFP). Foram extintos a Embrater, o IAA e o IBC, entre outros órgãos e empresas estatais. O CIP também foi extinto nesse amplo movimento de liberalização da economia.

Do lado externo, em 1991, foi assinado o Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul (Mercosul), do qual quatro países eram signatários: a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. O tratado abrangia um programa, a ser gradualmente implementa- do, de redução tarifária entre seus membros e a unificação das tarifas externas (GONZAGA et al., 1997).

Além disso, à medida que evoluíam as negociações da Rodada Uruguai do Gatt, foi- se configurando uma tendência gradual de procurar ajustar as economias – e os respec- tivos setores agrícolas – a um regime comercial mais livre de intervenções, reduzindo-se subsídios, tarifas e demais barreiras ao comércio. As estimativas de apoio (via preços de produtos e insumos mais crédito) à agricultura, para o período 1985–1992, indicavam que esse apoio havia definhado para apenas 0,1% do PIB do setor (VALDÉS, 1996 citado por LOPES et al., 2007).

Em 1990, com a criação da Política Industrial e de Comércio Exterior, a liberalização comercial robusteceu-se: desativaram-se a Cacex e a CPA, cujas atribuições foram delega- das ao Ministério da Fazenda. Produtos importados sem similar nacional passaram a ter alíquota nula; produtos com alíquota de 5% assim permaneceram; setores intensivos em insumo sem tarifa passaram a ser tarifados em 10% a 15%; manufaturados em geral ficaram com tarifas de 20%; indústrias de química fina, trigo, massas, toca-discos, videocassetes e aparelhos de som teriam tarifas de 30%; automóveis e produtos da informática ficaram com tarifas de 35% e 40%, respectivamente. A tarifa média de 32,1%, em 1990, caía para 13,1%, em 1995 (AVERBUG, 2000).

A abertura econômica teve grande importância no Plano Real (agosto, 1994) ao permitir que se importasse qualquer produto ou insumo cuja oferta doméstica caísse. Um engenhoso sistema de desindexação – que antes criou a Unidade Real de Valor (URV) e depois o Real – dispensou a intervenção nos mercados. O Programa de Estímulo à Reestru- turação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) cuidou da adequação desse sistema à redução da transferência inflacionária aos bancos.

De acordo com Abreu (2013), entretanto, “depois da implementação do cronograma de redução tarifária em 1993 e algumas reduções tarifárias corretivas em 1994, no qua- dro da implementação do Plano Real, a abertura comercial foi sendo revertida e, depois, congelada”.

Mesmo assim, a liberalização econômica, os juros elevados e o câmbio valorizado já traziam mais temores quanto à sustentabilidade da indústria de transformação. Diniz e Bresser-Pereira (2007) apontam para o fenômeno da desindustrialização precoce: queda de importância da indústria sem que o setor de serviços possa incorporar a força de tra- balho sem queda de produtividade. Nesse contexto, desde pelo menos 1994, começou a discussão no País a respeito do chamado “Custo Brasil”, termo largamente divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), entendido como “conjunto de ineficiências e dis- torções que prejudica a competitividade do seu setor produtivo” (CONFEDERAÇÃO NACIO- NAL DA INDÚSTRIA, 1995, p. 2). Nesse Custo Brasil estavam abrangidos, entre outros itens, a alta taxa de juros, a burocracia, a elevada carga tributária e a infraestrutura deficitária.

As Câmaras Setoriais, criadas no final dos anos 1980 para tratar de questões trazidas pelos diversos planos econômicos (ANDERSON, 1999), passavam, a partir de 1992, a fazer diagnósticos e a definir estratégias voltadas para a competitividade. Segundo Staduto et al. (2007), as câmaras representavam mudança nos mecanismos institucionais de articulação entre o Estado e a sociedade, que assumiam funções antes restritas ao Estado, além de abrirem possibilidade para a autorregulação e para influenciar órgãos públicos e o Con- gresso Nacional. Tinham papel ativo na política de reestruturação industrial. No âmbito do agronegócio, até 1995, no Ministério da Agricultura foram criadas, pela Lei Agrícola de 1991, 36 câmaras setoriais.

As câmaras setoriais sofriam, porém, críticas, por serem vistas como um canal de influência corporativa sobre o governo aberto, especialmente os grupos de interesse mais organizados (ANDERSON, 1999), o que se chocava com o direcionamento da economia para a liberalização. O notório “regime automotivo” foi instituído, em sua terceira versão, em 1995, contendo uma pletora de medidas protecionistas, nas áreas comercial, financeira e fiscal. Nesse mesmo ano, havia sido criada a Organização Mundial do Comércio (OMC). Nessa altura, os dispositivos que davam tratamento preferencial aos países em desen- volvimento, embora não extintos, estavam desativados (HOLLANDA FILHO, 2003), de tal forma que o regime automotivo demandou grande esforço na sua defesa contra as queixas encaminhadas à OMC pelos Estados Unidos, pela União Europeia, pela Coreia e pelo Japão. Para Milanez (2007), nos anos 1990, mesmo hesitante, o Brasil seguia o caminho da aber- tura econômica e da globalização, chegando a implementar uma política industrial de cunho horizontal (sem direcionamento a segmentos específicos). Havia maior pressão concorrencial e redução de custos de insumos e bens de capital, que induziram o aumento de produtividade

em diversos segmentos. Esses aumentos, entretanto, não teriam sido suficientes para elevar a competitividade da indústria brasileira, que, ao contrário, vinha caindo (com perda de partici- pação no mercado internacional). Uma das razões para explicar essa fragilidade seria o fato de que o Brasil ficava para trás nos segmentos industriais de maior grau de tecnologia (tecnologia de informação, biotecnologia, fármacos, alguns bens de capital e segmento eletrônico), os quais vinham tendo, eles sim, uma crescente participação nas importações.

Essa defasagem tecnológica levou os Fundos Setoriais, criados em 1999, que vinham, com financiamento federal (por intermédio da Finep), a criar um ambiente institucional, cujo objetivo era fomentar a geração de novos produtos e processos nas empresas nacio- nais, o que levaria a aumentos de competitividade (MILANEZ, 2007). Havia também a ex- pectativa de que, por esse meio, houvesse uma indução a investimentos privados – como contrapartida – em pesquisa e desenvolvimento.

No que toca à estabilização interna, os efeitos do Plano Real sobre a inflação foram rápidos: os preços, que vinham subindo em torno de 30% a 40% ao mês, passaram a crescer na faixa de um dígito, já nos meses seguintes. Entretanto, o crescimento econômico com redução da desigualdade parecia alvo inatingível. No Brasil e na América Latina, passaram, então, a receber ênfase os chamados programas de transferência de renda (SOARES et al., 2006): Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS, aos idosos de baixa renda) e Pro- grama de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), ambos em 1996. Ademais, desde o Plano Real, o salário mínimo vinha sofrendo aumentos reais: de 1995 a 1998, esse aumento tinha sido de 29,5% (AFONSO et al., 2011). O índice de Gini de desigualdade de renda passou a apresentar tendência de queda – de 0,603 para 0,584, de 1993 a 1998 (IBGE, 2004).

A pobreza no Brasil concentrava-se na área rural, onde, segundo Neri, alcançava uma porcentagem de quase 56% – o dobro da cifra para o País como um todo. Ali se concentra- riam os esforços distributivos, mesmo porque a questão agrária pouco evoluíra: o índice de Gini de concentração da posse da terra permanecia praticamente o mesmo daquele de 15 anos atrás – 0,857, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (SOUZA; SILVA, 2012).

De um lado, a predominância numérica da pequena produção e a inadequação dos instrumentos de política agrícola disponíveis para atendê-la vieram a justificar a criação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que foi assumindo maiores proporções14. De outro lado, ficava marcante a importância da produtividade da agricul-

tura, que crescera a 3,7% ao ano na década, fator importante por ajudar no controle da inflação e na geração de divisas num período turbulento que o mundo então vivia. Mesmo assim, o período de 1991 a 1999 foi de continuada crise da dívida agrícola. Em 1995, o 14 Para o contexto da criação do Pronaf e a análise conceitual da agricultura familiar, ver Navarro (2010).

governo envolveu-se em renegociação, que resultou em renúncia de parte dos valores devidos (DIAS, 2007).

Procedeu-se à desindexação dos preços mínimos de garantia, bem como à criação de novos instrumentos, como o Prêmio de Escoamento de Produção (PEP) e as Opções de Venda em 1996/1997 (CONCEIÇÃO, 2002), instrumentos que afastavam o governo das operações físicas de movimentação da safra e que reduziam os gastos oficiais aos níveis necessários apenas para a equalização de preços de mercado ao preço mínimo.

À falta de uma reforma fiscal consistente no contexto do Plano Real, fortíssimo controle monetário foi adotado, resultando em altíssimas taxas de juros. Ao reduzir subs- tancialmente o imposto inflacionário, o Plano Real levava à necessidade de aumentos sucessivos da carga fiscal, que saiu de 25,3% do PIB em 1993, para chegar a 32,6% em 2000, e continuou a crescer (CASA, 2008).

Juros tão altos rapidamente produziram imensa sobrevalorização da nova moeda, mesmo que a política fosse de administração do câmbio. Moeda forte e economia aberta, econômica e financeiramente, rapidamente levaram a uma enxurrada de importações e a déficits externos gigantescos, sustentados pela entrada de capitais predominantemente para as privatizações e as aquisições de empresas, ou de curto prazo, especulativos. A fragi- lidade da economia expunha o Brasil ao contágio das crises financeiras, que se sucediam no México, na Ásia, na Rússia e na Argentina. Novamente juros altos era o único instrumento de defesa disponível para conter a fuga de divisas, até que o País se viu forçado a mudar radicalmente sua política cambial, passando para um sistema mais flexível, acompanhado por forte desvalorização, em 1999.

O câmbio flutuante num contexto de fragilidade fiscal pode ser uma fonte de ten- dências inflacionárias e de riscos financeiros. Em vista disso, em 1999, estabelece-se a siste- mática de “metas de inflação”, cabendo ao Banco Central executar as políticas necessárias para o cumprimento das metas ditadas pelo Conselho Monetário Nacional. Em 2000, a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) foi promulgada com a finalidade de disciplinar – impondo regras e limites – os gastos e controlar o endividamento público de todos os entes da Fede- ração. Formava-se, assim, o chamado “tripé” da política macroeconômica brasileira: câmbio flutuante, LRF e metas de inflação.

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 98-102)