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Contraditório e ampla defesa

4. SISTEMA JURÍDICO E INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA NOS

4.2. Criação judicial e Direito material nos Juizados Especiais Cíveis

4.3.6. Contraditório e ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa são previstos na Constituição Federal como garantia de que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5o, inciso LV da CF). Trata-se de manifestações do princípio do devido processo legal, no sentido da igualdade de tratamento das partes.

Este princípio baseia-se no binômio informação/reação.210 A informação traduz-se na oportunidade de se dar a conhecer às partes os termos das pretensões de cada uma das partes, e permite também a reação, com a possibilidade de o interessado insurgir-se contra os atos do juiz e dos auxiliares do juízo. No processo judicial tradicional, e mesmo no processo administrativo, o contraditório é levado a um nível inferior de concreção através da legislação ordinária.

Embora o Direito tenha por base expectativas que são legitimadas através do processo, este tem como uma de suas características a incerteza quanto ao conteúdo da decisão que será tomada e esta incerteza é que dá aos participantes o

210 LIMA, Francisco Gérson Marques de: Fundamentos Constitucionais Do Processo, Sob A Perspectiva da

estímulo a cooperarem para o progresso do processo por meio de tentativas de redução da incerteza. O contraditório apresenta-se como o instrumento através do qual se transforma aquela expectativa em decisão. Sem o contraditório não há processo, por não se permitir o diálogo necessário.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, mais do que em qualquer outra espécie de processo, é ressaltada a importância dos princípios constitucionais do processo, pois são eles que dão sustentação e legitimidade ao procedimento, que é de grande simplicidade. Assim, mais do que uma atividade interpretativa vinculada a um sistema axiológico-finalístico, a atividade jurisdicional representa a criação de normas individuais a partir de princípios.

O contraditório é exigência do caráter dialético do processo. Isto significa assegurar às partes o Direito de se defender em igualdade de condições, de acordo com os meios, prazos e oportunidades, com contraditório proporcional à acusação, ou seja, com paridade de armas.

A participação das partes é indispensável e faz-se mediante a simplicidade, informalidade e oralidade que facilitam o processo dialético de direção processual sem a intermediação da linguagem técnica dos juristas. Aqui, porque são assistentes e não representantes das partes (art. 9o. da Lei 9.099/95), a função dos advogados não é a de mediar de maneira monopolista o diálogo, mas a de orientar e informar tecnicamente às partes sobre estratégias e posições a serem tomadas no curso do processo e a de auxiliá-las na discussão da causa.

Os princípios antes citados exigem a participação das partes nas provas e, por não haver tarifação legal, o juiz tem poder alargado para dirigir a instrução, o que confere aos interessados diretos uma participação importante no auxílio desta tarefa judicial.

Na lei de regência não há prazo mínimo estabelecido entre a citação e a audiência onde se dá a defesa, mas nem por isto o Direito ao contraditório deve ser atropelado. Certamente não é o caso de trazer-se para o procedimento que aqui se desenvolve, que por disposição constitucional deve ser célere (art. 98), os prazos do processo tradicional.

Entretanto, é de bom alvitre que se examine, em cada caso, se a celeridade impediu a parte de apresentar argumentos ou provas que permitam uma melhor análise dos fatos e dos interesses em disputa, tendo por parâmetro o princípio da proporcionalidade.

O valor maior que se dá à participação e a grande freqüência com que as partes comparecem sem advogados, exigem que a celeridade não se constitua em privação das partes do conhecimento dos termos da demanda, como a delimitação precisa do objeto e da causa de pedir, devendo-se, ainda permitir a manifestação sobre os fatos e argumentos trazidos pela outra parte.

Se isto não ocorre o processo não se submete aos princípios do contraditório e da ampla defesa e se transforma em verdadeiro processo inquisitorial em afronta às garantias do cidadão. Sobre este perigo já se pronunciou a advertência de que: “...inadmissível, por tais razões, submetam-se os litigantes pura e simplesmente ao impulso do órgão judicante e ao sem empenho em chegar a uma correta definição da causa, ou se restrinja este a apaticamente recolher o resultado da atuação das partes. Em vez do juiz ditador, dono de um processo inquisitório e autoritário, ou de um processo totalmente dominado pelas partes, como anteparo ao arbítrio estatal (a exemplo do sucedido na Idade Média com o processo romano- canônico), importa fundamentalmente o exercício da cidadania dentro do processo, índice da colaboração das partes com o juiz, igualmente ativo, na investigação da verdade e da justiça...”211

Assim, o princípio do contraditório, mais uma vez, irá implicar no estabelecimento de regras novas, estabelecidas casuisticamente e balizadas nos Direitos fundamentais, compatíveis com situações de fato criadas por um processo mais participativo.

O caráter dialético do processo, que decorre do princípio do contraditório, também se expressa na produção de provas, que, nos Juizados Especiais, é caracterizado por uma ampla liberdade judicial pela inexistência de regras a que deva se submeter a atividade prática de demonstração de fatos (art. 32 da Lei 9.099/95) e pela autorização para produção de prova de ofício, em clara conotação do caráter público-social do processo, em oposição à idéia privatista do processo civil tradicional.

Em face desta maior liberdade, urge que as partes participem da instrução, opinando e manifestando-se sobre as provas produzidas, sob pena de transformar aquela liberdade judicial de dirigir a instrução na busca da prova em procedimento inquisitorial, o que representaria um retrocesso no reconhecimento do devido processo legal como uma das garantias do Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, é de salutar importância que, mesmo sem previsão específica na lei, seja incluída uma oportunidade para que as partes (ou seus advogados) se manifestem sobre as provas produzidas.

Uma compreensão adequada do devido processo legal reclama a participação dos interessados em todo o processo, sob a direção do juiz, e inclui a oportunidade para um debate final sobre os interesses em jogo, para que a decisão seja a mais razoável possível.

Outra manifestação do contraditório é o duplo grau de jurisdição, que se expressa na possibilidade de impugnação das decisões judiciais contrárias ao interesses das partes.

O ato de julgar não se esgota na busca da única solução correta como parece ser a idéia central do positivismo jurídico. Caso assim se queira entender, o recurso terá a finalidade de corrigir eventual erro no julgamento de primeiro grau. Teremos, então, que nos conformar com a pessimista conclusão de que é alto o grau de erro nos julgamentos em face do alto percentual de reforma.

Preferimos pensar que o ato de julgar baseia-se na escolha dentre as várias soluções possíveis que a interpretação de um texto normativo admite e a que nos leva a análise das provas, aquela que seja mais adequada para o caso concreto, com base na análise dos argumentos vários que são apresentados antes da decisão. Isto, no nosso entender, representa uma manifestação da eqüidade, pois os elementos da realidade, as necessidades concretas passam também a fazer parte da decisão.

É importante lembrar que as decisões judiciais necessitam de aceitabilidade, o que se alcança quando as partes a cumprem sem recurso, quando a decisão é confirmada pela superior instância, ou até mesmo quando a decisão é modificada para substituição de um argumento de ordem prática ou empírica, ou outro, de ordem sistemática, como a necessidade de compatibilizar o caso concreto com a generalidade dos precedentes.

Por outro lado, o procedimento instituído pela Lei no 9.099/95 ressalta aspectos da eqüidade ao reforçar poderes dos julgados de primeiro grau. Este reforço decorre do caráter público-social do processo em que a sua marcha não fica dependente do alvedrio das partes que, diante de qualquer ato do juiz que lhe cause contrariedade possa recorrer à superior instância para buscar sua modificação.

No procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, somente a decisão final é passível de recurso (art. 41), o qual deve ser julgado por juízes de primeiro grau, dos

quais se supõe contato mais imediato com a realidade dos conflitos. Mesmo neste caso, quando impugnadas as decisões, a presunção de legitimidade é do ato judicial, o que significa que a interposição de recurso não impede a execução do julgado.

É importante que as decisões que têm por base a racionalidade, ou seja, o critério da melhor solução, tenham a garantia do duplo exame. Isto não significa, entretanto, que o interesse individual de reapreciação de uma decisão que já foi submetida a todo um processo, em que todas as oportunidades para o diálogo se esgotaram, e em que a solução foi dada por juiz investido de seus predicamentos se sobreponha ao interesse público-social de se alcançar à efetividade da jurisdição.