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O Direito alternativo, pluralismo e eqüidade

2. EQÜIDADE, PLURALISMO JURÍDICO E INTERPRETAÇÃO

2.2. Criação judicial, pluralismo jurídico e o movimento do Direito alternativo

2.2.3. O Direito alternativo, pluralismo e eqüidade

O movimento do Direito alternativo deu enorme contribuição ao desenvolvimento do Direito nacional, especialmente com o reconhecimento do pluralismo jurídico, fundado na concepção de que o Estado não pode colocar-se como monopolista na criação do ordenamento jurídico, mas também com a concepção de que a norma deve ser interpretada de acordo com uma idéia de justiça que lhe é transcendente.

Com relação ao primeiro aspecto, destaca-se a pesquisa e as críticas que terminaram por reforçar importante tendência constatável na atualidade que é o reconhecimento de novos sujeitos de Direito.

Estes novos sujeitos de Direito têm dado importante contribuição para a renovação e transformação do Direito em especial no campo processual, que se constituem nas associações de classe, associações de moradores, sindicatos. São organizações não-governamentais que dedicam-se à defesa do meio ambiente, dos Direitos do consumidor, de assistência social, do desenvolvimento, da paz, etc. Tais sujeitos caracterizam-se por uma importante participação na formação do Direito e por considerável parcela de autonomia.

A vigente ordem constitucional reconhece-lhes até mesmo a participação ativa no processo de controle de constitucionalidade (amicus cure), como previsto na

Constituição Federal (art 5o, inciso xxi) e na Lei no. 9.868, de 10 de novembro de 1999 (art. 7o, § 2O).

Tais sujeitos tem relevante papel na construção do Direito, fazendo por merecer a denominação de membros da sociedade aberta dos intérpretes da constituição: “no processo de interpretação constitucional estão potencialmente envolvidos todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus

clausus de intérpretes da Constituição”.138

Se o Estado se reconhece como despido do monopólio da criação do Direito também se reconhece incapaz de monopolizar a solução de conflitos. Na atualidade, e em particular com os Juizados Especiais Cíveis, estas declarações surgem na instituição de um sistema em que se privilegia a solução consensual de conflitos (art. 98 da CF e 3o, da Lei 9.099/95), mas também na conclamação de pessoas não integrantes dos quadros estatais para o exercício da jurisdição e direção de processos estatais de solução de conflitos, com é o caso dos juízes leigos e conciliadores, e até mesmo na instituição da arbitragem como mais uma forma alternativa de solução de conflitos no seio do Estado.

Um segundo aspecto do Direito alternativo, e que, na nossa opinião, torna-o um instrumento inconsistente na busca da justiça, é o comprometimento ideológico com os oprimidos e, a partir daí, de um Direito que aspire ao justo diante da simples constatação de que as normas são inadequadas.

O perigo desta pressuposição consiste basicamente em dois pontos. O primeiro é que ela corresponde a uma ideologia (marxismo), que inclusive já não é apresentada como alternativa viável ao capitalismo, o que, de entrada, elimina a possibilidade de pluralismo. O segundo ponto é que ela implica em se ignorar um dos mais caros valores da sociedade moderna, que é o princípio da igualdade.

Uma das grandes conquistas da história da humanidade alcançada com as revoluções que iniciaram a Era Moderna é a consideração de que os indivíduos nascem iguais. Embora o Estado moderno tenha sido débil no cumprimento da sua missão de busca da igualdade material, com o real oferecimento de oportunidades iguais para todos, a verdade é que a igualdade formal, alcançada com a observância da lei gera uma relativa segurança no que se refere às expectativas dos cidadãos, e nisto reside um grande e importante sentido de justiça.

138 HARBELE, Peter: Hermenêutica constitucional. A Sociedade Aberta dos intérpretes da constituição:

Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, tradução de Gilmar

A possibilidade de decisões jurídicas que tenham por objetivo tão somente resgatar o sentido de justiça que algum dia foi perdido, com a eliminação de “qualquer tipo de opressão”, corresponderia a uma imediata sensação de realização de uma decisão justa, mas poderia também representar uma total quebra de expectativas legítimas por parte dos demais integrantes da sociedade, se não houver referência a um outro parâmetro que refira-se à igualdade, como, por exemplo, o Direito constitucional ou as garantias fundamentais de modo aceitável pela comunidade jurídica.

Neste aspecto, as decisões que melhor cumprem a função de eliminar a opressão e assegurar a realização da justiça são aquelas decisões tomadas coletivamente, segundo procedimentos democráticos e previsíveis e o mais impessoais possíveis, e que se traduzem no processo legislativo. É necessário, entretanto, que as leis estejam abertas às necessidades do caso particular.

Não se procura aqui, fazer apologia ao legalismo, mas ressaltar que a lei, como decisão coletiva e democrática, deve ser observada, assim como devem ser observadas as bases constitucionais em que ela se baseia, bem como a finalidade a que ela se propõe, o que pode ser objeto de controle pelo Judiciário.

Nas sociedades modernas a sede destas decisões é a Constituição, que regula os procedimentos para os debates em torno dos interesses em confronto, estabelecendo, ademais, algumas decisões fundamentais que devem reger o discurso social.

É a Constituição, portanto, a fonte principal das regras que regulam o processo legislativo e o processo judicial.

Aqui abordamos o tema para concluir sobre a impossibilidade de existência de duas ordens jurídicas no mesmo espaço territorial, embora o Direito que caracteriza as sociedades democráticas não possa afastar-se de suas características da autonomia, da abertura etc., sob pena de sacrificar-se uma das maiores conquistas da sociedade, que é o estado de Direito, e, portanto, a própria noção de Estado, que embora ineficiente, ainda se constitui instrumento para as classes oprimidas.

Os poderes do Estado, em especial os Poderes Legislativo e Judiciário devem funcionar como constante centro de diálogo de interesses conflitantes, onde os menos favorecidos possam, através de organização e participação, fazer-se inserir na vida econômica e social da nação.

2.3. Interpretação sistemática e eqüidade