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3. MARCO METODOLÓGICO: ABORDAGEM, PROCEDIMENTOS,

3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS ÉTICOS

A perspectiva epistemológica do presente estudo está relacionada à “teoria da prática” desenvolvida por Bourdieu (1983; BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999), associada a um posicionamento epistemológico de cunho crítico-interpretativo, com base na perspectiva relacional por ele desenvolvida (MAINARDES, 2018). O enfoque epistemetodológico será direcionado a partir de uma metodologia que buscou evidenciar, em um momento inicial, elementos relativos à doxa, principalmente das significações relativas ao processo escolar e, em um momento posterior, observar modificações nesse conjunto de crenças, predominantemente a partir da disciplina de Didática como também de seu contato com o cotidiano escolar, com a realização dos estágios supervisionados obrigatórios de cada curso de licenciatura.

Precursor de uma teoria dos campos que versa a compreensão do espaço social enquanto espaço de lutas, dominação e de articulação de diferentes capitais, Bourdieu desenvolveu seus estudos e pesquisas em um pressuposto que apresenta as movimentações desse espaço social e sua reconfiguração a partir dos agentes, seus mecanismos e condições nesse meio. Para Campos (2016) fundamentado em Bonnewitz (2003), apesar de Pierre Bourdieu não se considerar inserido em uma única corrente epistemológica, ele utiliza das discussões teóricas de diversos autores como Althusser, Marx, Bachelard, Lévi-Strauss e Husserl, por exemplo. Em geral esse sociólogo é filiado ao estruturalismo genético ou

construtivista20 (THIRY-CHERQUES, 2006) ou ainda construtivismo estrutural (GRENFELL, 2018). Dito de outro modo, “O estruturalismo de Bourdieu se volta para uma função crítica, a do desvelamento da função social” (THIRY-CHERQUES, 2006, p.28). Essa classificação foi “consentida pelo próprio sociólogo meio a contragosto” (CAMPOS, 2016, p. 404), uma vez que ele mesmo afirmava não se “encaixar” nessas classificações, pois

[...] a resposta à pergunta de saber se um autor é marxista, durkheimiano ou weberiano não acrescenta praticamente nenhuma informação sobre esse autor. [...] A lógica do rótulo classificatório é exatamente a mesma do racismo, que estigmatiza, aprisionando numa essência negativa. [...] De minha parte, mantenho com os autores uma relação muito pragmática: recorro a eles como ‘companheiros’, no sentido da tradição artesanal, como alguém a quem se pode pedir uma mão nas situações difíceis. (BOURDIEU, 2004, p.41)

Assim, uma vez que Bourdieu foi ao longo de sua trajetória se afastando dos ideais estruturalistas, a partir de um “movimento na direção da compreensão dos agentes como sendo eles próprios geradores de teoria, e não objetos de interpretação de filósofos sociais acadêmicos” (ROBBINS, 2018, p. 59), optamos por denominar seus estudos como uma “teoria da prática21”, ou seja, uma teoria prática das atividades sociais e que engloba os conhecimentos fenomenológico (diz respeito às experiências de mundo e relação de familiaridade com o meio), objetivista (relações que estruturam práticas e seus modos de compreendê-las a partir da ruptura com aquilo que aparentemente é natural ou evidente) e praxiológico (relações dialéticas entre o conhecimento objetivista e as estruturas formadas e as disposições incorporadas). Esses, constituem três modos de conhecimento teórico, uma vez que são necessários, tanto a partir da compreensão prática do mundo social (fenomenológico), o questionamento dessa (objetivista) e das condições teóricas e sociais (praxiológico) em que essa ocorre (BOURDIEU, 2003).

Esse modo de interpretar a realidade constitui uma perspectiva de que o real é compreendido a partir de uma perspectiva relacional. Nessa, de acordo com Silva (2014, p. 76), “não existe na totalidade uma realidade objetivamente fechada em si, e sim uma construção da realidade que se faz de maneira relativa a partir da posição ocupada no espaço social e simbólico, ambos dialeticamente interligados”. Assim, a realidade é construída, percebida e entendida a partir da posição, da doxa e do habitus dos agentes, além dos seus capitais (cultural, social, simbólico e econômico) e estratégias no campo.

20 Conforme Thiry-Cherques (2006, p.28), “Consta do cerne do que ele denominou de ‘estruturalismo genético’ ou construtivista, a convicção de que as ideias, não só epistemológicas, mas até mesmo as mais abstratas, como as da filosofia, as da ciência e as da criação artística são tributárias da sua condição de produção”.

21 E não uma teoria da práxis, conceito característico da teoria marxista, nunca foi empregado por Bourdieu, que utilizava simplesmente “prática”: ‘Eu gostaria· de observar que nunca empreguei o conceito de práxis, que, pelo menos em francês, tem um ligeiro ar de grandiloqüência teórica - o que é muito paradoxal – e aparenta marxismo convencional, jovem Marx, Frankfurt, marxismo iugoslavo... Sempre falei, simplesmente, de prática’. (BOURDIEU, 2004, p. 35).

Partindo das questões relacionadas à vigilância epistemológica discutidas por Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999), o projeto de pesquisa da tese foi submetido no mês de março de 2018 à Plataforma Brasil, o qual teve seu parecer favorável para a realização do estudo, sob o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 85108618.6.0000.0105.

Utilizamos da abordagem qualitativa de pesquisa, pois conforme Flick (2009, p.20), ela possui “relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas da vida. [...] Essa pluralização exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões”. Tal noção vem ao encontro da perspectiva epistemológica bourdiesiana, especialmente à compreensão da atual função social da Didática e como ela pode ampliar sua função crítica no que se refere à formação docente (e constituição de um habitus) para atuação no campo educacional, tendo como referência o ser “bom professor”.

Flick (2009, p. 23), destaca que tal abordagem de pesquisa deve considerar essencialmente a “escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no reconhecimento e análise de diferentes perspectivas; nas reflexões de pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produção do conhecimento; e na variedade de abordagens e métodos”. Considerando tais aspectos, a fim de possibilitar a participação do maior número de licenciandos matriculados na disciplina de Didática, em 2018, foi utilizado como instrumento inicial para coleta dos dados, um questionário impresso. Após coletados, os dados foram tratados e organizados a partir da Análise Textual Discursiva (ATD), e da Análise de Cluster, para evidenciarmos as distintas percepções sobre o ser professor. Assim, na coleta e organização de dados utilizamos tanto de mecanismos quantitativos, como qualitativos, para que emergissem as relações entre os licenciandos dos agrupamentos e as reflexões aos pressupostos teóricos estabelecidos. O mesmo processo foi realizado com a segunda coleta de dados, por meio de um questionário online entre abril e junho de 2019.

Portanto, os dados oriundos dos questionários estão associados ao enfoque e perspectiva quantitativa, sistematizados pelo software Mathematica®, utilizando-se da Análise

de Cluster, o qual versa sobre o agrupamento dos licenciandos a partir de suas respostas organizadas em planilhas seguindo a distribuição binomial (PEREIRA, COSTA; LUNARDI, 2017; BATTAGLIA, DI PAOLA; FAZIO, 2016) e também Grafos (PEREIRA, 1997). Essas, foram categorizadas à luz da Análise Textual Discursiva (MORAES; GALLIAZI, 2016). Todos os detalhes a respeito dos instrumentos análise de dados, serão especificados na seção 3.3. A seguir, apresentamos o contexto pesquisado, os participantes e instrumentos de coleta de dados.