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nova classe média – anos

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 102-107)

Em 2000, a agricultura representava 11%, e a indústria, 28% do PIB brasileiro, com esta última perdendo, em comparação a 1990, 2% de sua participação para o setor de

serviços (BONELLI, 2006). A agricultura empregava de 15% a 17% da população ocupada do País (BUAINAIN; DEDECCA, 2008), perto da metade da cifra de 20 anos atrás. O PIB total havia crescido a uma taxa anual de apenas 2,5% ao ano na década; já o PIB agrícola crescera a 3,7% ao ano. O índice de Gini da desigualdade de renda havia sofrido pequena queda, para 0,596; no meio rural, era de 0,543. Ambos se achavam em queda contínua desde, pelo menos, 1993 (NERI, 2012), mas a taxa de pobreza era de cerca de 54% no campo e de 28% no País como um todo, ambos em queda, desde pelo menos 1992 (NERI, 2011). O índice de analfabetismo era de 12,8% (FERRARO, 2012).

Diante desse quadro e na falta de perspectiva de inclusão de grande parte da po- pulação no processo produtivo com remuneração socialmente aceitável, a partir de 2001, passou a ser reforçada a estratégia de transferência de renda, por meio dos programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás. O Cartão Alimentação (do Fome Zero) foi criado em 2003. O Bolsa Família (incorporando o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás e, a partir de 2004, o Cartão Alimentação do Fome Zero) foi criado também em 2003. A esses instrumentos devem ser somadas iniciativas anteriores, como o BPC e a política de aumento real do salário mínimo.

Segundo o Ipea (2011a), do aumento de 2,7% do PIB nas despesas primárias do governo federal, entre 2001 e 2010, pouco mais de 70% deveram-se às transferências às famílias, compostas de: Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (33,1%), Seguro Desemprego e Abono Salarial (26,5%), Benefício de Prestação Continuada (16,2%), Bolsa Família (12%), Benefícios do Regime Próprio de Previdência Social (11,9%) e outros benefí- cios sociais (0,2%). Isso levou os autores deste artigo a sugerir a expressão “governo trans- feridor”, mais adequada, ao invés de “governo gastador”. Os outros 30% praticamente foram destinados a transferências intergovernamentais (a estados e municípios), que devem ser aplicados predominantemente em saúde e educação.

No correr dos anos 2000, ia ficando claro que o processo de industrialização não estava ajudando a melhorar a renda (nível e distribuição) da população. A desigualdade grassava dentro do próprio setor. Os segmentos industriais de maior produtividade e remu- neração do trabalho empregavam pouco. Segundo o IBGE (2003), em 2003, as indústrias na categoria de alta tecnologia geravam 30,5% do valor de transformação industrial (VTI), mas empregavam apenas 14,8% do seu pessoal ocupado. No outro extremo, a categoria de baixa tecnologia (em grande parte vinculada ao setor primário) gerava praticamente a mesma renda (29,5% do total), empregando 46% do pessoal ocupado. Na indústria de baixa tecnologia, os salários correspondiam a apenas 40% daqueles pagos na indústria de alta tecnologia, e a produtividade do trabalho, a 31%.

De acordo com Almeida e Schneider (2012), uma nova política industrial, em parte semelhante à que vigorou antes de 1980, passou a ser implementada. Mas, tendo em conta

a meta de avançar nos segmentos industriais de maior valor agregado e modernos, focava a inovação sob o novo cenário econômico e a tendência liberalizante na economia global. Teria havido um esforço especial em prol da inovação tecnológica na primeira metade dos anos 2000. Havia, porém, uma disputa com a política industrial tradicional.

O incentivo do crédito subsidiado era dirigido a grupos selecionados, especialmente companhias já competitivas em segmentos de commodities, com foco na especialização. Era a concepção da figura dos “campeões nacionais”, que deveriam se expandir no exterior. Para Almeida e Schneider (2012), esse enfoque difere da experiência bem-sucedida da Co- reia do Sul e de Taiwan, por exemplo, em que grandes grupos diversificaram-se, envolven- do-se numa multiplicidade de negócios. Ademais, essa política de seleção de vencedores não tinha mecanismos eficientes de monitoramento das companhias que ajudassem a descontinuar os incentivos em caso de inviabilidade do empreendimento, identificando oportunamente os perdedores. Outra característica era – em vista dos sistemas político e eleitoral vigentes – dar apoio preferencial às indústrias já existentes, e não a novas ini- ciativas, considerando igualmente as organizações de trabalhadores envolvidos. O BNDES desempenhou função de realce.

Na frente externa, dados do FMI e do Banco Central do Brasil indicavam que o merca- do internacional tinha entrado num processo de rápido crescimento, especialmente desde o final da década de 1990, com a forte retomada da economia da China, cujos reflexos foram importantes para um conjunto de países emergentes, aí incluído o Brasil. O mundo como um todo crescia a taxas anuais entre 3% e 5% ao ano.

No setor agrícola, a produção seguia em franco crescimento, mas as questões de sua dívida prosseguiam na pauta das tratativas com o governo. Em 2001, nova renegociação é realizada.

Na Rodada de Doha da OMC, focada nas negociações multilaterais, iniciada em 2001, assistiu-se a esforços consideráveis durante toda a década de 2000 para que as ne- gociações não fracassassem por completo. A reforma da política agrícola encabeçava os contenciosos. Em 2007, a rodada foi suspensa, diante da falta de entendimento entre seus membros. Anderson (2009) mostra que, apesar desse fracasso, a maior parte dos países em desenvolvimento havia se engajado na redução das distorções de suas políticas setoriais e comerciais, enquanto os países desenvolvidos começavam a executar suas reformas.

Os preços de commodities em geral, depois do declínio acentuado desde a década de 1970, sofrem, a partir de 2003, uma reversão para cima, puxados predominantemente pelas importações chinesas. O Brasil tirou proveito disso, aumentando espetacularmente suas exportações, as quais cresceram a 4,6% ao ano de 1994 a 2003, e passaram a crescer a 10,2% de 2004 a 2013. No caso específico do agronegócio (agropecuária mais agroin- dústria), suas exportações cresceram 270% de 2000 a 2010 (MAPA). Ajudou muito o fato

de a produtividade da atividade agropecuária ter crescido 73% na década de 2000 a 2010 (GASQUES et al., 2011).

Em que pese o desempenho impressionante da agricultura, os problemas relativos à dívida agrícola prosseguiram ao longo da década: de acordo com Gasques e Bastos (2008), de 1998 a 2007, recaiu sobre o Tesouro Nacional o pagamento de um total de R$ 25,8 bi- lhões, referentes a essa dívida. Para Silva (2010), o risco do financiamento da agricultura vinha aumentando em tal proporção que o Banco do Brasil teve de elevar suas provisões sobre o saldo na carteira de agronegócio, de 1,8% para 8,1%, entre 2003 e 2009.

No caso da indústria de transformação, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), o crescimento das exportações foi de 179%, estando incluídos nesse valor os segmentos de alta tecnologia, com 36%, média-alta, com 185%, média-baixa, com 188% (onde se incluem minerais e metais); e baixa tecnologia, com 230% (onde se inclui a agroindústria). No caso das importações, as cifras foram, respectivamente, de 224%, 152%, 251%, 288% e 194%.

Além disso, o saldo comercial brasileiro vinha se mantendo positivo graças a outros setores econômicos, que não a indústria de transformação. A participação das commodities (produtos primários agrícolas, minerais e energéticos, mais produtos industriais baseados em setores intensivos em recursos naturais) nas exportações brasileiras cresceu de 48,5% para 64,2% entre 1995 e 2009 (CUNHA et al., 2011).

Ademais, a entrada de capital estrangeiro no Brasil, que já crescia desde a implanta- ção do Plano Real, seja para aplicação em carteira de ativos (atraídos pelos juros elevados), seja nas subsequentes privatizações, retomou uma firme ascensão em 2004, decorrente, em grande parte, da abundância circunstancial de capital no mundo.

Com isso, a partir de 2004, o Brasil experimentou uma aceleração na sua taxa de crescimento, que passa da média de 2,5% nos 10 anos anteriores, para 4,8% de 2004 a 2008. Bacha (2013) caracteriza essa etapa como sendo a “bonança externa” (decorrente das exportações e da entrada de capitais), que se estenderia até 2011. Tal foi a magnitude dessa bonança que o Brasil acumulou reservas estrangeiras suficientes para, num marco histórico, tornar-se credor externo líquido desde 2008.

Em 2009, o índice de Gini da desigualdade de renda caíra para 0,545 para o Brasil como um todo, e para 0,489 para o meio rural. A pobreza no País em geral havia caído para 15,3% e, especificamente para o meio rural, para 31,9%. Segundo Neri (2012), da redução de pobreza entre 2001 e 2011 (de 24,5% para 10,4%), pouco mais da metade deveu-se à expansão das transferências na área social. O índice de Gini da desigualdade na posse da terra, em 2006, estava um pouco maior do que estava 11 anos atrás: 0,872 (SOUSA; SILVA, 2012). Em 2009, dados da Pnad (IBGE, 2010) mostram que a agricultura ocupava 16,8% da

força de trabalho nacional, o setor secundário (indústria mais construção), 22,7%, e o setor de serviços, 62,6%. Desde 1995, o salário mínimo real havia mais do que dobrado.

Diante dessas melhoras nos índices de desigualdade e pobreza, segundo Horie (2012, p. 1), observou-se no País, desde 2004, uma mudança caracterizada pela “mobilidade social ascendente de milhões de pessoas para o que se condicionou qualificar genericamente de ‘classe média”’. Comparando o ano de 1981 com o de 2009 (tendo-se em conta que o número de ocupados praticamente dobrou nesse período, de 45,3 milhões para 89,4 milhões), Horie (2012) constata, estudando microdados da Pnad/IBGE, que, entre a população ocupada brasileira, houve a seguinte mudança de composição: miseráveis (de 38,5% para 23,9%), massa trabalhadora (de 27,4% para 32,7%), baixa classe média (de 21,1% para 30,6%), média classe média (de 9,2% para 8,5%) e alta classe média (de 3,8% para 4,4%)15. Houve, portanto,

redução na proporção dos trabalhadores ocupados classificados como miseráveis, os quais migraram para a “massa trabalhadora”, e desta, para a baixa classe média. Esses dados podem ser associados à distribuição setorial do emprego, que, no setor primário, caiu de 29% para 16%, na indústria de transformação pouco variou (passando de 15% para 14%), o mesmo se dando com a construção civil (de 8,1% para 7,5%), significando que uma parcela equivalente à que pertencia ao setor primário foi ter ao setor de serviços. Deve-se ter em mente, ademais, que, na indústria de transformação, a ocupação que cresceu foi a da faixa correspondente ao segmento de baixa e média-baixa tecnologia (de 65,7% para 79,9%), com correspondente encolhimento na importância da ocupação nos segmentos de média-alta e alta tecnologia, onde se ocupam predominantemente as classes de mais alta renda. Sabe-se ainda que 45% dos miseráveis encontravam-se entre os trabalhadores agrícolas em 2009, enquanto 48%, no setor de serviços que não demandam qualificação.

Nota-se, portanto, uma flagrante diferença qualitativa entre a “nova classe média” gerada pelo processo de industrialização ocorrido entre 1950 a 1980 e a “nova classe média” que emergiu desde então, particularmente desde o ano 2004. Na primeira leva de classe média, o que se expandira foram as ocupações “típicas de classe média”, ou seja, aquelas que envolviam a formação média ou superior, como identificou Quadros (1991). Na segunda leva, foram os estratos da “massa trabalhadora” e da “classe média baixa” que se expandiram. Há um salto socioeconômico marcante da “típica classe média” em relação não somente à “massa trabalhadora” como também em relação à “baixa classe média”. 15 Segundo Horie (2012), cada estrato social inclui as seguintes ocupações: Miseráveis (trabalhadores domésticos,

não remunerados, agrícolas sem propriedade, ajudantes, autônomos); Massa Trabalhadora (contínuos, ajudantes de obras, vendedores em domicílio, garçons, cozinheiros, trabalhadores em manutenção e asseio); Baixa Classe Média (vendedores, secretárias, escriturários, técnicos não em supervisão, operadores de máquinas, motoristas, funcionários públicos sem nível superior, prestadores de serviços pessoais); Média Classe Média (gerentes de produção, supervisores administrativos, técnicos de nível médio em supervisão, funcionários públicos de nível superior, prestadores de serviços de nível superior, professores de ensino médio); Classe Média Alta (professor de ensino superior, médicos, dentistas, profissionais de nível superior na área de tecnologia e consultoria, dirigentes de empresas).

Para efetuar esse salto, fazem-se necessários, de um lado, escolaridade e capacitação, e, de outro, que os setores tecnologicamente mais avançados expandam-se e absorvam esses contingentes mais qualificados.

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 102-107)