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A idéia de simplificação das normas substantivas nos Juizados Especiais

4. SISTEMA JURÍDICO E INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA NOS

4.2. Criação judicial e Direito material nos Juizados Especiais Cíveis

4.2.1. A idéia de simplificação das normas substantivas nos Juizados Especiais

No procedimento dos Juizados Especiais Cíveis há um dispositivo que prevê que: “O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum” (art. 6o da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1996). A tese de que o dispositivo referido autoriza a prolação de decisões “justas e equânimes” na interpretação e aplicação de normas de Direito substancial, até mesmo contra o sentido mais usual da lei, é apontada como uma das medidas tendentes a ampliar o acesso à justiça, mas que encontra fortes resistências.

Esta visão tem forte influência do denominado “Direito alternativo”, que coloca-se na luta pela realização de uma sociedade justa tendo por instrumento a construção do Direito, mesmo fora das amarras legais e sem vinculação com os preceitos normativos tradicionais.

O pressuposto desta visão é o de que os Juizados Especiais Cíveis não podem se transformar em órgãos jurisdicionais nos quais o centro do debate seja a técnica jurídica, mas a sua função é sempre a busca da justiça. Além disso, as partes, quando não são assistidas por operadores do Direito não estarão aptas a compreender as decisões baseadas na dogmática tradicional.

Com a dispensa das formalidades legais, os juízes estariam mais livres para a busca da decisão justa, independentemente dos preceitos normativos e da técnica jurídica.

Não obstante a constatação de que o diagnóstico é correto, não se mostra razoável definir o exercício da atividade jurisdicional nos Juizados Especiais Cíveis como se manifestasse em um ordenamento jurídico distinto, como se a ordem jurídica nacional fosse diferenciada para as causas de menor complexidade, e como se, também nas causas mais complexa, o objetivo do sistema jurídico fosse outro que não o de alcançar a decisão mais “justa e eqüânime”.

4.2.2. Inadmissibilidade de ordens jurídicas distintas

A abertura maior do sistema jurídico, de modo a permitir a adoção mais intensa da eqüidade na produção do Direito, não caminha no sentido do Direito alternativo, mas apresenta-se como exigência e necessidade do próprio Direito oficial, que não pode ignorar a concepção pluralista da sociedade. A criatividade na interpretação e aplicação do Direito não pode ser concebida como manifestação de um ato “heróico” de subversão da ordem jurídica, ou como ato de quem “explora fissuras” no ordenamento.

Ao contrário, a eqüidade pressupõe a observância de uma espécie de justiça que representa a igual aplicação da lei para todos, pois isto representa um dos primados básicos das organizações sociais da modernidade, que é o princípio da igualdade formal: “... toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares...”.200

Cappelletti coloca-se contrário à tendência de simplificação das normas substanciais apontando o fato de que: “a dispensa das formalidades técnicas, todavia, não irá assegurar automaticamente a qualidade de decisão do tribunal. Antes de mais nada, as pessoas devem ser capazes de planejar seu comportamento de acordo com os dispositivos legais e invocar a lei, se trazidos ao tribunal. É claramente impossível desprezar por completo as normas legais. Além disso, existe o perigo de que um relaxamento dos padrões substantivos permita decisões contrárias à lei em prejuízo de novos Direitos”.201

A complexidade da vida moderna não permite que as decisões judiciais sejam tomadas tão-somente no com base no conceito do que é “bom e justo” sob o

200 ARISTÓTELES: Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martins Claret, 2001, p. 125.

201 CAPPELLETTI, Mauro, e GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

ponto de vista da moral do julgador. A diferenciação entre moral, Direito e outros sistemas sociais é uma imposição e uma necessidade dos nossos dias que não pode ser desprezada. Certamente o Direito há de estar sempre vinculado a um referencial ético que se reporta aos Direitos fundamentais do homens, eis que a dignidade da pessoa humana é o ápice do ordenamento jurídico.

Os valores morais e os interesses sociais, no entanto, devem fazer referência a procedimentos legislativos e judiciais para que alcancem validade. Os critérios de “bom e justo”, portanto, devem estar vinculados, dentre outros, aos princípios da legalidade e do devido processo legal.

O Direito moderno baseia-se em que os valores sociais, normas e expectativas de comportamento têm de ser filtrados através de processos de decisão, antes de poderem conseguir validade legal.202 É indispensável que se poupe tempo com a escolha de modelos pré-constituídos em que se expressam as leis, as quais têm grande significado para que o Direito seja visto em seu conjunto, para a praticabilidade de sua atuação e para a segurança jurídica que é assegurada pela previsibilidade da decisão.

A possibilidade de utilização da eqüidade em graus diferentes, como critério absoluto de justiça, e sem um outro paradigma, representaria uma grave ruptura no sistema de Direito, com comprometimento da unidade que deve prevalecer na caracterização de qualquer Estado. Tal risco representará a possibilidade de um real e perigoso pluralismo jurídico com mais de um ordenamento jurídico. Não há qualquer indício de que tal possibilidade represente uma melhoria nas relações sociais, sob o ponto de vista jurídico, de forma a se encaminhar na direção de uma sociedade justa. Ao contrário, se caminhará na direção de uma sociedade fracionada e cada vez mais injusta e dividida por um enorme fosso de aspectos econômico, cultural e jurídico.