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Acidentes com animais peçonhentos marinhos e/ou contato com animais marinhos

Os trabalhadores da pesca artesanal de mariscos tanto podem sofrer acidentes com animais peçonhentos ou marinhos. Estes estão sujeitos a picadas e mordidas de peixes venenosos, que podem ser muito dolorosas e eventualmente graves. Por isso, é necessário realizar um levantamento dos animais marinhos venenosos exis- tentes na região de atuação do trabalhador, para em seguida identificar antídotos, medicamentos, procedimentos em primeiros socorros e medidas preventivas.

São inúmeros os animais marinhos que podem provocar acidentes de menor ou maior gravidade. A partir da descrição feita por Haddad Júnior (2000), foram sele- cionados os animais marinhos invertebrados e vertebrados de maior interesse para a saúde do trabalhador da pesca artesanal, também identificados durante a pesquisa realizada: 1) Invertebrados: As Poríferas e Esponjas são circulares, possuem espículas e esqueleto de carbonato de cálcio, espongina e sílica. São recobertas por uma espécie de “limo tóxico” e irritativo que ao entrar em contato com a pele desencadeia uma dermatite eczematosa muito pruriginosa, com surgimento de eritema, edema, for- mação de pápulas, placas, vesículas e raramente bolhas, e que evolui para a cura em torno de duas semanas, sem complicações sistêmicas. Reações anafiláticas podem ocorrer. (HADDAD JÚNIOR, 2000)

O tratamento é feito no sentido de aliviar a inflamação local, com uso de poma- das de corticoides e compressas de água fria. Alguns autores indicam a utilização de ácido acético a 5% (vinagre) na pele afetada, isso após a remoção das espículas que penetraram no local com a ajuda de uma fita adesiva.

Os Cnidários, que englobam as águas-vivas, corais, medusas, anêmonas e cara- velas, também apresentam estrutura circular, porém alternam o ciclo de vida entre duas formas, a livre ou medusa, e a fixa ou pólipo. Apresentam organelas de defesa (nematocistos) que ao sofrerem alterações da pressão ou osmóticas ejetam veneno por meio de espícula distal inoculando-o na pele do acidentado e provocando ma- nifestação clínica que ocorre de acordo com tipo de ação desencadeada, podendo ser tóxica ou alérgica. Após contato com o animal ocorre dor intensa, seguida de erupção papuloeritematosa pruriginosa, podendo haver formação de placas, e mais tardiamente, vesículas, bolhas e necrose. As reações alérgicas podem ser imediatas,

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como angiodema e choque anafilático, ou tardio com persistência das lesões por mais de 48 horas, manifestando lesões à distância, reações recorrentes ou dermatite de contato tardia. O quadro álgico permanece por horas e complicações sistêmicas podem se instalar e levar o acidentado a óbito, como insuficiência cardíaca, choque, insuficiência respiratória, hemólise e insuficiência renal. Os acidentes com maiores consequências são provocados por cubomedusas (Chironex sp, Chiropsalmus sp) e caravelas (Physalia spp). (HADDAD JÚNIOR, 2000)

Os acidentes por anêmonas, falsos corais ou corais de fogo são discretos. Acidente por contato com anêmonas pode cursar com pápulas eritematosas. Em sua maioria, os corais verdadeiros provocam acidentes leves, sendo que em algumas situações podem provocar lesões profundas. Neste tipo de acidente podemos observar lesões exulceradas, úlceras ou o desenvolvimento de reação granulomatosa tipo corpo estra- nho. Como complicações, são descritos: hiperpigmentação residual, queloides, atrofia de tecido subcutâneo, gangrena, mononeurite multiplex, síndrome Guillain-Barré e trombose venosa profunda. Os acidentes com Cnidários são tratados com analgesia, com uso de dipirona intramuscular, e aplicação na pele de compressas de água gelada ou cubos de gelo recobertos. Nos acidentes por caravelas, devem-se usar compressas de ácido acético (vinagre), pois este possui ação que inativa o veneno diminuindo a dor e a inflamação. Rotineiramente, não se usa anti-histamínico. Os casos de maior gravidade devem ser atendidos em urgências, com a devida prevenção das compli- cações. (HADDAD JÚNIOR, 2000)

Os Equinodermos, que compreendem as estrelas, ouriços e pepinos-do-mar, são arredondados. Os ouriços-do-mar apresentam a superfície tomada por espículas que provocam acidentes traumáticos atingindo comumente as regiões plantares, dor à compressão, o desenvolvimento de granulomas de corpo estranho; também podem estabelecer porta de entrada para infecções secundárias, inclusive a infecção tetânica. Algumas espécies de ouriço-do-mar podem inocular veneno cujas toxinas têm efeito hipotensor, hemolítico, cardiotóxico e neurotóxico. A estrela “coroa de espinhos” é a única venenosa, podendo provocar edema e necrose cutânea. Os Pepinos-do-mar produzem holoturina, irritante da pele e das mucosas. Os acidentes por estrelas,

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dos Equinodermos é termolábil, e, por isso, o tratamento é feito com a imersão do local afetado em água quente por 30 a 90 minutos. Medidas de prevenção do tétano e outras infecções secundárias são necessárias. Em acidentes sem envenenamento, as espículas devem ser retiradas com anestesia local, após a escarificação superficial das mesmas com agulha hipodérmica de grosso calibre. Os fragmentos pequenos que permanecem na pele podem ser dissolvidos com a aplicação de amônia diluída. Após o tratamento, está indicado o repouso do local afetado. (HADDAD JÚNIOR, 2000)

O acidente de trabalho com Poríferas, Esponjas, Cnidários e Equinodermos ocor- re geralmente durante a pesca na maré baixa, quando o pescador, que se encontra submerso na água próximo ao arenoso das praias ou rochas e desatento à presença desses animais, entra em contato com os mesmos, sofrendo a lesão cutânea. Os aci- dentes com Cnidários também podem ocorrer no deslocamento para a área da pesca, seja ao caminhar pela praia ou ao navegar em pequenos barcos, canoas etc, situações nas quais o pescador entra em contato com as águas do mar e, consequentemente, com estes animais acabando por se acidentar.

Os animais que compõem o filo dos Crustáceos, como camarões, lagostas, ca- ranguejos e siris não produzem venenos, mas podem provocar traumatismos, com lacerações causadas por suas garras, e reações alérgicas, como dermatites de contato, processos urticariformes e reações anafiláticas. A dermatite de contato se apresenta com um quadro eczematoso agudo que pode ser controlado com anti-histamínicos e corticosteroides tópicos. Os quadros alérgicos graves necessitam de corticosteroi- des sistêmicos e/ou adrenalina. Para controle das lacerações, deve-se fazer lavagem intensa da lesão, analgesia, vacinação antitetânica e evitar a infecção secundária no local (caso ela ocorra, realizar tratamento com antibióticos tópicos ou sistêmicos).

Os acidentes com os Crustáceos se dão de acordo com as condições pesqueiras específicas para os tipos de mariscos. Para exemplificar, os acidentes provocados por camarões ocorrem ao se manipular as redes e armadilhas necessárias para a sua pesca; por lagostas ao se mergulhar para capturá-las e por caranguejos e siris ao pescá-los nos mangues ou águas rasas. Sobre os animais vertebrados: Os acidentes provocados por peixes, que acometem mais os pés e as mãos dos pescadores e ocor- rem durante a pesca em águas rasas ou profundas. Podemos destacar, dentre os pei- xes cartilagenosos, as arraias. No Brasil, as arraias venenosas (famílias Dasyatididae

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e Myliobatididae) possuem glândulas produtoras de veneno dispersas sobre o ferrão localizado em sua cauda. O veneno pode provocar necrose local, neurotoxicidade e cardiotoxicidade e já foram descritos acidentes fatais causados por arraias. A clínica do acidente por arraia se manifesta com dor, edema e inflamação do local afetado, podendo ocorrer infecção secundária. Assim como os Equinodermos, o veneno da arraia é termolábil e, por isso, o acidentado deve receber o mesmo tratamento an- teriormente descrito para este tipo de envenenamento. Em ambiente hospitalar, deve-se proceder outras medidas, como a exploração de fragmentos do ferrão, lim- peza das lacerações, prevenção da infecção, vacinação para tétano etc. (HADDAD JÚNIOR, 2000)

Em relação aos peixes ósseos, podemos destacar: o bagre (ordem Siluriformes e família Ariidae), sem escamas, também presente em curso de água doce e cujo vene- no produzido em glândulas dispersas em dois ferrões laterais e um dorsal provoca dor intensa no local acometido podendo desencadear necrose, infecções secundá- rias e septicemia, com algumas evoluções fatais; o roncador (Conodon nobilis), que apresenta espículas pontiagudas dorsais e anais recobertos por glândulas venenosas; a guaivira (Oligoplites saliens), que é venenoso de forma semelhante ao roncador; o coió (Dactylopterus volitans), que apresenta espículas cefálicas também recobertas por glândulas venenosas; as moreias (família Muraenidae), que são serpentiformes e provocam lacerações com os dentes desencadeando um quadro álgico intenso, sobre o qual se especula também haver contribuição de veneno ainda não descoberto e que sugerem ser produzido por glândulas presentes no palato deste peixe; por último, com uma discussão mais ampla, devido a sua importância epidemiológica e clínica, desta- camos o niquim ou peixe-sapo (família Batrachoididae). (HADDAD JÚNIOR, 2000).