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As teses propostas e o conjunto de capítulos correspondentes

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 50-60)

Como antes salientado, o conjunto das sete teses propostas pode ser separado em duas principais, que são a causa das outras cinco adicionais, pois estas são, em larga pro- porção, decorrentes daquelas, refletindo prismas distintos. Essas cinco teses não seriam proposições coadjuvantes ou de menor importância (pelo contrário, como se depreenderá

da leitura de seus capítulos), mas se materializam nitidamente a partir da gênese e do pleno desenvolvimento das duas primeiras, existindo aqui uma relação de causalidade. Sobre a primeira tese principal, seis capítulos (Parte 2) aprofundaram ângulos diferentes relaciona- dos ao tema geral desse segundo bloco, agrupado sob a orientação geral da primeira tese do artigo original. O primeiro dos textos, também de Antônio Márcio Buainain, mas desta vez como autor isolado, discute o foco principal do conjunto das teses, sugerindo que:

[...] o novo padrão introduz o capital “em todas as suas modalidades” no centro do de- senvolvimento agrícola e agrário. Rebaixa o papel da terra, pois a produção e as rendas agropecuárias passam a depender, crescentemente, dos investimentos em infraestrutura, máquinas, tecnologia e na qualidade da própria terra, além de investimentos em recur- sos ambientais e no treinamento do capital humano. Cada vez mais é preciso capital de giro para introduzir no sistema produtivo os insumos que viabilizam as inovações para manter-se rentável em ambientes de crescente tensionamento concorrencial. (BUAINAIN et al., 2013, p. 110), (p. 213 e 1167, neste livro)

Embora sendo forçado a condensar os argumentos em espaço relativamente redu- zido (como todos os demais capítulos da coletânea), o autor divide o capítulo em cinco partes, procurando responder à necessidade analítica de abrir o novo padrão, apontando suas características principais. Primeiramente, discute a lenta constituição de uma nova institucionalidade, que precisa nascer para dar concretude a esse novo padrão de acumu- lação, sugerindo quatro condicionantes principais: 1) a inserção, agora definitiva, de um contexto schumpeteriano que introduz a concorrência no funcionamento dos mercados de produtos agropecuários; 2) a situação curiosa de um novo regramento definido por um sem-número de convenções e tratados que vêm sendo impostos, em contraposição a um contexto liberalizante nascido na década de 1990; 3) crescentes exigências mandatórias sobre a sanidade e a segurança dos alimentos; e 4) preceitos imperativos no campo am- biental, que forçam o reposicionamento das atividades produtivas e do setor em geral. Na segunda metade do capítulo, Buainain discute quatro outros focos essenciais relacionados a esse novo período. O primeiro deles é a nítida diminuição em curso no tocante à oferta de trabalho nas regiões rurais, um processo irreversível em face da precariedade das con- dições de vida naquelas regiões. A crescente escassez de força de trabalho vem induzindo fortemente a intensificação tecnológica nos sistemas de produção. Também discute a “fi- nanceirização” em seu funcionamento concreto – um processo que, o autor acentua, “não passa de uma radicalização do processo de mercantilização da produção” (p. 227, neste li- vro). O terceiro fator diz respeito à necessidade de ocorrência de uma verdadeira revolução da gestão, em face da complexidade que apenas se aprofunda ante tais desenvolvimentos. Finalmente, em sua parte final, são discutidas as principais facetas que emergem da inten- sificação produtiva e tecnológica de um setor econômico que historicamente se organizou extensivamente. Para Buainain, esse conjunto de forças e condicionantes empurram parte

dos produtores para o novo padrão e aprofundam a heterogeneidade, pois um número significativo não logra – nem logrará – acompanhar o processo.

Em feliz complementaridade, ainda que sob um arcabouço analítico distinto, o Capítulo 2 da Parte 2 da coletânea, de autoria de Moisés Villamil Balestro e Luiz Carlos de Brito Lourenço, aprofunda o significado de “financeirização”, que é um dos termos- chave da nova fase, usando, para tanto, diversos conceitos e sugestões teóricas da So- ciologia Econômica. Também se valem da Sociologia Histórica, pois apontam que esse seria fenômeno cujas raízes são mais antigas e, talvez, essa seja “a principal mudança estrutural nas economias capitalistas avançadas desde os anos dourados do keynesia- nismo do pós-guerra” (p. 245, neste livro), além de igualmente ressaltarem os impac- tos dessas mudanças, pois “as reformas liberalizantes dos anos 1990 nas agriculturas brasileira e mundial resultaram em menor espaço para a ação do Estado e ensejaram um novo padrão de organização produtiva e de acumulação” (p. 245, neste livro). Em grandes linhas, em face das limitações de espaço, os autores discutem inicialmente o fenômeno em seus termos mais conceituais, ainda que ancorados em fatos históricos do período contemporâneo, e será importante compreender, assim acentuam, que “a origem desse grande poder das finanças passa pelo progressivo deslocamento de um sistema de financiamento baseado em bancos [como existiu no passado] para um sistema baseado em mercado de capitais” (p. 246, neste livro) – na prática significando a maximização de valor aos acionistas, agrupados, aliás, em novos investidores institu- cionais. Na segunda parte do capítulo, são apresentados os delineamentos gerais da financeirização no agronegócio, que acarretou diversas consequências, entre as quais “um distanciamento entre a esfera da produção [...] e o controle dessa mesma produ- ção”, e, também, “a relativa abstração da produção física em relação aos derivativos de commodities agrícolas” (p. 252, neste livro). Sob esse novo regime, condensam-se três elementos principais: a crescente importância do mercado de capitais para as grandes empresas agroindustriais, o aumento considerável do financiamento externo da pro- dução agrícola e, finalmente, a entrada (e o aumento) dos investidores institucionais em diversos mecanismos financeiros criados nos últimos anos. Cada um desses aspec- tos tem implicações relevantes para o funcionamento e as perspectivas da agricultura brasileira. Como estão ainda distantes de ser plenamente compreendidas, requerem novas pesquisas no futuro imediato.

E quais seriam os espaços organizacionais que em seu âmbito materializam as profundas transformações (em todas as esferas sociais, ainda que determinadas, cada vez mais, pelo capital financeiro) citadas por aqueles autores? Os dois capítulos seguintes respondem a essa pergunta com relevante e útil profundidade analítica. Decio Zylber- sztajn (Capítulo 3 da Parte 2), recolhendo sua vasta experiência acumulada em estudos e pesquisas sobre os sistemas agroindustriais, esmiúça os aspectos constituintes essenciais

dos sistemas para entender suas formas de coordenação e governança. De certa forma, o capítulo, extremamente didático, questiona o próprio modo como a agricultura tem sido examinada pela Economia e pela Sociologia, analisada ainda isoladamente dos demais setores e agentes com os quais se articula, ou a eles vinculados fundamental- mente pelo mercado, e introduz diversos focos analíticos relevantes para o conjunto da discussão empreendida pelos autores do livro. Nesse contexto, discute a importância da abordagem centrada nos sistemas agroindustriais, ressaltando “a sua utilidade para o estudo do desenvolvimento da agricultura e das suas relações com outros setores e com a sociedade” (p. 269, neste livro), assim como decifra diversos aspectos relacionados ao tema da governança, definida como a “capacidade de coordenação e comando de siste- mas complexos de produção” (p. 270, neste livro). Sobre este último conceito, aspectos concretos emergentes e de urgente definição prática poderão ser equacionados adequa- damente, pois os estudos de governança “permitem abordar temas relativos à estratégia das organizações, à integração vertical e horizontal, ao estudo dos contratos e – de forma mais ampla – à alocação dos direitos de propriedade” (p. 270, neste livro). O capítulo de Zylbersztajn soma-se, portanto, a recentes esforços de ampliar o escopo da Economia para além das teorias neoclássicas – a firma, por exemplo, deixa de ser uma função de produção para ser analisada como um “arranjo institucional” ou um “nexo de contratos”. É por essa razão que tais esforços teóricos também permitem uma aproximação entre os estudos econômicos e as demais disciplinas das Ciências Sociais. O capítulo utiliza alguns exemplos ilustrativos de sistemas agroindustriais do caso brasileiro para discutir o que foi apresentado sob um foco mais conceitual.

Maria Sylvia Macchione Saes e Rodrigo Lanna Franco da Silveira (Capítulo 4 da Parte 2), por sua vez, assinam o Capítulo 4 da publicação, no qual também discutem o tema das cadeias agrícolas e suas novas formas de organização, enfatizando, porém, as últimas tendências de seu desenvolvimento. Embora o capítulo sugira, brevemente, um arcabouço teórico que fundamenta a análise, o texto dedica-se especialmente a explicar as mudanças no ambiente institucional ocorridas na década de 1990, as quais foram essenciais para concretizar o novo padrão agrário e agrícola apontado no livro. Foram mudanças que permitiram o desenvolvimento de formas mais competitivas, pois “caben- do ao setor privado assumir progressivamente funções que eram realizadas pelo Estado” (p. 300, neste livro). Instala-se, assim, um novo “padrão de concorrência”, pois foram im- plantados mecanismos novos de financiamento da produção agrícola, “com um papel relevante da indústria de insumos e dos compradores de commodities” (p. 298, neste livro). Diante dessa crescente complexidade (enfatizada por diversos autores), passou a ser urgente entender o funcionamento e as estratégias empresariais, e a organização das cadeias produtivas agrícolas. Como diversos autores dos textos ressaltaram, um dos

maiores desafios, especialmente para os produtores, será perceber que a nova comple- xidade é um meio de criação de valor. Assim, a identificação dos pontos de valorização e dos seus apropriadores principais tornou-se uma das perguntas mais importantes para todos os agentes envolvidos nas cadeias (ou sistemas) agroindustriais, salientando-se, igualmente, como um dos argumentos mais relevantes dos autores, que “o segmento agrícola é tradicionalmente um receptor de estratégias concebidas nos segmentos a montante (incorporação de tecnologia por meio de insumos agrícolas) e a jusante (pro- dução de produtos diferenciados), o que o caracterizaria como um tomador de gover- nança”, p. 306, neste livro). Seria possível alterar substantivamente esse papel subalterno do setor agrícola na estruturação das cadeias produtivas? – é uma pergunta que poderá animar pesquisas posteriores.

O capítulo seguinte é de Hildo Meirelles de Souza Filho (Capítulo 5 da Parte 2), pes- quisador com experiência consolidada, especialmente no estudo de alguns atores sociais e agentes econômicos que comumente participam de cadeias agroindustriais. No texto, o autor oferece uma análise sobre o funcionamento dos mercados de produtos agropecuá- rios naquelas cadeias, destacando um aspecto central das transformações recentes, o qual acarreta várias consequências econômicas e sociais. Em suas palavras,

[...] mercados, em sua maioria, não se comportam como um modelo de concorrência perfeita, as políticas agrícolas devam considerar esse fato. Não há como omitir a enorme assimetria de poder de mercado entre produtores rurais, ou suas organizações, e a maioria dos compradores, bem como entre processadores e varejistas. O crescente controle dos mercados por poucas grandes empresas processadoras, intermediários e varejistas tem o potencial de aumentar a competitividade e gerar ganhos para o conjunto dos agentes das cadeias, inclusive para produtores rurais e consumidores. Entretanto, a centralização das decisões e o aumento das assimetrias no interior de cadeias geram problemas distributivos, com implicações para as atuais políticas públicas e para o próprio desenvolvimento econô- mico [...] (p. 335, neste livro).

Um dos grandes temas estudados pelo autor é a estrutura de governança das cadeias agroindustriais, assunto igualmente analisado (por enfoques distintos) nos dois capítulos anteriores, principalmente as estruturas de mercado. São discutidas mudanças recentes que têm concentrado o poder de alguns agentes participantes das cadeias, o que muda a estrutura de poder decisório em seu interior e, assim, “poucas e grandes empresas pos- suem maior capacidade de impor condições em suas transações” (p. 319, neste livro). Um dos aspectos mais delicados (social e produtivamente) entre os discutidos por Souza Filho é um fato da vida real, que encurrala as chances, em especial a dos pequenos produtores, que não conseguirão se organizar ou desenvolver estratégias adequadas, pois

[...] não se pode esperar que os ganhos de eficiência que conferem competitividade às cadeias agroindustriais sejam distribuídos entre os agentes (produtores rurais, processa-

dores, varejistas e consumidores) na mesma proporção de sua participação na geração do excedente. (p. 320, neste livro)

O capítulo representa contribuição inovadora quando o autor analisa o efeito dessas mudanças nas políticas agrícolas. Geralmente, essas políticas foram concebidas assumindo a existência de mercados em concorrência perfeita e operações no chamado mercado spot. Como a maioria dos mercados agropecuários não desenvolveu essa faceta econômica, é preciso explorar analiticamente as suas consequências. O texto propõe a análise em termos principalmente teóricos, mas reflete a experiência empírica do autor em distintas situações de pesquisas já realizadas.

Esse conjunto inicial de capítulos relacionados à primeira tese é concluído com outro, igualmente importante em face do novo padrão. De autoria de Andréa Leda Ramos de Oli- veira (Capítulo 6 da Parte 2), oferece um cuidadoso exame de um tema que todos intuem como sendo de imensa relevância atual para garantir a continuidade da expansão agro- pecuária, mas apenas os especialistas (Ramos de Oliveira entre eles, destacadamente) têm conseguido oferecer um quadro completo. Está se referindo aqui ao que jornalisticamente tem sido intitulado de “apagão logístico” – o conjunto de imperfeições na infraestrutura re- lacionadas à agropecuária e a seu comércio, tanto o doméstico quanto, e particularmente, aquele relacionado às exportações. Aquela expressão normalmente tem sido utilizada para discutir os aspectos relacionados ao transporte, à estrutura de portos e às condições da ar- mazenagem de grãos no Brasil. Com a dimensão assumida pela agropecuária do País, o que antes era entendido principalmente como um debate sobre “movimentação de mercado- rias”, ganhou, nos nossos dias, alta complexidade, tendo se tornado tema estratégico para o futuro da agricultura empresarial, principalmente no tocante às exportações brasileiras. A autora sugere que, se forem mantidas as dificuldades atuais, o desenvolvimento do setor poderá consagrar, também sob esse tema, uma “via argentina” de transformações futuras (conforme a última tese, mencionada no final desta Introdução), pois

[...] apenas segmentos agrícolas organizados, com produção em escala e capazes de acessar grandes mercados, conseguem sustentar a demasiada participação dos custos logísticos no custo final dos produtos e, ainda, vencer momentos de forte oscilação de preços. (p. 340, neste livro).

O capítulo também discute com detalhes as insuficiências atuais dos marcos re- gulatórios correspondentes às necessidades logísticas. Posteriormente, o texto analisa minuciosamente as principais facetas dos vários tipos de transporte e, ao final, o tema do armazenamento, indicando, sobre este último, que a capacidade de ampliação estática da armazenagem tem permanecido atrasada em relação ao dinamismo produtivo, o que amplia as deficiências do setor.

O bloco de capítulos seguinte (Parte 3) relaciona-se, direta ou indiretamente, com a segunda tese do artigo original – aquela que sugere que o principal condutor do processo econômico que atualmente dinamiza a agropecuária brasileira é, genericamente falando, a inovação ou, mais especificamente, a intensificação tecnológica da atividade econômica agropecuária.5 Sugere-se que, também sob esse ângulo, existem mudanças profundas e

significativas em curso e, assim, os seis capítulos que formam esse grupo discutem aquela proposição geral. O primeiro deles, de José Maria da Silveira, delineia os aspectos mais gerais (e essenciais) do tema principal proposto pela tese inicialmente introduzida. Embora sucinto, o texto pretende explicar uma transformação bem mais ampla e complexa, que iro- nicamente o autor indica que poderia ter outro título: “Da estagnação à doença holandesa”.6

Seu objetivo, portanto, é elencar os fatores principais que permitem entender a profunda mudança ocorrida entre dois momentos de nossa história contemporânea – de um perí- odo inicial, no qual prevalecia uma situação de relativo desabastecimento (até mesmo de produtos alimentares básicos), para outro momento, mais recente, no qual o Brasil passou a assumir o papel de desenvolto protagonista entre os ofertantes de alimentos no mundo. O autor comenta, esquematicamente, os fatores e os processos principais que permitiram ao País sair da “armadilha de baixa produtividade” para a de um sistema agroindustrial de cres- cente complexidade e, em muitas de suas partes, competitivo em termos internacionais. O texto inova conceitualmente e comenta diversos aspectos que não são exclusivamente relacionados à “economia da inovação”, mas outros de natureza política, social ou institu- cional. O modelo de análise decifra uma passagem que parecia ser intransponível em nosso passado recente: o dilema entre o incentivo às exportações (aproveitando as vantagens comparativas) e seu hipotético oposto, o estímulo ao desenvolvimento das agroindústrias 5 É preciso solicitar a tolerante compreensão daqueles que honrarem os autores desta Introdução com a sua

leitura. Por que insistir, com frequência, nesta parte e em outros capítulos, sobre uma obviedade que é tratar a agropecuária como uma atividade econômica? A razão é prosaica, mas precisa ser explicitada: vivemos em tempos inacreditáveis, no qual autoridades, lideranças sindicais e, ainda mais surpreendentemente, cientistas sociais e pesquisadores de outras áreas disciplinares parecem ser abúlicos, pois abrem mão de qualquer capacidade crítica sobre a realidade. A reiteração que fazem sobre a existência de “formatos tecnológicos alternativos” (sob a expressão da agroecologia), de “povos tradicionais” (além das comunidades e dos povos indígenas), de uma essencialidade social que seria a marca da “agricultura familiar” (que inexiste, além da forma de administração) e, sobre tudo isso, o que causa enorme perplexidade, o uso crescente do termo “campesinato” (desenterrado do passado remoto) são narrativas que desmoralizam os brasileiros que estudam e interagem com a vida social rural. Como são expressões que pretendem resgatar a existência de uma vida idílica que jamais existiu, sugerindo a existência de um paraíso rural, ocupado por indivíduos virtuosos, portadores de alguma pureza social, essa nota de rodapé torna-se necessária. Para os organizadores desta coleção, a agropecuária é especialmente uma atividade econômica, operada por famílias (principalmente) rurais, atividade imersa em uma economia mais abrangente, hoje internacionalizada. Esquecer esse fato nos coloca no mundo das nuvens e dos contos de carochinha.

6 A expressão “doença holandesa” foi popularizada pela revista de economia inglesa The economist, no final da

década de 1970, para identificar os desajustes macroeconômicos da economia da Holanda em decorrência da riqueza gerada pela descoberta de gás natural naquele país, no final dos anos 1950. Seria uma “doença” porque decorre de preços elevados de alguma commodity de exportação, que acarreta apreciação da moeda local, elevação dos gastos governamentais, das transferências de insumos entre setores e, ao fim e a cabo, dos déficits contínuos em conta corrente.

nacionais. A explicação demonstra que a gestação desse complexo sistema – base do cha- mado “novo padrão” – não foi uma simples opção do capital e, ante os desafios crescentes, está propondo incisivamente uma pergunta central sobre o futuro: implantado sob uma combinação virtuosa, o moderno sistema agroindustrial de produção de alimentos no Brasil estaria gerando situações que garantem a sua permanência a longo prazo?

O próximo capítulo, que tem a autoria de José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho (Capítulo 2 da Parte 3), mostra os esforços recentes de pesquisa do autor sobre padrões tecnológicos e suas evidenciações empíricas na agricultura brasileira. É texto que agrega novas facetas em relação ao tema geral, pois que usa intensamente dados censitários, mencionando até mesmo diversas diferenças regionais, que são essenciais para os for- muladores de políticas públicas. Como ilustração, o autor analisa em profundidade as características principais da marcante heterogeneidade estrutural da agropecuária brasi- leira, sugerindo que a complexidade instituída ao longo dos anos exige que seja ampliada “a capacidade de absorção de conhecimento externo dos agentes, aumentando, assim, a inclusão produtiva” (p. 419, neste livro), observação que é analisada por outros autores, nos respectivos capítulos. Essa capacidade de absorção de conhecimentos é correlacionada com níveis de escolaridade, o que ameaça um grande número de produtores, pois, “no Brasil, 29,8% das pessoas que dirigem os estabelecimentos são analfabetas. No Nordeste, esse percentual de analfabetos é de 46,4%” (p. 415, neste livro). Depois de analisar o atual histórico do desenvolvimento agrário brasileiro, Vieira Filho concentra-se no tema da hete- rogeneidade produtiva e dos processos de aprendizado, para explicar a nova organização do setor e a dinâmica diferenciada entre produtores e regiões. O capítulo sintetiza as prin- cipais transformações ocorridas no período contemporâneo (dos anos 1960 em diante) e comenta que um resultado (positivo), pouco percebido pela sociedade brasileira, vai além do meramente produtivo ou das elevadas taxas de produtividade total, pois o maior bene- fício dessa transformação tem sido “redistribuir renda, diminuindo o impacto dos preços dos alimentos na cesta de consumo das famílias” (p. 407, neste livro).

Segue-se o Capítulo 3 da Parte 3, de Sergio Salles-Filho e Adriana Bin, que analisa criticamente o “coração” da segunda tese, pois sugere que grande parte de nosso atraso analítico sobre o tema deve-se ao

[...] isolacionismo da produção intelectual da economia agrícola, sociologia rural e geografia agrária (para ficar nas mais evidentes), que não tomou conhecimento do mais

No documento O-MUNDO-RURAL-2014 (páginas 50-60)