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Tipicidade e valoração da prova

6. EQÜIDADE, PROVAS E ARGUMENTAÇÃO PRÁTICA NO ÂMBITO

6.3. Prova e argumentação nos Juizados Especiais Cíveis

6.3.2. Tipicidade e valoração da prova

A busca da verdade sempre foi um problema no processo. Desde os rudimentos da história do processo, o grande obstáculo a ser ultrapassado na busca da solução justa de um caso foi encontrar afirmações sobre o estado de coisas que pudessem dar suporte a decisões que se apresentem como adequadas sob o ponto de vista da justiça e da segurança jurídica.

A verdade, no Direito, é uma questão muito complexa. Se a questão da verdade, na definição e compreensão do Direito como ordenamento jurídico, é de difícil solução, tal não é muito diferente da verdade, enquanto fato da vida que serve de suporte a interesses juridicamente protegidos.

Do antigo sistema do livre convencimento se passou, no Direito medieval, para um sistema em que as provas eram manifestações místicas associadas a divindades, como as ordálias e juízes dos deuses, evoluindo, no auge do legalismo, para um sistema tarifário, em que se atribuía um valor específico a cada tipo de prova,

até se chegar ao sistema moderno, baseado na livre investigação fundamentada, que se baseia na liberdade do juiz em apreciar a prova, com a necessidade de que sejam apresentados argumentos racionais em relação a elas.

A cultura legalista, entretanto, não tem permitido que este sistema se desenvolva adequadamente, impondo inúmeras regras na apreciação e na valoração da prova. Basta ver que o atual Código de Processo Civil apresenta dispositivos que têm por objetivo especifico disciplinar a produção do depoimento de partes, oitiva de testemunhas, apresentação de documentos, chegando até mesmo a indicar critérios de valoração da prova, o que é prerrogativa indissociável do ato de julgar.

A pretensão de aproximação da verdade jurídica à verdade segundo o fato da vida chegou no ponto máximo na apreciação da prova, oportunidade em que, mais do que em qualquer outra, se pretende encaixar os fatos da vida nas formas legais, segundo o critério tradicional da verdade formal. Neste campo, o que se perquire não é o fato relevante que originou o conflito, ou o fato da vida que impede a sua solução, mas sim o fato que se enquadra em uma previsão legal e pode ser reproduzido no processo como expressão da realidade.

É certo que o Código de Processo Civil estabelece uma certa liberdade na valoração das provas atípicas (art. 131), e, por outro lado, esta liberdade não é tão ampla na produção das provas. Não obstante o sistema vigente ser o da persuasão racional, a lei ainda submete vários fatos à tipificação, exigindo que o fato da vida se enquadre em um ritual para ter validade.

A Lei no. 9.099/95 abandonou por completo este sistema, estabelecendo regras mínimas para a produção de provas, e não apresentando nenhuma regra sobre a valoração de prova.

Uma das importantes garantias, decorrente da ampla defesa, é a permissão para a produção de qualquer prova, independentemente de previsão em lei, com o que se permite ao juiz, afastando-se das previsões legais estáticas, investigar a verdade que se apresente como útil ao processo.

Como não há regras sobre a produção de provas, nem sobre o valor que tem cada uma delas, não se aplicam as regras de tarifação próprias do sistema tradicional, como é o caso dos arts. 378, 401 e 405 do Código de Processo Civil.

Assim, o valor probatório de uma fotocópia não pode estar subordinada ao ritual formalístico da autenticação pelo tabelião. Se a sua autenticidade for contestada, os demais elementos probatório certamente darão maior grau de certeza

ao julgador quanto ao seu valor do que o mero ato mecânico da autenticação, que, como se sabe, é apenas superficial.

Da mesma forma, as autenticações de firma de que trata o art. 369 do Código de Processo Civil não se aplicam ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis. A falsidade de uma assinatura é muito mais facilmente detectadas em uma audiência de instrução e julgamento, com a análise de vários elementos probatórios e diante do contraditório, do que uma simples assinatura de um tabelião, que, quase sempre sequer tem contato com as pessoas em relação às quais firmou a autenticidade do documento.

De igual sorte, a lei dá relativo valor ao depoimento das testemunhas suspeitas e impedidos, como se o valor do depoimento das demais fosse absoluto (art. 405, § 4o, do Código de Processo Civil). No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, como não há regras sobre a produção e valor destas provas, o que vale para aferir a idoneidade da prova é a verossimilhança, extraído de todos os elementos do processo e dos fatos da vida.

Isto não significa o retorno ao sistema do livre convencimento. O processo liga-se às diretrizes do Estado Democrático de Direito e é garantido por regras e princípios constitucionais que asseguram às partes que, na busca da verdade, ao mesmo tempo em que concede mais ampla liberdade ao juiz, permite aproximá-lo dos fatos e do conflito de interesses que se formalizou no processo.

Embora o sistema seja o da oralidade, que está associada ao livre convencimento, a persuasão racional rege o procedimento. O juiz tem liberdade na produção da prova, mas também tem o dever de motivar a decisão, o que significa que deve recorrer à sabedoria prática, à experiência comum, pois tem o dever, para com a sociedade, de justificar a sua atuação.

A Constituição exige que as razões da decisão sejam expostas. Esta regra tem por objetivo impor um certo controle à atividade do juiz de valorar a prova. Se é certo que o juiz tem liberdade para dar a cada elemento de demonstração dos fatos o valor que merece, segundo as máximas da experiência comum, é certo também que tal liberdade não é absoluta, ao estilo do antigo processo oral e do livre convencimento.

A motivação tem por objetivo trazer a público as razões do convencimento, reconstruindo a linha de pensamento que levou o juiz a decidir. Com isto se possibilita que também a parte expresse assentimento às razões da decisão. Assim, a valoração dada às provas não é apenas a valoração do julgador, mas também

a valoração das partes, se com ela se resignaram, ou da comunidade jurídica, se por outro modo se alcançou a coisa julgada.

De qualquer sorte, a valoração principal que se dá à prova é aquela alcançada com a participação do juiz que diretamente conheceu da prova e dos interessados. Se, no âmbito dos procedimentos do Código de Processo Civil, o valor da a prova típica é relativa, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis reforçam-se os aspectos da eqüidade na medida em que o preceito normativo não media o processo de procura e descoberta da verdade.

Neste campo, a busca da verdade está muito mais voltada para aspectos da verossimilhança, alcançada por meio do diálogo e do debate sobre elementos da realidade.

Com isto, se dá também publicidade à atividade jurisdicional. Mais do que a simples publicidade, tal regra permite uma argumentação racional em segundo grau de jurisdição, em caso de recurso, com o que o juiz é controlado também por este auditório especializado. Neste caso, o orador tem, naturalmente, a pretensão de obter o consenso em torno do seu discurso, e irá trabalhar com afinco para eliminar qualquer resistência em relação a ele, eliminando, por conseqüência, o maior número possível de subjetivismo na apreciação das provas. A sua preocupação, portanto, será a de demonstrar que a sua decisão foi justa, e tentar convencer os interessados (partes, advogados, juízes de segundo grau), de que a sua decisão deve ser mantida, e, portanto, ela é a melhor solução para o conflito.

Além disso, a necessidade de reconhecimento da verdade formal está associada a vários institutos de Direito processual, como a revelia, as conseqüências do ônus da prova, as preclusões, etc...