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6.3 Análise e interpretação das entrevistas

6.3.3 Relacionamento COM-VIDA

Como a COM-VIDA tem por objetivo a criação na escola de um “espaço democrático, participativo, animado e saudável” (BRASIL, 2007a), julgamos importante tomar conhecimento de como é o relacionamento da equipe COM-VIDA, tanto entre si quanto com a comunidade escolar e com a comunidade do entorno e a partir dos relatos, elaboramos o Quadro 11, no qual apresentamos excertos que permitem caracterizar o relacionamento interno e externo da COM-VIDA.

Segundo os alunos entrevistados, o relacionamento entre os integrantes da COM- VIDA é baseado na amizade e união, sendo atribuído a essas características o êxito da equipe, já que todos que fazem parte da Comissão possuem a mesma intenção - proteger o ambiente. Há indícios de que internamente, a COM-VIDA se caracteriza como um ambiente no qual há respeito de opiniões e que, quando as opiniões divergem, os participantes tentam o consenso:

Como em todo grupo, tem sempre uma discussãozinha aqui e acolá, né? Sempre tem. Envolve assim, minha opinião é essa, a sua é diferente. Assim a gente tenta é muito saber a opinião de cada um. A sua é diferente da minha. Então a gente tenta um jeito de fazer essas duas opiniões se juntar, se unir e fazer só uma opinião para cada grupo/para o grupo todo (B.R.).

Já no que se refere ao relacionamento da COM-VIDA com a comunidade escolar em geral, os entrevistados responderam que a equipe recebe apoio tanto de alunos quanto dos professores. Entretanto, uma das integrantes mais antigas da Comissão relatou que nem sempre eles recebem apoio dos professores, indicando que o relacionamento da Comissão com a escola é “mais ou menos”:

Olha, a equipe COM-VIDAS é muito conhecida na escola. Mas eu não vou dizer para você que todos os professores ajudam ela, porque não ajudam. Quando a gente precisa de um professor, se esse professor pode ajudar, ele ajuda. Se ele não pode, ele fala logo. Então, assim, a relação da COM- VIDAS com a escola, ele é, digamos assim, é mais ou menos. Nem bom, nem muito ruim. Mas sempre que a gente tá precisando, assim, a gente pede, um vai lá ajuda, outros não. Mas quem tá ali sempre com a gente, do nosso lado, é a diretora pedagógica” (F.B).

Quadro 11 - Relacionamento da COM-VIDA com a comunidade escolar e do entorno. Relacionamento COM-VIDA COM-VIDA x COM-VIDA Amistoso ESCOLA “A”

“É bom, porque assim, a gente se entende. Porque, a gente... quem tava aqui no COM-VIDA, tem o mesmo propósito de quem administra, que é proteger o ambiente na verdade. E mostrar pra outras

pessoas isso. Então todos se entendem.” (L.R.)

“Ah, é uma relação muito boa. Muito boa. A gente conversa, discute, cada um ouve cada um. Uma relação muito boa” (R.V).

ESCOLA “B”

“É muito amigável. Muita amizade. Todo mundo se ajuda. É assim” (H.V.).

“É tipo... muita amizade entre nós, que se não fosse, a COM-VIDA não ia para frente não” (A.A). “A cada dia vai ficando melhor. Vai se entendendo mais, vai se ajudando, aí vai... A união é que melhora

as coisas, né?” (F.S.) Relacionamento COM-VIDA COM-VIDA x Comunidade escolar Apoio ESCOLA “A”

“[...] Ah, os professores apoiam muito a gente. Principalmente os de Ciências e Geografia.” (L.N., grifo nosso)

ESCOLA “B”

“[...] os funcionários da cantina ajudam a gente. [...] A maioria dos passeios nós precisamos do professor de Ciências ou de Geografia, eles ajudam é muito a gente. Às vezes vai no passeio e explica muita coisa

pra gente, que a gente ainda não sabe” (A.A., grifo nosso).

“Os professores também ajudam a gente. Alguns alunos ajuda a fazer as coisas que gostamos de fazer” (F.I).

Aversão

ESCOLA “A”

“É bom, assim... os alunos aqui da escola que fazem parte procuram orientar os alunos que não fazem parte. Alguns não gostam muito, acham chato, mas outros não, outros quer... aceitam a opinião...

Ensinamento da preservação ao meio ambiente” (L.R.).

ESCOLA “B”

“Os alunos... têm alunos que, assim, em colégio assim tem meninos que tem raiva de outros meninos. Aí como são mais o COM-VIDA que vão para o passeio, têm uns alunos que dizem assim “Ah, é só o COM-VIDA que vai só o COM-VIDA que vai. [...] Agora professores ajudam a gente. Ó, nós, cada um

Relacionamento COM-VIDA

do COM-VIDA, contando os integrantes, vai na sala, pergunta para o professor como está aquele aluno, todo dia” (F.F)

Desconhecimento

ESC OLA “A”

“É... Não vou mentir, aqui tem muitos funcionários que não conhecem o projeto.” (A.L).

COM-VIDA x Comunidade

de entorno

ESCOLA “A”

“É muito, é muito pouco divulgado, assim, na comunidade, né? É difícil, assim... [...] Que a gente, a gente se concentra mais na escola, sabe?” (R.L).

“Já o bairro, eu não sei.” (L.R).

ESCOLA “B”

“Eles sabem tanto, que até quando nós nem se toca, eles já tão ajudando a gente com plantas, com areia medicinal e, assim, lixo, as pessoas jogavam muito, mas depois que passamos nas casas avisando...”

(A.A.).

“A gente já saiu na comunidade mostrando o nosso trabalho aqui da escola. Aí muitos conhecem, mas outros também não conhecem.” (F.M.).

Uma informação interessante, mas que não é novidade na EA formal, é que são os professores de Ciências e Geografia que mais prestam apoio à COM-VIDA nas duas escolas. Várias pesquisas apontam que frequentemente são aos professores dessas disciplinas que mais se dedicam a atividades e projetos voltados para a temática ambiental e para a EA.

Ao analisarem as tendências da pesquisa em EA, Kawasaki; Carvalho (2009), Fracalanza (2004) observaram que atividades relacionadas à EA parecem ser de responsabilidade das disciplinas de Ciências e Geografia. Já Trivelato (2001) afirma que disciplinas como Ciências e Biologia têm funcionado como “[...] um dos caminhos preferenciais que levou a EA para a escola” (p. 57) e que a inserção desse campo da educação contexto escolar “[...] não foi resultado de um processo de integração de diferentes disciplinas” (p. 57). Kawasaki e Carvalho (2009) afirmam que as práticas de EA realizadas por meio de disciplinas ligadas às ciências naturais acaba as caracterizando com um caráter conservacionista e naturalista, deixando marcas profundas nas práticas da EA escolar. Os autores afirmam que a EA na escola assumiu um caráter normativo, resumindo-se em “[...] um conjunto de regras daquilo que deveria ou não ser feito em relação ao meio ambiente” (p. 146).

Apesar de a maioria dos entrevistados afirmarem que a relação da COM-VIDA com a comunidade escolar ser boa, alguns alunos da escola “A” admitiram a existência de funcionários que não sabiam sobre a existência do COM-VIDA: “É... Não vou mentir, aqui tem muitos funcionários que não conhecem o projeto (A.L., escola “A”)” e alunos da escola “B” que apontaram que ainda há dificuldade de aceitação por parte de outros alunos que não fazem parte da Comissão, adjetivando a COM-VIDA como algo “chato”. A própria responsável pela Comissão na escola “B” fez um comentário a respeito disso:

[...] quando a gente vem aqui pros canteiroszinhos trabalhar, aí os despeitados já dizem “Lá vai os COM-VIDA e aqui fica o COM-MORTE”. [risos] A gente só fica olhando. Aí quando eu ouço esse tipo de coisa, eu digo “Pergunte à delegada como é que faz”, num tom bem sério. E o que ela lhe disser para fazer, você faz, você vai entrar em observação, assim como os outros estão em observação. Você faz a prova e se você passar, você entra (R.S., responsável pela COM-VIDA escola “B”).

O modo como a COM-VIDA é percebida de fora, pelos alunos que não fazem parte da Comissão foi um dos fatores que mais nos chamou a atenção. Porque um grupo de alunos que tem a intenção de melhorar a qualidade de vida dos alunos e melhorar também a escola é vista

por outros estudantes com aversão? Seria porque a COM-VIDA se tornou tão fechada em si, que acabou se tornando estranha aos demais?

De maneira geral, a comunidade escolar parece participar das ações desenvolvidas pela COM-VIDA na escola “B” e dão o apoio às atividades que a equipe desenvolve, embora uma das alunas entrevistadas afirme que muitos alunos não gostam da Comissão. Quando questionada sobre o por quê desta reação por parte de outros alunos, a entrevistada nos respondeu que muitos alunos querem participar da equipe, mas somente para participar de eventos externos:

Eu acho que muitas, não todas, alguma quantidade querem por causa, assim, que a gente fica saindo, que a gente vai para algumas coisas. A gente somos principalmente chamados. A gente conhece gente importante. Eu acho que, por muitas vezes, eles ficam com raiva da gente do COM-VIDAS mesmo por causa disso. Muita gente se intriga com nós mesmo no COM-VIDAS porque a gente por causa disso (B.R., escola “B”)

Ao analisarmos as informações dadas pelos entrevistados da escola “A” no que se refere ao relacionamento com a comunidade escolar, constatamos o que Garcia (2010) já tinha observado em sua pesquisa, quando esclarece que o envolvimento dos diversos segmentos, ou seja, de toda a comunidade escolar, não foi encontrado nas escolas pesquisadas e as atividades ficaram centralizadas somente em alguns atores, “[...] contrariando as premissas da proposta de envolver a ‘comunidade escolar’” (p. 80). Chegamos a essa mesma constatação a partir das entrevistas, nas quais não encontramos informações a respeito de uma participação efetiva da comunidade escolar em geral, como por exemplo, os demais funcionários administrativos, técnicos, de vigilância, de limpeza etc.

Percebemos que as ações da COM-VIDA na escola “A” estão centralizadas nos alunos integrantes da equipe, alguns professores, como os de Ciências e Geografia e alguns alunos da escola, já que, de acordo com a entrevistada “L.R.”, alguns outros alunos não têm interesse em participar das atividades da “Comissão”.

Como um dos focos da COM-VIDA é promover o intercâmbio entre a escola e a comunidade para a solução de problemas locais (BRASIL, 2007a), perguntamos aos entrevistados como era o relacionamento da equipe com a comunidade do entorno. Notamos que, segundo a aluna “R.L.”, algumas pessoas do bairro conhecem a COM-VIDA, no entanto, é pouco divulgado, pois a equipe concentra mais na escola. Isso mostra o distanciamento da escola com a comunidade do seu entorno. Sendo assim, não foi possível identificar mais

precisamente a relação escola-comunidade, ou seja, a participação de pais, responsáveis e lideranças locais.

Essa realidade mostra-se um pouco diferente na escola “B”. Percebemos uma interação mais efetiva entre a escola e a comunidade quando um dos entrevistados afirmou que o bairro tanto conhece a COM-VIDA como ajuda a equipe fazendo doação de materiais utilizados nas atividades, como apontou o aluno “A.A.”. Sendo assim, a comunidade vizinha da escola “B” parece ter conhecimento da COM-VIDA, mas a entrevistada “F.S.” reconhece que há pessoas na comunidade do entorno que não a conhecem.

Para Trabjer e Mendonça (2006) a relação entre a escola e a comunidade do entorno é mais efetiva quanto menor e mais descentralizada for a escola; a escola nos bairros da periferia é um espaço social central e acabam se tornando um espaço de atuação política no enfrentamento dos problemas do bairro. Assim como estas autoras, entendemos que esta pode ser a explicação para o maior envolvimento da comunidade com a escola “B”.

A importância da relação entre a escola e a comunidade é apontada por Trajber; Mendonça (2006), quando afirmam que a participação e o envolvimento da comunidade quando são influenciados pelas questões socioeconômicas refletem na construção de uma escola participativa e envolvida com as problemáticas de seu entorno e, em consequência, no desenvolvimento de atividades de EA.

Do mesmo modo, Barbosa (2008) considera que a relação entre a escola e a comunidade pode ser transformadora para ambos, uma vez que as COM-VIDAS

[...] estimulam o diálogo escola/comunidade com foco na educação ambiental, articulando saberes e ações que a modernidade, com suas instituições disciplinares, fragmentou e dissociou. As COM-VIDAS, pois, com a proposta de aproximar escola e comunidade por meio de temas e problemáticas socioambientais, inspiradas na idéia dos “círculos de aprendizagem e cultura” de Paulo Freire, produzem intervenções educativas transformadoras no cotidiano escolar e no território (comunidade escolar, vila, bairro, cidade, estado) onde estão inseridas (p. 12).

Após apresentar como é o relacionamento da COM-VIDA em cada escola, voltaremos nosso foco para as atividades desenvolvidas pelas Comissões nas escolas e na comunidade, a fim de conhecer quais são e como eles põem em prática as ações de EA.