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6.3 Análise e interpretação das entrevistas

6.3.2 Seleção de novos participantes e Organização da COM-VIDA

Para tomar conhecimento de como cada equipe seleciona seus novos integrantes e como a Comissão é organizada na escola, analisaremos nesse item aspectos referentes aos critérios de seleção e de organização da COM-VIDA nas escolas, como apresentado no Quadro 9.

Como pode ser observado no Quadro, os critérios de seleção de integrantes para a COM-VIDA nas escolas envolvem aspectos comportamentais e iniciativa do próprio aluno. Sendo que o “comportamento” esteve presente em depoimentos de estudantes em ambas as escolas.

Segundo as informações cedidas por alguns alunos da escola “A” para que novos estudantes passem a compor a equipe COM-VIDA desta escola não existem critérios de seleção pré-estabelecidos. Entretanto, a participação na equipe está vinculada à condição de respeito e limpeza do espaço físico da escola. Porém, um dos entrevistados nos informou que quando um novo aluno possui a intenção de participar da COM-VIDA é realizada uma reunião com a toda a equipe para saber se o colega seria aceito. Já em outro relato é

explicitado que a participação na COM-VIDA é liberada, basta o aluno ter interesse em participar.

Já na escola “B” percebemos um maior controle na “seleção” dos novos componentes da COM-VIDA. Os alunos interessados devem passar por um processo seletivo, constituído pela “observação de três meses” e pela “realização de uma prova”. Durante esse processo, os alunos devem acompanhar os integrantes da Comissão no desenvolvimento das atividades cotidianas e ao final do período de três meses, precisam se submeter a uma prova (ANEXO 1), na qual devem tirar nota mínima seis para entrar na COM-VIDA.

Quadro 9: Organização da COM-VIDA e seleção de participantes.

CATEGORIA SUBCATEGORIA EXCERTOS

Critérios para seleção

Aspectos comportamentais

ESCOLA “A”

“É só ser um aluno bom, respeitoso e também conseguir ajudar o ambiente, não sujando a escola e nem as salas de aulas” (L.R.)

“Na verdade foram escolhidos os melhores alunos de cada sala” (R.V.).

ESCOLA “B”

“Tem que ser um bom aluno na sala de aula. Tem uns meninos que estão de observação. Nós vamos na sala perguntar aos professores como eles estão na sala de aula e depois da observação tem uma prova e tem uma votação dos alunos tudinho para saber se vai entrar ou se não vai entrar. Se tiver mais ou menos três que não aceite, esse aluno não entra”.

(A.A., grifo nosso)

“Tirar boas notas, ser comportado em sala de aula...” (T.R.).

Iniciativa do próprio aluno

ESCOLA “A”

“Tem que fazer uma reunião. [...] e perguntar qual era o incentivo dela, o quê que ela queria entrando no COM-VIDA pra ajudar. Se ela queria melhorar ou queria mesmo entrar só pra bagunçar, só pra ter aquele negócio de agitação... Vir

só pra bagunçar?” (L.N.).

“É só falar mesmo que quer entrar. Creio eu que seja assim” (R.L.).

Organização da

COM-VIDA -

ESCOLA “A”

“A gente tem cada cargo. A gente tem o delegado... [...] A gente tem o secretário, que é quem faz as atas. Aí o resto são os suplentes.” (A.L.).

“Eu acho que tem o cargo. Tipo, o do A.L. Ele... acho que é o líder. Ele que comanda...” (A.B.).

ESCOLA “B”

“Tem a superioridade que é a delegada, suplente, coordenadora. Eu pelo menos só sou integrante ainda. [...] Ainda tem os observados. Que são os que ainda estão em fase para entrar” (F.F.)

“Então, tem a delegada e a delegada tem a sua secretária e a suplente. Os outros integrantes foram divididos em coordenadores. Cada coordenador, ele monitora dois a três alunos integrantes, que é para ajudar a delegada, porque a

equipe é muito grande. E eu não faço parte desses grupos. Eu sou uma cooperadora de dentro da COM-VIDAS, que cuida das relações públicas.” (F.B.).

Importante ressaltar que nos documentos oficiais (BRASIL, 2004; BRASIL, 2007a) não é proposto nenhum critério de como deve ser feita a escolha de novos integrantes da COM-VIDA na escola, o que nos leva a inferir que cada Comissão define como fazer essa seleção e quais critérios julga importantes para tal. Notamos, assim, que é dada autonomia aos integrantes da COM-VIDA na tomada de determinadas decisões, como a criação de critérios de seleção e regras para o convívio dentro da COM-VIDA.

Seria interessante que os documentos deixassem claro como deve ser feita a escolha de participantes e a intenção da COM-VIDA, que não é “selecionar” os melhores alunos para que façam parte da Comissão, visto que como apresentado nos excertos anteriores, a proposta pode tomar rumos diferentes da intenção inicial e até apresentar um caráter excludente, no qual o aluno que não apresentar o comportamento desejável, não poderá fazer parte da COM- VIDA, ou um caráter autoritário, onde alunos que não seguirem as regras serão expulsos da Comissão, como será observado no quadro de regras elaborado pelos alunos da escola “B”.

Segundo o entrevistado “A.A.” da escola “B”, um dos critérios de seleção é o comportamento do aluno tanto dentro quanto fora da sala de aula. Para saber como os candidatos a integrante da COM-VIDA se comportam em sala de aula, os alunos recebem a “ajuda” do professor.

No relato desse aluno, nos chamou a atenção o fato de os professores serem procurados pelos integrantes da COM-VIDA a fim de que informem quais os alunos estão ou não se comportando de maneira adequada em sala de aula. Acreditamos que quando é sugerido pelos documentos que “[...] as iniciativas dos estudantes deve sempre contar com o apoio de professores” (BRASIL, 2007a, p. 14), estes educadores não devem ter seu papel na COM-VIDA reduzido a mero informante de quem está merecendo ou não entrar na COM- VIDA tomando como base seu comportamento em sala de aula. Sendo assim, nos questionamos: Pode isso ser considerado um tipo de ajuda por parte do professor à Comissão? Qual seria então o seu papel?

Para Deboni e Melo (2007), cabe aos educadores na escola “[...] potencializar as possibilidades pedagógicas construtivistas de iniciativas como a COM-VIDA, e decorrentes dela, propiciar aos jovens a oportunidade de criar, pensar, agir, fazer, da sua forma e por seus próprios meios” (p. 41).

Uma aluna afirmou que para fazer parte da COM-VIDA é importante o respeito tanto em relação aos integrantes da COM-VIDA quanto em relação as outras pessoas, além de respeitar as regras que a Comissão elaborou:

[...] além de tudo tem que ter respeito entre si, com os outros também. A pessoa tem que ser interligado assim na turma, com outras pessoas. Por mais que seja assim, um comportamento mais ou menos, tem que provar isso na hora de tá no COM-VIDAS também, né? Porque no COM-VIDAS tem

regras, e se a pessoa tá respeitando as regras do COM-VIDA, vá tá

mostrando que é obediente, que tem respeito, que respeita os outros. (P.S., escola “B”, grifo nosso).

Nos registros do “Caderno COM-VIDA” da escola “B” estavam descritas aproximadamente dezoito regras criadas pelos alunos, que vão desde a proibição do uso de celulares nas reuniões até regras de como realizar diariamente as atividades da equipe. No Quadro 10, para melhor visualização, reunimos todas as “regras COM-VIDAS”21 elaboradas pelos integrantes.

Quadro 10 - Regras criadas pelos integrantes da COM-VIDA da escola “B”.

1- Não é permitido o uso de celular nas reuniões e atividades em grupo.

10- Membro COM-VIDA tem que respeitar o patrimônio da escola.

2- Respeitar o delegado, suplente e os coordenadores e os mesmo. Respeitar os membros.

11- Qualquer membro envolvido em contendas dentro da escola e nas reuniões deve ser eliminado por motivo de segurança.

3- Dar bom testemunho dentro da escola. 12- Todo o assunto deve ficar dentro da reunião e não sair para fora dela.

4- Trabalhar todos em equipe. 13- Não é permitido um aluno que não faz parte da equipe dentro dela.

5- Os membros devem ficar em silêncio quando o delegado for falar, o (a) suplente e os (as) coordenadores (as).

14- O delegado pode eleger e dar cargos de forma direta (com eleição e votação dos membros) e indireta (sem votação).

6- Todos devem ouvir e respeitar a opinião de cada um.

15- No total, no máximo de alunos dentro da equipe é de quinze membros, com eles estão: um delegado, um suplente, três coordenadores, uma secretária e dois cooperadores. Os cooperadores vão ajudar a(o) secretária(o), o(a) delegado(a), o(a) suplente e os coordenadores.

7- Qualquer objeto danificado por um membro tem uma semana para devolver à diretora pedagógica um novo.

16- A regagem do jardim e da horta será de segunda a sexta, antes de abrir o portão do turno da manhã. Cada dia será dois alunos e aos sábados, em caso de reposição e anteposição, serão o dia de terça-feira.

8- Membro COM-VIDA com mais de três faltas 17- Nos dias das reuniões, na agenda deve ter a

sem justificativa deve ser excluído. pauta (qual é a ação) e o que foi discutido na reunião e a assinatura de cada um dos membros. 9- Na eleição direta dos dias das reuniões, todos

devem concordar com o objetivo e os dias das reuniões só podem ser mudados duas vezes.

18- Só quem pode eliminar, excluir ou tirar será o delegado, os coordenadores, a suplente e os coordenadores em eleição direta ou indireta, em membros que faltaram sem justificação ou para excluir de forma obrigatória.

Fonte: Elaborado a partir de documentos cedidos pelos alunos da escola “B”.

O fato de existirem critérios para entrar na COM-VIDA, algo que não é proposto oficialmente nos documentos, nos levou a perguntar aos entrevistados o motivo pelo qual esses critérios foram criados. Obtivemos como resposta que seria uma maneira de selecionar realmente quem quisesse ajudar a equipe:

Tem muitas pessoas que antes entrava na COM-VIDA e não fazia nada. Era só para ter passeio. Só ia no dia do passeio. Não fazia nada na COM-VIDA. Nem aparecia, nem nada. Só ia. Prestava para ir no dia do passeio” (A.A., aluno).

Já a responsável pela COM-VIDA nessa escola, afirmou que inicialmente não tinham a intenção de criar critérios de seleção, mas como a equipe começou a crescer muito, eles acharam que seria necessário criar critérios para controlar o crescimento, que segundo a entrevistada, vão envolver aspectos “pedagógicos, aspectos de ensino, aspectos de aprendizagem”:

A gente criou critérios pra entrar no COM-VIDAS. Claro que seria importante toda a escola ser um COM-VIDAS, né? Mas trabalhar com uma equipe muito grande é dificultoso, principalmente pra mim. Porque eu já dirijo a escola como um todo na parte pedagógica e tomar de conta de mais esse projeto [...] Então a gente elaborou critérios para entrar na COM- VIDAS. Esse critério vai envolver aspectos pedagógicos, aspectos de

ensino, aspectos de aprendizagem. Nesses aspectos estão envolvidos: educação, comportamento, quantidade de livros lidos por mês, as atividades feitas fora e dentro da escola, o respeito aos funcionários da escola, principalmente respeito ao professor, as notas mensais, notas bimestrais, tudo isso envolve os critérios para entrar no COM-VIDAS. Então como eu vi

que a equipe tava crescendo muito e rapidamente, a gente não, vamos elaborar critério. (R.S, responsável pela COM-VIDA, grifo nosso).

Ainda de acordo com a entrevistada “R.S.”, foi feito um preparo com os alunos que tinham interesse em participar da Comissão, conforme ilustrado em seu relato:

Foi dado pra eles revistas sobre o Meio Ambiente, textos sobre o Meio Ambiente, Agenda 21, para eles estarem se informando. Além da palestra que a P.S. faz de vez em quando, explicando o que que é o COM-VIDAS, como é que se trabalha, o que que a gente faz no COM-VIDA, que COM- VIDA não só trabalho, também é passeio, uma coisa vai compensando a outra e hoje eles vão fazer uma prova pra ver se entra ou não entra no COM- VIDAS, né?[risos] Eu acho isso tão interessante deles, que as meninas “Vão ter que fazer prova, porque nossa equipe tá crescendo muito”. É uma grande responsabilidade para uma só delegada, né? Aí a gente decidiu dividir em subgrupos, cada grupo com seu respectivo coordenador, que prestam conta com a delegada, que presta conta comigo. Quando eu vejo que a panela de pressão vai ferver, vai chiar, eu vou lá e abafo, né? Pra dá uma acalmada neles e assim a gente vai estruturando o projeto, aos pouquinhos, né? E eu espero que continue.

A partir dos relatos dos alunos da escola “A”, constatamos que eles consideram que a existência de regras e critérios pré-estabelecidos de seleção evita a entrada de alunos que tenham notas baixas e de alunos que não queiram ajudar no desenvolvimento das atividades da COM-VIDA, como podemos observar nos seguintes excertos:

Muitas vezes os alunos, os alunos tiravam nota baixa e depois que R.S. entrou, ela botou esse critério. Os alunos tudinho tem que tirar nota boa, ter boas notas para poder entrar na COM-VIDA. (A.A.).

Que se entrar gente danada não vai querer participar, só vai querer bagunçar durante as reuniões e durante o plantio das plantas que nós vamos fazer (F.I).

A vasta lista de critérios para entrar na COM-VIDA e as regras de como se comportar dentro dela nos chamou a atenção por dois motivos: primeiro, pelo caráter normativo atribuído à Comissão e consequentemente à EA, se aproximando do que Brügger (1994) denomina de “adestramento ambiental”. Segundo a autora, em muitos casos, as atividades consideradas de EA, se traduzem em processos que conduzem o indivíduo à reprodução de conceitos e a aquisição de habilidades técnicas, denominada pela autora de “adestramento”. Consideramos que atitudes como as tomadas pela COM-VIDA na escola “B” não contribuíram para a transformação da realidade, restringiram a participação efetiva de toda a comunidade escolar, além de permitir que um pequeno grupo tenha autoridade sobre os demais. Desse modo, qual o lugar ocupado pelo caráter democrático e participativo que a COM-VIDA deveria proporcionar na escola?

Outro ponto que merece destaque está relacionado ao fato de que, como os gestores da política não sugerem, na publicação oficial, como os novos integrantes da equipe devem ser

selecionados e tão pouco como a COM-VIDA deve ser organizada, a escola e os integrantes da equipe possuem toda a autonomia para que decisões como essas sejam tomadas, permitindo que a política seja interpretada e recriada com base no seu contexto real e a partir de experiências vivenciadas pelos atores da política na escola, atribuindo um significado diferente da inicial (BALL, MAGUIRE; BRAUN, 2012). Talvez fosse interessante que a proposta fosse formada por um texto tanto writerly quanto readerly, no qual os princípios fossem claros, para que os objetivos da COM-VIDA não fossem interpretados erroneamente.

Sendo assim, provavelmente foi a partir do que julga ser importante, de seus valores e experiências, que a responsável pela COM-VIDA na escola “B” criou, juntamente com os alunos, os critérios, que como a própria relata, envolvem “aspectos pedagógicos, aspectos de ensino, aspectos de aprendizagem”. Nossa constatação de que a política COM-VIDA foi interpretada de maneira diferente da proposta inicial também foi encontrada por Bayer (2012), que, ao analisar a implementação do PDE em escolas, identificou que apesar do caráter burocrático e rígido da política, ela sofreu modificações ao chegar às escolas de acordo com as características culturais de cada contexto.

Além de regras e critérios de seleção, os alunos da equipe COM-VIDA da escola “B” decidiram criar, por iniciativa própria, novos cargos, além daqueles sugerido nos documentos oficiais (BRASIL, 2007a, 2007b, 2007c), ou seja, delegado(a) e suplente. Segundo os entrevistados, os cargos foram criados com a intenção de organizar melhor a equipe para a realização de tarefas:

A equipe COM-VIDAS surgiu só de integrantes. Aí começou surgir idéia “Ah, porque não coloca um cargo nesse, outro cargo naquele?”. Aí a gente foi... Já tinha delegado e suplente. Aí todos “Não, vamos colocar uma secretária pra ajudar o delegado!”, “Vamos colocar uns coordenadores pra ajudar o delegado, o suplente... a equipe toda e deixar só os integrantes mesmo, que vão crescendo e tomando mais conhecimento com o passar do tempo eles vão criando cargo”. Aí ficou dividido, organizado a equipe em: delegado, suplente, coordenador, secretário. Aí os outros foram se

enturmando mais ainda pra poder querer um cargo. Aí todo mundo

começou a criar mais responsabilidade, apesar de todos terem um pouco, mas começou a aumentar a responsabilidade (P.S., aluna e delegada, grifo nosso).

Chamou-nos a atenção quando a aluna-delegada relatou que a partir da criação dos cargos, outros alunos foram se aproximando da equipe com a intenção de conseguir um cargo e devido a isso, esses alunos passaram a ser mais responsáveis.

Essa informação, bem como algumas das regras criadas pelos integrantes, como o delegado tem o poder de dar cargos em eleição indireta, nos preocupou, pois coloca em questionamento a validade desses cargos. Talvez esta atitude possa levar os alunos a buscarem compor a Comissão para exercer autoridade sobre os colegas, como já comentado anteriormente. Mais uma vez pode ser verificado a releitura dada à política pelos integrantes da COM-VIDA, que acabam reformulando o significado inicial da política e até comprometendo a efetivação da mesma.