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Indústria entra em colapso, enquanto agricultura cresce, mas se endivida

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 96-98)

Segundo Mollo (1977), desde 1973, a dívida externa deixou de ser um agente im- pulsionador do crescimento econômico – uma das pernas do “tripé” –, para passar a ser um agente inibidor. À questão da dívida somava-se o recrudescimento inflacionário, como travas ao crescimento do País. Em 1979, dois fatores externos vieram a se somar às dificul- dades no campo econômico: a segunda crise do petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais, esta última resultante de uma atuação fortemente contracionista da parte do Federal Reserve Board (FED) dos Estados Unidos.

Como mostram Versiani e Suzigan (1990), na política industrial, em 1979, reduziram- se os poderes do CDI, desarticulando o sistema de incentivos. O crescimento econômico e a formação de capital experimentariam um colapso a partir do final dos anos 1970 (BACHA; BONELLI, 2004). O alto preço dos bens de capital era um grande obstáculo à continuidade do crescimento brasileiro, principalmente em face da reduzida propensão doméstica a poupar, numa fase em que a poupança externa começaria a minguar. O controle de preços internos do CIP em conflito com a desvalorização cambial, mais a queda real dos salários, resultaram em profunda recessão doméstica, de 1981 a 1983. O aumento das exportações de manufaturas, embora tivesse contribuído para a recuperação da economia em 1984 e 1985, deu-se, segundo Versiani e Suzigan (1990, p. 23), por meio de “inserção internacional perversa”, ou seja, ao custo do arrocho dos salários, da recessão doméstica e dos benefícios fiscais e financeiros.

Consoante ainda com essa política industrial, em 1984, implantou-se a Política Nacio- nal de Informática, para o desenvolvimento do segmento de mini e microcomputadores, por empresas privadas nacionais. Para Versiani e Suzigan (1990), a política não contemplou a formação de recursos humanos nem o desenvolvimento científico e tecnológico, além de ter mantido fechado o mercado, não proporcionando concorrência ou possibilidade de o setor usufruir de economia de escala.

Em 1982, iniciou-se a negociação da dívida externa. De 1983 a 1987, foram levadas a cabo várias operações de reestruturação dessa dívida. Nesse ínterim, a aceleração inflacio- nária havia se tornado politicamente insustentável, levando o governo a implantar o Plano

Cruzado, em 1986, que, em linhas básicas, consistia em congelamento de preços, extinção da correção monetária e redução dos juros. Em 1987, o Brasil promoveu a moratória, encer- rada em 1988; entretanto, o que se observou nesse ano e em 1989 foram moratórias não declaradas, ou seja, não foram efetuados os pagamentos devidos.

Na frente interna, diante da grande e crescente dificuldade com o financiamento da dívida pública interna, fato resultante do elevado grau de incerteza que pairava sobre a economia, medidas importantes foram tomadas para melhorar o controle fiscal. Uma delas foi a extinção da Conta Movimento, cortando a ligação direta entre o Banco do Brasil e o Banco Central, e a outra foi a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, instituição que centralizou o controle dos gastos públicos federais e absorveu o controle da dívida pública, até então nas mãos do Banco Central. Separava-se, então, efetivamente, a política fiscal da política monetária.

Do ponto de vista fiscal, Lima e Barros (1996) mostram que os gastos do governo na agricultura cresciam além do necessário. A política de preços gerava mais incerteza do que apoio ao setor, e implicava estoques excessivos. A política envolvia o setor público em operações de mercado para as quais o setor não estava preparado. Não havia regras claras para uso dos estoques, e as metas de apoio à agricultura chocavam-se com os controles de preços destinados ao combate à inflação. Conforme discutido em Barros (2000), em razão do controle fiscal, entre 1987 e 1989, as aplicações do governo federal na agricultura foram reduzidas em 46%, num período em que o déficit público operacional, ao invés de diminuir, aumentou, de 5,5% para 6,9% do PIB. Em apenas 2 anos (de 1987 a 1989), realizou-se um corte de 78% no programa de abastecimento, que englobava a política de preços e esto- ques reguladores de grãos, inclusive trigo, café e açúcar. Não bastasse o apoio deficiente e, depois, o corte nos gastos públicos na agricultura, a década de 1980 foi marcada por uma queda substancial nos preços reais do setor, revertendo, assim, o quadro dos anos 1970. Os preços ao produtor de produtos de origem animal caíram 51% entre 1980 e 1990; os de origem vegetal, 58%; os preços dos alimentos ao consumidor, 38%. Essas mudanças estavam em consonância com a tendência no mercado internacional, em que os preços em dólares dos alimentos, por exemplo, caíram 51%12.

Houve, além disso, mais outra mudança que também abalou o setor agrícola. Entre 1987 e 1989, o volume de crédito total à agricultura caiu de US$ 31,8 bilhões para US$ 20,5 bilhões – uma queda de 35,5%. O aperto no crédito pelo qual passou a agricultura nesse período deveu-se, ao menos em parte, à insolvência que o setor já experimentava e que levou os produtores à inadimplência e à consequente redução de disponibilidade de recursos (LOPES et al., 2007). Dias (2007) lembra que, em 1986/1987, deu-se importante 12 As estatísticas apresentadas foram calculadas com base nos dados de preços ao produtor da FGV, ao consumidor

renegociação da dívida agrícola, que acabou sendo eliminada graças à fixação da taxa de juros em valores muito abaixo da inflação.

A continuidade da expansão agrícola em tais condições explicava-se, em grande par- te, pelo crescimento da produtividade setorial, a 2,4% ao ano, que já era possível observar (GASQUES et al., 2011), mesmo num quadro de baixos preços e pouco crédito.

Em 1990, a agricultura representava 10,5% do PIB nacional, enquanto a indústria caíra para 30% (BONELLI, 2006). O índice de Gini de desigualdade de renda alcançara o recorde dos últimos 30 anos: 0,6091 (NERI, 2012). O analfabetismo ainda era de 19,7%. Mas a caracterís- tica marcante desse período foi a de que o Brasil passara por 10 anos de crescimento muito baixo (1% ao ano), que ficaram conhecidos como a “década perdida”, fato que Bacha e Bonelli (2004) associam à redução da poupança externa e à elevação dos preços dos bens de capital, com baixa participação da produtividade. A indústria crescera apenas 0,2% ano, os serviços, 2,7%, e a agricultura, 2,4%. Com isso, 63,2 milhões de pessoas (43,8% do total do País) tinham rendimento inferior a meio salário mínimo real de 1981 (eram, então, consideradas pobres). Somente no meio rural a parcela subiu para 73,1% (HOFFMANN, 1995).

Nesse período, também ganhou projeção um conjunto de reformas de liberaliza- ção da economia, que ficou conhecido como o “Consenso de Washington”13. O modelo

de política comercial fundado na estreita relação entre governo e empresariado, volta- do fundamentalmente para o protecionismo, passa a ser desmontado a partir de 1988, acenando-se, ademais, para a ativação de acordos regionais e a participação na Rodada Uruguai do Gatt, lançada em 1986 (CASTELAN, 2010). Segundo Averbug (2000), começava a haver mudanças favoráveis à abertura comercial, conferindo-se maior transparência à estrutura de proteção, eliminando-se boa parte das redundâncias e dos regimes especiais, e unificando-se e reduzindo-se tributos e tarifas.

Abertura, controle da inflação, combate

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 96-98)