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O Brasil passa a investir na agricultura e completa a industrialização

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 91-94)

Por volta de 1970, as discussões sobre como resolver a questão do abastecimento atacando-a pela raiz (aumentando a produção a preços acessíveis à maioria da população) ganham espaço nos meios políticos e acadêmicos. O PIB agrícola havia caído a 14% do total, e o da indústria havia subido a 33%. Chamava a atenção o fato que a distribuição de renda no Brasil havia se agravado sensivelmente, com o índice de Gini passando de 0,5365 em 1960, para 0,5828 em 1970 (NERI, 2012). A pobreza atingia 68,3% da população (ROCHA, 2013). O analfabetismo, 33,7% da população com mais de 15 anos (IBGE, 1972). Na ocasião, a população urbana já representava 56% do total.

Tal como se viu institucionalizada, a reforma agrária possível mostrou-se insuficiente, demorada e de eficácia questionável. Para Martins (2000, p. 124, grifo do autor), “a reforma agrária se tornou uma resposta às consequências da questão agrária e não às suas causas de longo curso histórico”. Efetivamente, a política agrícola concebida e levada a cabo ao longo dos anos 1960 visava à modernização, como veículo para, aumentando a produtividade e reduzindo os custos, beneficiar a sociedade como um todo e os mais pobres em especial.

Alves e Pastore (1980) assim caracterizaram a política agrícola então formulada: a) voltada para a produção; b) contando com o aumento de área e principalmente da produtividade para garantir a sustentabilidade; c) preços mínimos6, crédito, pesquisa e ex-

tensão viabilizariam a modernização; e d) a reforma agrária teria caráter limitado a regiões onde a estrutura agrária fosse impeditiva da modernização.

5 Em 1962, havia sido criada a Superintendência de Política Agrária (Supra); em 1964, criaram-se o Instituto

de Reforma Agrária (Ibra) e o Instituto de Nacional de Desenvolvimento Rural (Inda). A criação do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), absorvendo as atribuições do Ibra e do Inda, se deu em 1970. A missão do Incra era a de realizar a reforma agrária, manter cadastro de imóveis rurais e administrar terras públicas da União. (INCRA, 2011).

6 A Comissão de Financiamento da Produção (CFP), criada em 1943, passou a ter uma atuação mais ativa em

Os estímulos para o setor eram também interpretados como uma compensação necessária à política macroeconômica que, por meio de câmbio sobrevalorizado e de outros instrumentos de controle, favorecia a industrialização, em prejuízo da atividade agropecuária.

O foco na meta da produtividade como instrumento de aumento de produção en- volvia mudanças importantes na forma de abordar a política voltada para a agricultura. A produtividade demanda conhecimento, e este, por sua vez, educação e pesquisa. Ha- veria um estoque de conhecimento a ser transferido aos produtores rurais? Alves (1979) argumenta que conhecimento havia em algumas regiões do País e para certas atividades agropecuárias. Explica também ser falacioso o argumento da viabilidade da transferência de conhecimento entre regiões do País e de outros países para o Brasil. Os resultados do novo enfoque viriam, portanto, a um prazo mais longo.

Em curto prazo, porém, predominava a pressão por recursos em uma agricultura pouco produtiva. De acordo com Oliveira (1984a), a transferência da agricultura havia se reduzido a 32% em 1974. Essa redução deixava a desejar, por ser o crédito largamente con- centrado em produtores de maior porte. Brandão e Carvalho (1991) também analisaram os impactos das políticas de preços, crédito e dispêndio do governo sobre a agricultura, no período de 1966 a 1983. Notaram que a política de preços mínimos torna-se mais eficaz a partir de 1967, se bem que sua condução apresente sérias deficiências no uso oportuno dos instrumentos e no gerenciamento de estoques (BARROS, 2000). Ao mesmo tempo, tumultuando os mercados, em benefício do consumidor, recorria-se a tabelamentos e subsídios, que provocavam escassez, e, de tempos em tempos, induziam o surgimento do mercado negro. Brandão (1989) calculou uma transferência de renda agrícola para o restan- te da economia de 8% a 9%, de 1975 a 1983; considerando-se o crédito rural, a agricultura passa ser receptora de uma transferência equivalente a de 5% a 6% de sua renda. Sabe-se, porém, que privilegiava os produtores ricos.

A questão imediata dos alimentos complicava-se por mais duas razões. Em primeiro lugar, nos primeiros anos da década de 1970, um choque duplo de oferta impactou a econo- mia mundial: a crise do petróleo e o boom de commodities (FRANKEL, 1986; SCHUH, 1974). O quadro passava a ser favorável aos produtos de exportação agrícola, em detrimento dos produtos destinados ao mercado interno. Em segundo lugar, surgia o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que envolveu a agricultura também na questão energética, mediante crédito subsidiado às partes agrícola e industrial, com garantia de preço e de mercado. Para a agricultura reservavam-se, portanto, múltiplos papéis: abastecimento interno, geração de divisas, controle da inflação e também participação na solução da questão da energia. Tratava-se de uma excessiva demanda sobre a agricultura: Melo (1985) constatou que, de 1956 a 1979, a disponibilidade de alimentos calóricos e proteicos por habitante crescera a taxas insuficientes (0,75% e 0,64% ao ano), e, nos 12 anos que antecederam o ano de 1979,

essa disponibilidade havia caído. Analisando a evolução dos custos da alimentação, aquele autor verificou que as famílias mais pobres foram as mais severamente atingidas.

Olhando para um cenário de mais longo prazo, o serviço de assistência técnica e extensão – que, durante muito tempo, não havia sido bem inserido – foi atribuído à Em- presa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), já em 1974. A Lei nº 6.126, que a criava, também promovia sua integração à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 1973. A Embrapa, juntamente com os programas de desenvolvimento regionais, dedicou-se ao processo de utilização do solo do Cerrado. Com a inauguração da nova capital e com a construção de rodovias na região, enceta-se uma série de programas para a colonização e a ocupação do Centro-Oeste, envolvendo tanto o setor público – que entrou com infraestrutura e incentivos fiscais, de crédito e de preços – quanto o setor privado, nacional e internacional, os quais montariam os empreendimentos agropecuários (DINIZ, 2006; SILVA, 2000).

Os princípios da Revolução Verde, intensiva no uso de mecanização e de produtos químicos por variedades para esse fim desenvolvidas, entraram firme na agricultura bra- sileira. A soja, vinda do Sul do País, logo se destacaria, ao assumir o papel de liderança no complexo agroindustrial brasileiro.

Valendo-se da disponibilidade dos chamados petrodólares, o Estado recorreu à poupança externa obtida nos bancos comerciais a taxa de juros flutuantes. De acordo com Veloso e Ferreira (2013), um período prolongado de elevada poupança externa estendeu- se da década de 1970 até os primeiros anos da década de 1980. Em 1974, ela chegou a 7% do PIB. Desenvolvia-se, então, o II PND, uma nova onda de investimentos estatais e privados (em insumos básicos, infraestrutura e bens de capital), que visava a completar e a diversificar a estrutura industrial brasileira (SUZIGAN, 1988). “Dessa forma, em fins da década de setenta e princípios dos anos oitenta, a estrutura da indústria brasileira já estava praticamente completa” (VERSIANI; SUZIGAN, 1990, p. 20).

Num balanço feito por Bacha e Bonelli (2004), o crescimento da economia brasileira de 1950 a 1980 lastreara-se numa crescente poupança, que avançara de menos de 14% a quase 24% nesse período, contando com substancial poupança externa, em especial na dé- cada de 1970. Como fator negativo do processo de industrialização, os autores registraram que, ao longo desses 30 anos, o preço real dos bens de capital no Brasil havia crescido perto de 66%, o que se deveu em grande parte à redução das importações – e à consequente produção interna – desses bens, como parte da política de substituição de importações.

Segundo Bacha e Bonelli (2004), quase toda a taxa de crescimento econômico deveu- se, nos limites da poupança e do preço dos bens de capital, ao crescimento da relação capital por trabalhador (capital deepening), devendo-se entender que a produtividade do trabalhador teria aumentado, em grande parte, pelo processo conhecido como learning by

doing (aprender fazendo). Esse fator substituiu em elevada medida a capacitação formal da

força de trabalho, que, como é sabido, não foi significativa no período.

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 91-94)