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RESULTADOS ANUAIS CD

4. QUADRO TEÓRICO

4.1. ABORDAGEM INSTRUMENTAL (ABIN)

A teoria da Abordagem Instrumental foi proposta por Pierre Rabardel (1995), baseada em trabalhos provenientes do campo da Ergonomia Cognitiva (EC), com vistas à compreensão de práticas em torno de um determinado artefato9, que inicialmente não se configura um

instrumento10 para a atividade humana. Para Abrahão, Silvino e Sarmet (2005), quanto ao

objetivo da EC:

A Ergonomia Cognitiva – EC é um campo de aplicação da ergonomia que tem como objetivo explicitar como se articulam os processos cognitivos face às situações de resolução de problemas nos seus diferentes níveis de complexidade. (ABRAHÃO, SILVINO E SARMET, 2005, p. 165)

Os autores ainda assinalam, com esse viés, que a EC procura compreender a cognição humana como forma de finalizar e situar-se num contexto de ação, em relação a um determinado objetivo (Abrahão, Silvino e Sarmet, 2005). Nesse sentido, a preocupação com a visão psicológica do processo de trabalho, quando utilizamos um determinado artefato, para Rabardel (1995), requer cuidados quanto às especificidades e sua aplicabilidade:

A compreensão psicológica dos processos em funcionamento no campo de uso (princípio da especificidade) e no campo do design (princípio de aplicabilidade), é, crucial para a constituição de uma ciência contextualizada. Respeito a singularidade, complexidade e significância do contexto é de fato considerada como uma condição de aplicação da psicologia, e mais amplamente de toda a ciência.(RABARDEL, 1995, p. 42, tradução nossa, adaptado)

Sob o ponto de vista do autor, os artefatos existem nas atividades sendo constantemente transformados, precisando ser analisados em relação a sua utilização, não sendo apenas formas individuais, mas, sim, gerando uma partilha de trabalho, embutidos de práticas sociais (Rabardel, 1995).

Inicialmente, concebe-se um artefato para que seja utilizado em alguma atividade, gerando efeitos com sua aplicação, propiciando resolver determinado problema social ou não. Este obedece a regras e possui restrições que são inerentes a sua construção, para a mobilização pretendida, como atividade humana. Mas, como usar um artefato de tal modo que ele se torne um instrumento? Para isso, precisamos criar um processo intitulado de gênese instrumental.

Para Rabardel (1995), a gênese instrumental aparece como uma atividade de forma

9 Artefato aqui trata-se de qualquer objeto material, uma cadeira, uma escova, ou não, uma linguagem nova, um

tipo de escrita etc;

suficente, constante e generalizada, que começa antecipada dentro do próprio projeto de artefato, pois destaca algumas práticas relativas ao artefato para o usuário:

- a escolha entre as opções previamente determinadas durante o projeto inicial; - a construção de novos comportamentos do artefato a partir de elementos existente. Envolve modificar a organização de elementos já existentes agrupando suas operações, reconfiguração etc;

- a transformação do próprio artefato. (RABARDEL, 1995, p. 110, tradução nossa)

O processo de gênese instrumental, indicado por Rabardel (1995), propõe a transformação gradativa de um artefato num instrumento através de esquemas. Vergnaud (2007) traz duas definições indicando um esquema como sendo uma organização invariante das atividades para determinadas classes de situações fornecidas e que deve ser formado por quatro componentes essenciais: objetivos atrelados a sub-objetivos e suas antecipações; as regras em ação para tomada da informação e controle; os invariantes operatórios, que são o conceito em ação11 e o teorema em ação12; além das possibilidades de inferir na situação.

A gênese instrumental é composta pela tríade: sujeito, instrumento e objeto. Nela, ocorre, conforme Rabardel (1995, apud Rabardel & Verillon, 1985), uma modelagem com multiplicidade e complexidade entre as relações que esses três pilares vivenciam. Além da ocorrência das interações entre Sujeito e Objeto (S – O), temos outras várias a considerar, como: as interações Sujeito e Instrumento (S – i), Objeto e Instrumento (O – i) e as interações Sujeito e Objeto mediados pelo Instrumento utilizado (S(i) – O). Além disso, devem ser levadas em consideração as interações com o ambiente no qual esse processo, que o autor indica como um modelo denominado Situações das Atividades Instrumentais – SAI, se insere (Figura 13).

Figura 13 – Modelo SAI da Abordagem Instrumental

11 É um conceito considerado pertinente na ação em situação; (Vergnaud, 2007) 12 É um uma proposição tida como verdadeira na ação em situação. (Vergnaud, 2007)

Fonte: Elaboração do Autor

No modelo SAI, para o viés da nossa pesquisa, o papel do sujeito S é voltado tanto para o estudante quanto para o pesquisador; o instrumento i refere-se às ferramentas tecnológicas utilizadas, o ambiente computacional GeoGebra, os Apps13criados nele e os Modelos Concretos manipuláveis; já o objeto O trata-se de um saber, especificamente o CM, sobre o qual há ação articulada do sujeito, por meio do instrumento. O ambiente de ocorrência, para aplicação na pesquisa externa, será um laboratório de informática, nas dependências da IES. Faz-se necessário, nesse processo, a elaboração de esquemas que contenham situações explícitas e implícitas, sendo as primeiras passíveis de previsão, porém as segundas, na maioria das vezes, impossível de serem previstas, como afirma Rabardel (1995), ao discorrer sobre a teoria de Vergnaud (1990):

Para Vergnaud, os esquemas são do mesmo tipo lógico que os algoritmos, mas, se eles são em geral "eficazes", eles podem também não ter eficácia, em relação as possibilidades para ter sucesso em um número finito de etapas. Uma representação da realidade implícita ou explícita é parte integrante do esquema, analisável em termos dos objetos, categorias em ação (propriedades e relações) e teoremas em ação. Mas sempre tem muitas variaveis implícitas em um esquema e, portanto, difícil de serem explicitadas pelos sujeitos. (RABARDEL, 1995, p. 88, tradução nossa)

Rabardel (1995) acrescenta que, para o autor, o esquema não é um estereótipo, mas uma função com temporalidade em relação a argumentos que nos permitem obter diferentes possibilidades de ações e recolher informações em conformidade com os valores das variáveis envolvidas na situação. Rabardel (1995) define, em seu texto, os esquemas de três formas distintas, no contexto de gênese instrumental:

· Esquemas de uso: relativos às atividades para gerir as características das propriedades particulares do artefato (criação de tarefas);

· Esquemas de ação instrumentada: relativos às atividades em que o artefato se torna um meio de realização (atividades voltadas ao objeto matemático);

· Esquemas de ação coletiva instrumentada: relativos à utilização concomitante de um instrumento, atrelado a um contexto de atividades compartilhadas ou em conjunto (relações entre a tríade: sujeito – objeto – instrumento).

O modelo SAI indica também dois quadros durante as interações para a tríade S – O – i: os processos de instrumentalização e instrumentação. Rabardel (1995) destaca:

Os processos de instrumentalização dizem respeito ao surgimento e evolução de componentes do artefato para o instrumento: seleção, agrupamento, produção e

13 Apelido dado ao termo aplicativo, advindo do da palavra em inglês Application. Em nosso trabalho são os

instituição de funções diversas e catarse14, alocação de propriedades, transformação

do artefato (estrutura, funcionamento, etc.) que se estende a criações e conquistas no artefato cujos limites são, portanto, difíceis de determinar;

Os processos de instrumentação estão relacionados ao surgimento e evolução de padrões de uso e ação instrumentada: sua constituição, operação,evolução por acomodação, combinação de coordenação, inclusão e assimilação recíproca, e assimilação de novos artefatos aos esquemas já constituídos, etc. (RABARDEL, 1995, p. 111, tradução nossa, grifo do autor)

Trouche (2002) argumenta, para essa distinção feita por Rabardel (1995), que:

A instrumentalização pode passar por diferentes fases: uma fase de descoberta e seleção de comandos pertinentes, uma etapa de personalização (...) e uma etapa de transformação do artefato, às vezes em direções não fornecidas pelo designer: modificação da barra de menu, criação de atalho do teclado, armazenamento de programas de jogos ou realização automática de certas tarefas.

A instrumentação está relacionada com o surgimento e a evolução dos esquemas de um assunto para a realização de uma tarefa dada. (TROUCHE, 2002, p. 200, tradução nossa, grifo do autor).

Para Rabardel (1995), não podemos pensar num esquema clássico e estático para aplicação da gênese instrumental. Inicialmente, este tipo de esquema traça claramente a concepção e as fases de desenvolvimento para dar a utilização do artefato, porém, durante o processo de instrumentação, por parte do sujeito ao entrar em contato com objeto através do instrumento, surgem inquietações, geradas pelas limitações que podem ser encontradas mediante interpretações feitas. Nesse momento, é necessário retomar o processo de instrumentalização sob o artefato, permitindo assim que a gênese da AI seja cíclica em seu funcionamento (Figura 14).

Figura 14 – Inscrição de processos de gênese instrumental no ciclo global

Fonte: Rabardel (1995)

14 Em entrevista à revista Critica Educativa, Saviani (2015) identifica a catarse como o "[...] ponto culminante do

processo pedagógico, quando ocorre a efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social” (SAVIANI, 2012, p. 9), do que resulta na “[...] passagem da síncrese à síntese” (SAVIANI, 2012, p. 82).

A escolha, construção ou adaptação de artefatos, para fazerem parte da atividade de gênese instrumental, deve ser meticulosa no sentido dos entraves que podem ser encontrados durante sua mobilização. Quanto a isso, Trouche (2000 apud Henriques, Attie, Farias, 2007) faz a distinção dos entraves, descrevendo três possibilidades de ocorrência:

Entraves internos (no sentido de entraves físico-eletrônicos) ligados de maneira

intrínseca ao material: trata-se de informações que podem ser acessíveis ou não, mas que o sujeito não pode alterar utilizando as únicas funcionalidades do artefato; não aparecem nem como objetivo, nem como resultado.

Entraves de comandos ligados à existência e a forma, ou seja, a sintaxe, dos

diferentes comandos: trata-se de informações que são acessíveis na interface e que o sujeito pode utilizar ou alterar com certos limites, para obter um resultado.

Entraves de organização, ligados a organização do teclado e do monitor, ou seja, a

estruturação das informações e dos comandos disponíveis: trata-se também neste caso, de informações que são acessíveis na interface e que o sujeito pode utilizar ou alterar com certos limites para obter um resultado; elas aparecem como elementos de uma técnica de realização de um tipo de exercício (HENRIQUES; ATTIE; FARIAS, 2007, p. 56-57, grifo nosso).

Além dos entraves, devemos pensar quais tipos de atividades devem ser considerados na mobilização do artefato, através do processo de instrumentação em torno do Sujeito-Objeto. Rabardel (1995) elenca que essas atividades podem ser distinguidas de três formas pelo artefato: · Estruturação simples passiva: quando o artefato faz com que a atividade seja

reestruturada para a forma que possui;

· Estruturação organizada passiva: quando o sujeito se enquadra na organização processual do artefato (dependendo do seu bom funcionamento) e a atividade ocorre com lugar, tempo e espaço definidos;

· Estruturação ativa: o artefato tem o conhecimento do sujeito, que pretende alterar o funcionamento dele para influenciar a atividade e proporcionar transformações no próprio sujeito.

Diante do exposto, sobre alguns pontos cruciais a serem considerados no processo da gênese instrumental, podemos indicar, dentro da nossa pesquisa, os elementos atrelados à ABIN. Para o modelo SAI, destacado na Figura 15, o sujeito (S), ora é o pesquisador, no que diz respeito à Pesquisa Interna, ora é o estudante do curso de Engenharia Civil, na instituição CDI1002, na Pesquisa Externa; o objeto (O), em ambas as pesquisas, é o estudo do Centro de Massa (CM); e os instrumentos (i) são os Apps, criados no ambiente computacional GeoGebra e os Modelos Concretos manipuláveis.

Figura 15 – Modelo SAI da Abordagem Instrumental nas Pesquisas Interna e Externa

Fonte: Elaboração do Autor

Com isso, vários esquemas serão necessários e irão exigir dos sujeitos S mobilizações de diferentes conhecimentos matemáticos em torno do objeto O, Centro de Massa, necessitando, assim, das competências por parte deles em relação à utilização dos recursos e ferramentas oferecidos no software GeoGebra e nos Materiais Concretos. Mais adiante, na abordagem sobre as tecnologias utilizadas em nosso trabalho, faremos uma descrição detalhada dos tipos de artefatos a serem usados, quanto a sua estruturação (simples passiva, organizada passiva ou ativa), seja para os Apps do GeoGebra, seja em relação aos Modelos Concretos, bem como dos entraves que circundam esses aparatos tecnológicos.

Porém, a ABIN isolada não é suficiente para o nosso estudo sobre o CM, que vive em uma determinada instituição, tendo em vista que ocorre a interação deste com outros saberes matemáticos; também é necessário entender a relação entre os sujeitos e esse objeto (S – O). Para isso, iremos dispor dos conceitos e elementos ligados à Teoria Antropológica do Didático (TAD), que será apresentada a seguir.