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Tratando-se de políticas públicas educacionais entendemos que a “abordagem do ciclo de política” desenvolvida pelos pesquisadores Stephen Ball e colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL,1994), possa nos fornecer vários elementos para o entendimento das políticas desta natureza. Esse referencial teórico-analítico permite a análise da trajetória de programas e políticas desde a sua formulação inicial até sua implementação no contexto da prática. É importante destacar que essa abordagem é relevante no contexto brasileiro já que no país esse campo de pesquisa é considerado novo e não firmado em termos de referenciais analíticos consistentes (AZEVEDO e AGUIAR, 1999 apud MAINARDES, 2006)7.

Segundo Mainardes (2006), a “abordagem do ciclo de política” leva em consideração a natureza complexa e controversa da política educacional, bem como processos micropolíticos e a ação dos profissionais que lidam com as políticas no nível local, além da necessidade de articulação entre os processos macro e micro na análise de políticas educacionais.

Em uma concepção inicial, Bowe et al (1992) chegaram a formular uma proposição que caracterizava o processo político como um ciclo contínuo, constituído por três arenas políticas: a política proposta- referente à política oficial e as intenções tanto do governo como das escolas; a política de fato- constituída pelos textos políticos e legislativos, bases iniciais para a política ser posta em prática, e por fim, a política em uso- que se referia aos discursos e práticas das políticas que emergiam no processo de implementação no âmbito da prática.

No entanto, por considerarem uma dinamicidade inerente às políticas educacionais, Stephen Ball e Richard Bowe descartaram essa formulação inicial. Segundo Mainardes (2006), para Ball e Bowe o processo político é dotado de uma variedade de intenções e disputas que influenciam o processo político e as arenas propostas nessa formulação se apresentavam como restritas.

A partir dessa constatação, Bowe e colaboradores apresentaram em 1992, uma versão reformulada do “ciclo de políticas”. Nessa nova versão, os autores afirmaram que as trajetórias das politicas ou programas educacionais se dão a partir de três contextos políticos

7 Mais informações a respeito de teses e dissertações que utilizaram a abordagem do ciclo de políticas proposto por Ball e colaboradores, estão disponíveis em: <www.uepg..br/gppge>. Nesse endereço encontra-se uma lista de trabalhos organizada pelo pesquisador Jefferson Mainardes, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

inter-relacionados, sem dimensão temporal ou sequencial e não lineares- “contexto de influência”, “contexto da produção de texto” e “contexto da prática”.

Ball (2009) afirma que as políticas estão em movimento, podendo se transformar ao longo da sua trajetória e de seu movimento, provocando até a transformação de seu significado. Sendo assim, a “abordagem do ciclo de política” é considerada pelo autor um método que apresenta alguns fundamentos teóricos e se torna um instrumento para pensar as políticas e saber como elas são “feitas”, tendo como base alguns conceitos diferentes dos tradicionais, tais como enactment, que abordaremos posteriormente.

Para Bowe et al (1992), as políticas não são simplesmente implementadas em um processo linear, pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta. Deste modo, os autores apresentam um esquema que expõe uma relação contínua entre os três contextos da política:

Figura 2 - Contextos do processo de formação de políticas (Fonte: BOWE e BALL, 1992, p. 20).

O contexto de influência pode ser caracterizado como aquele no qual as políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos. Esse contexto apresenta algumas características tais como, a disputa de interesse por parte de grupos que pretendem influenciar nas finalidades sociais da educação e do que significa ser educado. É nele que atuam as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo e é onde os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política (MAINARDES, 2006).

Esse autor esclarece ainda que Ball, em seus trabalhos mais recentes, observou que o discurso em formação no contexto de políticas nacionais pode sofrer influências globais e internacionais de agências multilaterais, tais como o Banco Mundial, a UNESCO, o Fundo Monetário Internacional. Porém, tais influências são sempre recontextualizadas e reinterpretadas pelos Estados-Nação.

É no segundo contexto - da produção do texto - que os textos são construídos, baseados nas definições políticas, gestadas em um campo de conflitos. É constituído pelo

Contexto da produção de texto

Contexto da Contexto da influência prática

poder central propriamente dito e formula os textos visando ao direcionamento das ações nas práticas, representando a política. Mainardes (2006) esclarece que o contexto de influência se relaciona com o da produção de texto, sendo que o primeiro se relaciona a interesses mais estreitos, enquanto o segundo está mais articulado com a linguagem de interesse do público em geral. Entretanto, é importante salientar que essa relação não é evidente ou simples.

É importante destacar que em seus estudos Bowe et al (1992) apontam que há dois tipos de texto: writerly e readerly8. O primeiro representa aquele tipo de texto que permite que seja reescrito, no qual o leitor é convidado a ser um escritor, um co-autor. Já o segundo se refere ao texto que se limita somente a ser lido pelo leitor e nada mais que isso. A esse respeito, Mainardes (2006) exemplifica que “um texto readerly (ou prescritivo) limita o envolvimento do leitor ao passo que um texto writerly (ou escrevível) convida o leitor a ser co-autor do texto, encorajando-o a participar mais ativamente na interpretação do texto” (p. 50).

Em suma, um texto readerly tende a produzir um leitor inerte, passivo, que somente lê o texto, sem interpretá-lo, analisa-lo, questioná-lo ou até mesmo situá-lo em seu contexto. Bowe at al (1992, p. 11) afirmam que esses tipos de textos “[...] pressupõem e dependem de presunções de inocência, com a convicção de que o leitor terá pouco a oferecer por meio de uma alternativa”. Esse tipo de texto apresenta um significado claro e definido e não fornece oportunidade ao leitor para fazer uma interpretação criativa. Já os textos do tipo writerly, como a própria palavra sugere, permitem que sejam escritos e reescritos pelo leitor, que passa então a ser um co-autor desses textos a partir de sua interpretação. O leitor se torna um sujeito histórico que interfere no texto e é convidado a preencher as lacunas do mesmo. (BOWE at al, 1992).

Em relação a esses estilos de textos, Mainardes (2006, p. 50) salienta que ambos podem aparecer de diferentes formas e até ao mesmo tempo:

Writerly e readerly podem aparecer de diferentes formas. Um exemplo disso

é a possibilidade do uso dos dois estilos num mesmo texto (a combinação de partes mais prescritivas e partes mais abertas). É possível também que o estilo de textos políticos iniciais seja diferente do estilo de textos secundários (textos de subsídio, produzidos no decorrer da implementação de um programa ou política).

8 A tradução de writerly como ‘escrevível’ e readerly como ‘prescritivo’ foi dada pelo autor Mainardes (2006), que buscou realizar uma aproximação ao significado de cada palavra.

Os textos políticos nem sempre são coerentes e claros, e podem até ser contraditórios, podendo fazer uso de termos-chaves de modo diverso. Eles são o resultado de disputas e acordos entre grupos que atuam dentro de diferentes lugares da produção e estão interessados no controle das representações da política (BOWE et al, 1992).

As limitações materiais e possibilidades das políticas enquanto textos podem ser vivenciadas no terceiro contexto- o contexto da prática. Neste contexto, a política está sujeita à interpretação e recriação, produzindo efeitos e consequências que podem conceber mudanças e transformações significativas na política original. Segundo os autores dessa teoria, as políticas não são simplesmente implementadas no contexto da prática, mas sim interpretadas e sujeitas a serem recriadas, por isso, os profissionais desse contexto (escolas, por exemplo) exercem um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação na implementação das politicas propostas. A esse respeito, Ball (2007 apud MAINARDES; MARCONDES, 2009) esclarece que

O processo de traduzir políticas em práticas é extremamente complexo; é uma alternação entre modalidades. A modalidade primária é textual, pois as políticas são escritas, enquanto que a prática é ação, inclui o fazer coisas. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas tem que converter/ transformar essas duas modalidades, entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é algo difícil e desafiador de se fazer. E o que isto envolve é um processo de atuação, a efetivação da política na prática e através da prática. É quase como uma peça teatral. Temos as palavras do texto da peça, mas a realidade da peça apenas toma vida quando alguém as representa. E este é um processo de interpretação e criatividade e as políticas são assim. A prática é composta de muito mais do que a soma de uma gama de políticas e é tipicamente investida de valores locais e pessoais e, como tal, envolve a resolução de, ou luta com, expectativas e requisitos contraditórios – acordos e ajustes secundários fazem-se necessários (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 306).

Para Bowe et al (1992), as políticas são interpretadas de diferentes maneiras, uma vez que estas envolvem valores, histórias, experiências e interesses diversos. Sendo assim, fica difícil o controle, por partes dos autores da política, dos significados que os textos podem sofrer: partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, mal entendidas etc. Os autores afirmam, inclusive, que na própria interpretação da política há disputas, uma vez que diferentes interpretações podem ser contestadas, já que envolve divergentes interesses e que uma ou outra interpretação predominará, mas interpretações minoritárias podem ser importantes.

Nesse sentido, a função do professor e demais profissionais da educação nesse contexto é exercer um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das políticas educacionais e os valores, experiências, interesses que eles trazem em si, ou seja, o que eles pensam e/ou acreditam terão implicações no processo de implementação das políticas públicas (MAINARDES, 2006).

Importante destacar que Ball, Maguire e Braun (2012) apresentaram em uma publicação recente intitulada How schools do policy: policy enactments in secondary schools a “teoria da política em ação” (theory of policy enactment). Essa explicitação, como apontado nos parágrafos anteriores, já tinha sido apresentada no ciclo de políticas quando tratavam do contexto da prática, especificamente quando afirmavam que os leitores das políticas (os professores, por exemplo) possuem experiências e ideias que influenciam na interpretação da política. Por isso eles não podem ser vistos como receptores passivos, mas como sujeitos críticos (MAINARDES, 2012).

Mainardes (2012) explicita que Ball e colaboradores utilizaram o termo enactment no sentido teatral, pois faz referência ao fato de um ator poder apresentar e representar um mesmo texto de diferentes maneiras. Ainda de acordo com o autor, Ball e colaboradores usaram esse termo para indicar que uma política pode ser materializada de diferentes e variadas formas, a partir das interpretações e recriações dadas pelos atores envolvidos, uma vez que eles não são “meros implementadores” das políticas. De maneira geral, os autores indicam que as políticas são interpretadas e recriadas para um contexto específico (MAINARDES, 2012).

Levando em consideração a importância do contexto no qual as políticas são praticadas Ball, Maguire e Braun (2012) explicitam que as políticas são postas em ação com diversidade de condições materiais e com variedade de recursos, em relação a problemas específicos, ou seja, tanto as políticas novas quantos as velhas são colocadas diante de compromissos existentes, valores e formas de experiência. Em outras palavras, a “teoria da política em ação” considera um conjunto de condições objetivas em relação a um conjunto de dinâmicas interpretacionais subjetivas.

Apesar de a “abordagem do ciclo de política” e de a“teoria da política em ação” oferecerem elementos para análise da COM-VIDA, entendemos ser necessário a busca de referenciais que ofereçam elementos para melhor compreensão de alguns aspectos específicos referentes às políticas públicas, incluindo as educacionais e de educação ambiental, que serão apresentados nas próximas seções.