• Nenhum resultado encontrado

O interesse público insere-se ainda no âmbito dos limites à discricionariedade da Administração. Assume particular destaque no RJIGT. O n.º 1 do artigo 8º do referido regime preceitua que os instrumentos de gestão territorial identifiquem os interesses públicos prosseguidos, justificando os critérios utilizados na sua identificação e hierarquização.

153

Expressão utilizada por Desdentado Daroca. A autora considera os convénios entre a Administração e os particulares como um dos limites específicos na discricionariedade no planeamento urbanístico. Para mais desenvolvimentos veja-se Desdentado Daroca (1999), pp. 379 e ss.

154

Para desenvolvimentos sobre a discricionariedade administrativa como margem de actuação para a execução de programas veja-se Desdentado Daroca (1999), pp.91 e ss.

Do exposto resulta que os PMOT apenas podem ser elaborados se tiverem em vista a prossecução de interesses públicos, os quais podem colidir com interesses privados, pelo que se revela fundamental explicitar e identificar em cada procedimento de planeamento, quais os critérios que determinam os objectivos a prosseguir, e definir claramente esse objectivos tendo em vista alcançar o interesse público.

Os objectivos a prosseguir pelos PMOT encontram-se definidos no artigo 70.º do RJIGT. Preceitua o mencionado artigo que os Planos Municipais devem estabelecer: a tradução no município dos instrumentos de natureza estratégica nacional e regional; a estratégia de desenvolvimento local; a articulação de politicas sectoriais; a gestão programada do seu território; a definição da sua estrutura ecológica, regras de qualidade ambiental e preservação do património, opções de localização de infra-estruturas, equipamentos e serviços; parâmetros de uso do solo e fruição do espaço público; e ainda outros indicadores relevantes para a elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial. Sendo alguns destes objectivos genéricos importa especificar, em cada situação concreta, o que está em questão.

Convém ainda reter que, mesmo encontrando-se definidos os objectivos a prosseguir pelos planos, importa, em cada situação, explicitar claramente quais são, para que não sejam enunciados de forma geral e abstracta, dando cobertura a soluções que não se encontram claramente explicitadas à partida. Este facto é tanto mais relevante se se tiver em conta que a actividade de planeamento implica a ponderação de múltiplos interesses públicos e privados, tendo a Administração de definir claramente quais os factores e os critérios relevantes para a adopção de determinada decisão155.

Neste sentido há autores que chamam a atenção para as limitações que o interesse público pode conter. Este não é uma verdade absoluta, mas a melhor solução possível (ou devia sê-lo) no momento temporal a que se reporta a decisão. Se esta decisão for tomada, não pela autarquia mas por uma instância superior, na qual o governo é o órgão executivo máximo, torna-se evidente a forma como se pode transformar o interesse público na decisão da maioria expressa em termos governamentais. Assim, há que ter particular atenção para que o interesse comum ou geral não se restrinja à vontade de alguns (ainda que estes estejam em maioria), pois corre o risco de transformar-se na ditadura das maiorias. Deve antes significar, «o direito e a justiça comuns excluindo toda a parcialidade»156. Não pode ser a «soma dos interesses particulares garantida através de um déspota, de preferência benevolente, perito em aritmética política e capaz de assegurar o melhor somatório de resultados previsíveis que afectem as pessoas ou os grupos

155

Desdentado Daroca (1999), p. 346.

156

particulares»157. O interesse público é abordado, nesta dissertação, no sentido da maior

aproximação possível ao bem comum ou interesse geral, cuja distinção é salientada por José Manuel Moreira.

Na actividade de planeamento a definição de interesse público é particularmente relevante uma vez que convergem no território uma série de interesses conflituais,158 sendo a solução que o plano

encerra o resultado de consensos e ponderação dos diferentes interesses em jogo. É neste sentido que Duarte de Almeida qualifica o procedimento de elaboração de planos como «um processo de mediação de interesses»159, numa tensão de posições conflituantes, cuja revisão ou alteração de

plano visa adequá-lo a novas realidades, num processo contínuo. A complexidade de cenários e interesses envolvidos «comporta o exercício de um poder discricionário, cujo grau e espessura são directamente proporcionais à variedade das alternativas que se apresentam ao planificador, tanto na selecção dos interesses, como na composição sucessiva dos mesmos no processo de determinação das escolhas»160. Há que considerar os diferentes interesses em questão e a importância relativa que

cada um representa, assumindo o processo de desmistificação do planeamento designadamente no que respeita à sua pretensa cientificidade e “neutralidade” face aos conflitos em presença.

Assim, há que ter em consideração que os interesses assumem importâncias relativas mediante a capacidade de argumentação perante situações concretas, «os interesses juridicamente protegidos, sejam públicos ou privados, relativizaram-se uns em relação aos outros de tal forma que, indeterminados a priori, eles podem ser privilegiados ou, pelo contrário, sacrificados, em função das circunstâncias concretas que tornem uma escolha indiscutível»161.

As autarquias através dos PMOT e mediante o respeito pelo quadro de interesse público estabelecido na lei, terão o papel de conciliar os diferentes interesses em conflito no território. O referido regime jurídico vem estabelecer uma graduação, designadamente para as áreas territoriais onde convirjam interesses públicos compatíveis entre si, definindo que deve ser dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo em termos ambientais, económicos, sociais e culturais. Exceptuam-se os interesses respeitantes à defesa nacional, à segurança, à saúde pública e à protecção civil, que têm preferência perante os anteriores (artigo 9.º do referido regime).

157

Moreira, J. M. (2002)., p. 140.

158

O conflito de interesse também pode ser entre interesses privados, designadamente quando o plano admite utilizações de solo diferentes, umas ao lado das outras – utilizações que se prejudicam mutuamente. Destes casos resultam especiais dificuldades para a “justa ponderação” de interesses, sugerindo-se que o plano evite a mistura de soluções urbanisticamente incompatíveis (Correia, A. (2001), pp. 307 e 308.

159

Almeida, D. de (1995), p. 75.

160

Correia, A. (2001), p. 284.

161

Não obstante a graduação de interesses públicos em termos do RJIGT, o leque possível de opções relativamente ao que pode ser entendido como interesse público é elevado. Por exemplo, a escolha do melhor uso de solo em termos económicos e ambientais obriga a uma ponderação de critérios que podem até ser incompatíveis. Coloca-se a questão: quais são os critérios? Quem os define? Qual o peso relativo de cada um deles? E no caso de serem mutuamente exclusivos? É nesta margem que a Administração baliza a sua actuação, sendo esta fundamental para garantir a execução do plano, não podendo todavia ser o pretexto para o impedir de soluções, que igualmente válidas, não encontram eco nas aspirações dominantes.

Parece fundamental «impedir que à custa da neutralidade técnica»162 e sob o conceito de interesse

público, susceptível das mais variadas interpretações, se possam viabilizar projectos sem a necessária participação, ponderação e envolvimento dos potenciais interessados. Verifica-se, cada vez de forma mais premente, a necessidade do que Isabel Guerra designa de democracia participativa em vez do exercício da tradicional democracia representativa.163 Em jogo está um

resultado consensual entre a sociedade civil e os poderes públicos, em lugar de uma acção hierárquica conduzida pela Administração.

Está em causa não apenas o resultado final da elaboração do plano mas a forma de se chegar a determinada solução. Importa garantir que os objectivos expressos no plano traduzam a concretização de interesses públicos, entendidos como comuns. Na concretização dos PMOT estes interesses têm que resultar claramente explícitos e ser o resultado de uma ponderação baseada em critérios claramente definidos. Se tal não acontecer a proposta que o plano traduz é enviesada, e a sua concretização não traduz o interesse público no sentido de terem sido devidamente ponderados todos os interesses em questão.

Uma forma de se chegar a este interesse comum será sem dúvida a partir de processos de participação pública, onde todos os interessados dispondo de igual acesso à informação possam expor livremente as suas opiniões e contribuir para a elaboração e implementação do plano. Segundo Baguenard Jacques e Becet Jean-Marie, o funcionamento da democracia local, designadamente no que diz respeito ao acesso à informação, à transparência administrativa e à participação dos cidadãos nos processos de desenvolvimento tem vindo a registar alterações positivas164. A temática da participação será abordada no capítulo seguinte, designadamente no que

162 Sá, V. e (1993), p. 522. 163 Guerra, I. (2000), p. 44. 164

Baguenard, J., Becet, J-M (1995), p. 126. Os autores reportam-se à realidade francesa. A evolução em Portugal no sentido de uma maior democratização da participação e do acesso à informação segue os mesmos passos.

diz respeito às garantias legais existentes, às etapas de intervenção nos planos, bem como ás limitações que estão inerentes a uma participação efectiva.

Outline

Documentos relacionados