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Acesso à justiça nas causas de menor complexidade

4. SISTEMA JURÍDICO E INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA NOS

4.2. Criação judicial e Direito material nos Juizados Especiais Cíveis

4.3.1. Acesso à justiça nas causas de menor complexidade

O Direito de acesso à justiça nas causas de menor complexidade apresenta-se como manifestação de uma concepção axiológica de sistema em que o valor igualdade é colocado no ápice do ordenamento jurídico. Este Direito experimentou importante evolução no sistema jurídico brasileiro nas últimas décadas, abandonando aquela concepção liberal e individualista da mera possibilidade de propor ação e defesa por uma conotação da justiça de igualdade.

O Estado tem não apenas o dever de não impedir o exercício do Direito, mas também o dever de assegurar, em nome da igualdade dos mais fragilizados, o exercício deste Direito substancial o que se faz, segundo Mauro Capelletti e Bryant Garth mediante o movimento de acesso às vias jurisdicionais como aspecto do moderno Estado Social, em que se destacam três fases deste movimento.

O Direito formal da modernidade, na sua dimensão processual, chegou a se apresentar como praticamente inacessível para uma significativa parcela da sociedade e para uma considerável parcela de conflitos, em face da combinação de vários fatores.

Dentre as barreiras no acesso à justiça, merecem ser destacadas as custas processuais, em que se incluem as taxas judiciárias, os honorários de advogado, o tempo gasto na prática de atos processuais e o tempo de espera pela solução. São citadas também a falta de informação, que abrange até mesmo o conhecimento de um Direito subjetivo juridicamente exigível, bem como a complexidade do sistema de Direito positivo, no que se refere, entre outros fatores, às provas a serem produzidas em um processo judicial.

O sistema processual, desde o período Romano caracterizado pela oralidade, evoluiu para um processo pautado pela formas legais que, não obstante se constituírem em exceção, em face das exigências e da cultura próprias da modernidade, foram se integrando cada vez mais por um grau de complexidade e de

procedimentos que comprometem a rapidez e a efetividade do resultado de um processo, portanto, o acesso a bens que são objeto da jurisdição, em um caminho exatamente oposto ao da modernidade, que é o da rapidez nas informações e nos atos processuais da dessacralização das formalidades que se vêem cada vez mais substituídas pela racionalidade.

Existem obstáculos de ordem econômica, que representam os custos fixos, como as taxas judiciárias, além de outros custos, como o tempo, a privação dos bens objeto dos processos, as perícias, etc. tudo isso contribui de forma relevante para afastar o pequeno litigante, qualificado não apenas pela sua capacidade econômica, mas também pelo valor do objeto em disputa.

Também é apontada a centralização, em que são alijadas do serviço jurisdicional as populações das periferias e das regiões distantes em favor das regiões centrais das cidades, além da concentração nas causas em razão do seu valor econômico, dando-se relevância ao aspecto financeiro dos objetos em litígios, em detrimento de outros bens da vida.

Aliadas ao excesso de formalismo, encontram-se as dificuldades probatórias, em face do rigor das normas previstas para o processo tradicional.

Todos estes fatores contribuem, em maior ou menor escala, para dificultar o acesso e para a morosidade da justiça, congestionando os fóruns e secretarias e prolongado por muito tempo a solução das controvérsias submetidas ao Judiciário.

Em razão disso é que surgiram algumas propostas no sentido de se superar essas e outras barreiras para se alcançar um alargamento no âmbito da prestação jurisdicional. A primeira se constitui na assistência judiciária, como instrumento de acesso à ordem jurídica justa que supere barreiras como a pobreza, a desinformação, desorientação e outros fatores. A segunda destaca-se pela adaptação do sistema processual à necessidade de tutela dos interesses difusos, em especial na área da defesa do consumidor, do meio ambiente. A terceira visa à abertura das necessárias vias de acesso com o estabelecimento de procedimentos mais céleres, informais e econômicos para certos tipos de demandas, com valorização da conciliação, busca da eqüidade social e com a eliminação de regras técnicas e formalismos.204

204 CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Com o acesso à justiça nas causas de menor complexidade pretende-se uma justiça mais participativa, com a aproximação entre as partes e entre estas e o juiz, a fim de que a formação da decisão atenda aos interesses da realidade social. Para tanto, é necessário simplificar o procedimento, tornando-o mais racional, célere e compreensível, possibilitando maior ingerência das partes no desenrolar do processo, propiciando, com isso, maior aproximação da Justiça à comunidade, e fortalecendo os poderes instrutórios do juiz para que possa aprofundar-se na busca da verdade, no intento de obter solução mais razoável e satisfatória às expectativas dos litigantes.205

Tais medidas contribuem para que o acesso à justiça não seja uma mera promessa desprovida de significado, mas uma manifestação do princípio da igualdade material, na medida em que não se permite a discriminação no acesso à justiça em razão do valor ou da complexidade da causa, ou da situação geográfica dos litigantes. Dessa forma, não se permite a existência de discriminação que não seja adequada.

O constituinte de 1988 houve por bem seguir a tendência apontada por Cappelletti, que é a de alargar o acesso à jurisdição, com o tratamento dos interessados em litígios de pequena monta em um sistema processual mais apropriado a suas peculiaridades.

Os Juizados Especiais Cíveis foram criados pela Constituição de 1988 como um novo sistema processual, dentro do sistema de jurisdição do Estado brasileiro, com o objetivo de eliminar, ou pelo menos diminuir, tais barreiras que dificultam o acesso à justiça.

Este procedimento é caracterizado pelo reforço do pluralismo, pela simplificação e pelo fortalecimento dos poderes do juiz. O pluralismo é ressaltado no reconhecimento da autonomia individual, com enfoque no aspecto conciliatório como o preferido para a solução de controvérsias. A simplificação do procedimento se relaciona com os princípios da oralidade e da informalidade e resulta no fortalecimento do papel do juiz, o qual é instrumentalizado com regras processuais flexíveis, de cunho principiológico em que se ressaltam aspectos práticos, aliado à limitação da utilização dos recursos como fruto do capricho dos litigantes, e reconhecimento de iniciativas probatórias do juiz.