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Importância da noção de sistema jurídico

2. EQÜIDADE, PLURALISMO JURÍDICO E INTERPRETAÇÃO

2.3. Interpretação sistemática e eqüidade

2.3.2. Importância da noção de sistema jurídico

A crítica ao modelo de subsunção levada a efeito pela tópica, pela lógica do razoável e pela nova retórica renovou a discussão em torno da utilidade e possibilidade da construção do sistema na ciência do Direito.

Se, por um lado, estas correntes negam a possibilidade de um sistema do tipo axiomático, a exemplo das ciências formais e naturais, por outro lado, a importância de uma concepção sistemática do Direito não é ignorada mesmo por juristas que se posicionam em torno de um fundamento de ordem pragmática.

Em todas essas vertentes a eqüidade aparece como instrumento de realização de justiça, nas concepções de sistema e de preceito normativo apresentam-

se como indispensáveis para o operador do Direito. Chaïm Perelman, um dos fundadores da nova retórica, afirma que: “o Direito se desenvolve equilibrando uma dupla exigência, uma de ordem sistêmica, a elaboração de uma ordem jurídica coerente, e outra, de ordem pragmática, a busca de soluções aceitáveis pelo meio, porque conformes ao que lhe parece justo e razoável”.145

A complexidade da sociedade moderna, que distingue o Direito dos outros sistemas, como a política, a moral e a religião, não pode admitir que o Direito se desprenda da sua finalidade e da sua essência. Destaque-se que, tanto a concepção formalista e positivista própria de uma abordagem sistemática do Direito, quanto uma concepção mais aberta, no caminho da retórica, da tópica, da teoria da argumentação e da lógica do razoável, todas têm em vista a essência do Direito, que é a idéia de justiça.

Por isto que, qualquer que seja a posição que se tome sobre a compreensão do Direito, estão sempre em ponderação a segurança jurídica e a eqüidade como signos da justiça.

Assim, não servem, por si só para definir o sistema jurídico os sistemas de puros conceitos fundamentais.

O sistema lógico formal da jurisprudência dos conceitos, que tinha a pretensão de se constituir em um sistema de regras logicamente claro, livre de contradições e sem lacunas, sob um conceito manifestamente positivista de ciência, que chegou mesmo a ser comparada à matemática, é posição hoje ultrapassada, porque a unidade interna do Direito não reside na lógica, mas antes em valores.146

O sistema axiomático-dedutivo, no sentido da logística, é também rejeitado por ser inconciliável com a ciência do Direito. A ausência de contradições não é encontrável no Direito, por ser este um sistema de valores e princípios. O mesmo se pode dizer da plenitude, que exige que todas as conclusões corretas, dentro do âmbito a caracterizar, devem ser retiradas do sistema de axiomas. As necessidades reais do caso concreto exigem um grande número de cláusulas carecidas de preenchimento com valorações (boa fé, cuidado, costumes, etc...), portanto, de dogmatização impossível, o que inviabiliza um sistema axiomático-dedutivo.147

145 PERELMAN, Chaïm: Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 238.

146 CANARIS, Claus-Wilhelm: Pensamento Sistemático E Conceito De Sistema Da Ciência Do Direito. Lisboa:

Fundação Calouste Culbenkian, 1997, p. 30. 147 Idem, ibidem, p. 44.

O conceito de sistema na jurisprudência dos interesses é pouco adequado para exprimir a unidade interior e a adequação da ordem jurídica, que são imanentes ao próprio conceito de sistema.

O pensamento sistemático é próprio do jurista: “não é tarefa do teleológico encontrar uma qualquer regulação “justa”, a priori no seu conteúdo – por exemplo, no sentido de Direito natural ou da doutrina do “Direito justo” – mas apenas, uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas conseqüências até ao fim, transpô-lo para casos comparáveis, solucionar contradições derivadas do aparecimento de novos valores”.148

A concepção sistemática na jurisprudência dos interesses, no entanto, não vai além. O sistema de decisões de conflitos na jurisprudência dos interesses de Philip Heck ressente-se da falta de elementos intermediários, ocupando-se dos mais altos valores do Direito como justiça e eqüidade, bem como dos juízos de valor expressos nas normas singulares.

O Direito como ordenação, como sistema de normas, não parece ter sido preocupação dos que defendem uma maior autonomia para as ordens jurídicas não- estatais, como é o caso dos defensores do Direito livre. Eles optam, antes, por uma espécie de conexão de institutos jurídicos com as relações da vida. Canaris adverte, entretanto, que tal identificação não serve ao Direito, que tem objeto próprio.149

Simplesmente se dispensa a unidade e a adequação como necessidades inerentes ao direto, como se não correspondessem a uma especial manifestação da justiça. Esquecem-se de que o reconhecimento de ordenamentos paralelos não é, por si só, garantia de ordem jurídica justa. A ausência do Estado, muitas vezes pode representar a sua substituição por uma ordem mais injusta. Uma tal ordem, por não ter limites, por não estar integrada e não ter linhas de comunicação com a sociedade termina por impor uma ordem sem qualquer limite, o que autoriza o caos e a barbárie.

Um pluralismo deste teor, embora sob o manto da eqüidade, representa uma perigosa fenda na organização da sociedade e não garante, por si só, o objetivo de toda a experiência do Direito, que é a busca da justiça. Como já destacou Amilton Bueno de Carvalho. “... Terrível reconhecer que há algo 'alternativo' nos presídios, em porões de algumas delegacias de polícia, em zonas comandadas por traficantes. O que se quer apontar é a necessidade de se evitar o erro de reconhecer por

148 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema da ciência Do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Culbenkian, 1997, p. 75

democrático qualquer “alternativo”, porquanto alguns efetivam a barbárie e são mais cruéis de que certos Direitos que emergem de Estados ditatoriais”.150

Os ordenamentos jurídicos estatais e extra-estatais gravitam em torno de um núcleo central social, baseado em valores e em finalidades, caracterizado pela ordenação interna e pela unidade, que o qualificam como um sistema.