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Höfling (2001) e Mendes (2006) afirmam que para o entendimento das políticas públicas é fundamental a compreensão da concepção de Estado. É importante considerar que tal análise é complexa, visto que as essas concepções podem ser contraditórias e apresentar características de acordo com o contexto no qual se insere.

Segundo Mendes (2006, p. 157), “toda política está baseada em uma concepção de Estado, de homem, de sociedade, de mundo”, assim o caráter assumido pela política (excludente, inclusivo, centralizador ou participativo) pode ser determinante nas ações desenvolvidas nas escolas, podendo contribuir ou não para a formação dos sujeitos. Sendo assim, as políticas educacionais devem ser analisadas levando-se em consideração fatores mais amplos, como o político, econômico e sociocultural dentro de programas específicos.

Höfling (2001) ressalta ainda a importância do conhecimento das chamadas “questões de fundo” da política, uma vez que estas indicam “as decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos de implementação traçados e os modelos de avaliação aplicados, em relação a uma estratégia de intervenção governamental qualquer” (p. 30). Um exemplo dessas relações é a estabelecida entre a concepção de Estado e as políticas implementadas por ele.

Mendes (2006) tomando como base a produção de estudiosos das obras de Marx (BOBBIO, 1986, FALEIROS, 1991 e OLIVEIRA, 1998 apud MENDES, 2006), fez um resgate de alguns aspectos relacionados ao Estado presentes nas obras de Marx, tais como (1) a filosofia de Hegel e de seus precedentes é voltada para o aperfeiçoamento do Estado, enquanto que a de Marx volta-se para extinção do Estado burguês; (2) o Estado possui um papel importante no impedimento de conflitos entre trabalhadores e patrões na sociedade capitalista, assegurando-lhes, por meio das políticas públicas, a manutenção do processo de produção capitalista por meio da ordem social; (3) a relação entre Estado e sociedade visa dar o sentimento de segurança e garantia de alguns bens aos marginalizados, necessitados e pobres, tais como educação e saúde. Porém, nas sociedades capitalistas, esses problemas sociais acabam sendo tratados como individuais e com a responsabilidade do “fracasso” ou “sucesso” sendo atribuída à essas classes, sem levar em consideração as diferenças de oportunidades; (4) O Estado desempenha o papel de conservador do capitalismo, já que os fundos públicos atuam em favor do capital e (5) na sociedade capitalista a classe dominante detém tanto o poder econômico quanto o político, ou seja, tem poder sobre o Estado. Assim, essa classe mantém a divisão de classes e exploração dos trabalhadores.

Ainda de acordo com Mendes (2006), não é interesse da burguesia oferecer educação de qualidade à classe trabalhadora, o que sugere a falta de comprometimento do Estado na geração de serviços públicos educacionais. No entanto, a autora ressalta que isso não significa que governos de diferentes perspectivas ideológicas não implementem políticas emancipatórias ou inclusivas. O problema é que tais iniciativas acabam sendo isoladas e não atingem a grande massa da população e por consequência, não provocam mudanças mais amplas.

É preciso levar em consideração que o estudo sobre o sistema educacional implica na análise dos propósitos e do funcionamento do setor governamental, pois toda política que busca mudanças na educação tem por trás de si um sistema governamental, repleto de disputas e interesses, que acaba provocando prejuízos ao sistema educacional devido aos seus descompassos (CARNOY, 1986 apud Mendes, 2006).

Höfling (2001) afirma que as ações implementadas pelo Estado podem gerar resultados diferentes dos esperados, visto que as políticas capitalistas sofrem efeito de interesses diferentes expressos nas relações de poder “o processo de definição de políticas públicas em uma sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo” (HÖFLING, 2001, p. 39).

Nessa mesma linha, Ball (2009) afirma que o mundo das políticas é complexo, instável e geralmente contraditório. O autor chama a atenção para os conflitos do campo das políticas, caracterizando-o como um “campo de lutas multifacetadas”, onde há disputas de valores, interesses e significados.

As políticas públicas no Brasil, incluindo as educacionais, sofrem impactos desses descompassos e interesses. Elas têm sido marcadas pela descontinuidade das ações, o que demonstra a fragilidade do planeamento educacional em longo prazo (DOURADO, 2007).

As políticas educacionais encontradas na sociedade brasileira são em sua maioria caracterizadas como “políticas de governo”, definidas por Oliveira (2011), como aquelas que o Executivo decide a formulação e implementação de determinadas medidas e programas voltadas, visando responder às demandas da agenda política interna. Já “políticas de Estado” são consideradas pela autora como aquelas que envolvem mais de uma agência do Estado, passando em geral pelo Parlamento ou diversas instâncias de discussão, resultando em mudanças com incidência em setores mais amplos da sociedade.

Em se tratando de políticas educacionais, Höfling (2001, p. 39) explica que ações pontuais, como aquelas presentes nas políticas de governo, “[...] são insuficientes para caracterizar uma alteração da função política desse setor”. O que deve ocorrer é a ampliação efetiva da participação dos envolvidos nas diversas esferas do governo, pois só assim serão alcançados índices positivos não só quanto à avaliação dos resultados de programas da política educacional, mas também quanto à avaliação política da educação.

De acordo com Höfling (2001), em uma sociedade desigual e heterogênea como a brasileira, a política educacional deve desempenhar importante papel tanto de democratização da estrutura ocupacional que se estabeleceu, quanto de promover a formação do cidadão, do sujeito em termos mais significativos.

Deste modo, o papel do Estado nos desdobramentos das políticas educacionais pode ser de omissão, como já comentado anteriormente, ou pode ser de comprometimento com a qualidade e democratização da educação, cabendo aos pesquisadores e teóricos identificar, analisar e desmitificar as fontes de dominação, exploração, classificação dentro de um sistema

que é ou deveria ser de todos (ESPINOZA, 2009). Como bem aponta Sotero; Sorrentino (2010, p. 3):

As ações governamentais devem ser elaboradas para a sociedade e, acima de tudo, com a sociedade, ou seja, devem ser concebidas levando em conta os desejos da coletividade, principalmente dos grupos excluídos, no sentido de promover o bem estar social. Para tal, faz-se necessário o estabelecimento de canais e espaços que promovam o diálogo para a efetiva participação da sociedade – organizada em grupos de interesse – na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas.

Nesse sentido, Höfling (2001) indica que a administração pública deveria atender a sociedade como um todo, não privilegiando interesses de grupos que detém o poder. Devem ser estabelecidos como prioritários programas de ação universalizantes com possibilidade de reversão do desequilíbrio social.