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O trabalho, o pescador artesanal e seu processo de trabalho

O primeiro aspecto a considerar nesse empreendimento, refere-se ao entendi- mento sobre trabalho e saúde no campo do direito. Constantes no artigo sexto da Constituição Federal de 1988, os direitos à saúde e ao trabalho são entendidos como direitos sociais, portanto, “direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais”. (SILVA, 1998) Desta forma, inscrevem-se no exercício desafiador da busca de garantia de condições iguais em uma sociedade capitalista, que se ca- racteriza justamente pela geração e manutenção de relações desiguais de produção.

O conceito de trabalho, enquanto atividade exclusivamente humana, assume a di- namicidade e complexidade próprias dos seus sujeitos e, ao longo da história, adquire múltiplos significados. Etimologicamente, a palavra “trabalho” significa “tortura”. Na Idade Média, a palavra “trabalho” de origem latina “tripãlium”, significava três paus para manejar bois e cavalos e tinha o objetivo de dominar e até torturar esses animais. (BLOC; WARTBURG, 1996) Nesse sentido, a origem do termo está ligada ao sofri- mento, passando a significar atividades humanas destinadas a escravos e camponesas.

Na atualidade, evidencia-se essa relação de sofrimento com agravos encontrada na origem da palavra trabalho e das condições de risco, cujo alerta foi apresentado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estimou em 2002, para todo o planeta, a ocorrência de aproximadamente 270 milhões de acidentes de traba- lho com 330 mil mortes; em que 160 milhões de pessoas contraíram doenças do trabalho. No entanto, afirma-se outro pressuposto essencial: o trabalho pode ser entendido e praticado em uma perspectiva de construção da saúde, de processos de enriquecimento biopsíquico, social, cultural e em condições de sustentabilida- de ecológica. O trabalho, central na vida humana, pode sim condicionar qualidade

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autoestima. Essas condições são possíveis para dar suporte ao trabalho dos pesca- dores artesanais.

Todo trabalho é realizado por meio de fases sucessivas e articuladas de ativida- des mais ou menos complexas. Para isso, pode-se recorrer a um conceito central denominado de “processo de trabalho”. O processo de trabalho é composto por: uma atividade adequada a um fim, isto é, o próprio  trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, ou seja, o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, a saber, o instrumental de trabalho. (BRAVERMAN, 1980)

Uma análise do processo de trabalho identifica facilmente os fluxos que se su- cedem na produção de um bem ou serviço, normas técnicas de atuação, cargas de trabalho, tipos e variações dos riscos para a saúde, nas diversas etapas. O primeiro aspecto a ser observado para fins de análise de um processo de trabalho deve ser a relação de trabalho, identificada por meio do tipo de contrato existente (BRA- VERMAN, 1980) se trabalho formal com carteira assinada ou atividade autônoma, artesanal, agrícola familiar ou de outro tipo. Em seguida, deve ser observado o objeto do trabalho ou a matéria prima e como ocorre sua transformação por meio da ação dos meios de produção até que saia o produto final.

Neste estudo são analisadas relações de trabalho artesanal. Para fins de caracte- rização, a produção artesanal clássica é marcada pelo trabalho familiar, realizado por homens, mulheres e crianças, com poucas modificações em relação ao método praticado durante milênios. Baseia-se em conhecimentos empíricos, adquiridos em família e transmitidos aos demais membros pelos mais velhos da comunidade. Resulta de uma atividade produtiva de caráter individual, com baixa divisão técnica, em que o artesão, em geral, é o proprietário dos seus instrumentos de trabalho, e sobrevive da venda do produto do seu trabalho.

O artesão não é assalariado e sendo assim, não se submete às leis de contrato de trabalho existentes entre empregador e assalariado, a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no Brasil; submete-se, quando existem, às leis de ordenação do trabalho artesanal e às regras das corporações de ofícios existentes formalmen- te ou não. O artesão controla a concepção e a execução do seu trabalho, detendo o “saber-fazer” (know-how) constituído de conhecimentos e domínio de métodos aplicados em todas as etapas do processo de produção. Há, portanto, uma unidade

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entre concepção e execução do trabalho, em que se observa a ausência de hierarquias gerenciais que separam o trabalho intelectual do manual.

A produção artesanal baseia-se na aplicação de saberes tradicionais. Max Weber (2003), ao estudar protestantes e católicos da sociedade alemã do século XIX, notou que os católicos participavam em menor proporção dos trabalhos especializados da indústria moderna. A despeito da mão de obra fabril ter sido arregimentada entre jovens artesãos, entre os diaristas católicos predominava uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, chegando a tornarem-se mestres artesãos. Sobre isso, tem-se que a ideologia católica ao infundir seus fiéis a satisfazer, em primeiro lugar, seus deveres tradicionais, seria a principal responsável pela menor participação dos católicos na moderna vida de negócios alemã, em relação aos protestantes.

Weber (2003) afirma ainda ter se desenvolvido no Ocidente uma forma diferen- te de capitalismo, baseado na organização capitalista do trabalho livre (ao menos formalmente) voltada para um mercado regular e não para as oportunidades espe- culativas de lucro. Para este autor, o desenvolvimento da moderna organização racio- nal das empresas capitalistas não teria sido possível sem dois fatores importantes: a separação dos negócios da moradia da família, fato que domina completamente a vida econômica e, estritamente ligada a isso, uma contabilidade racional, essencial- mente dependente da ciência moderna, em especial, das ciências naturais baseadas na matemática e em experimentações exatas e racionais.

A perda da hegemonia da produção artesanal ocorreu com a revolução industrial, gerando efeitos perversos de inibição e sujeição do ser humano ao meio técnico, com atrofia ou anulação de qualidades individuais. (MORIN, 1994) A predominância do método industrial não significou, contudo, a eliminação do trabalho artesanal, prin- cipalmente nos países receptores de tecnologias. Inúmeras práticas artesanais estão presentes na nossa realidade como agricultura familiar, vendedores ambulantes, fabricadores de farinhas etc. As atividades de pesca, em destaque, podem também ser classificadas enquanto prática de produção artesanal.

No Brasil, a maior parte do trabalho artesanal ocorre no setor informal da eco- nomia. Como não há o contrato de trabalho típico, os artesãos não desenvolveram

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a observância pelo empregador da prevenção dos riscos de acidentes e doenças do trabalho por meio de Normas Regulamentadoras, pois geralmente não há emprega- dor, diferentemente do ocorre com o trabalhador assalariado. Para este, há relações formais com o empregador por meio de contrato regido pela CLT, onde se aplicam os regulamentos citados em situações que envolvem contratos de trabalho. Nesse sentido, o artesão geralmente se encontra absolutamente sem assistência à saúde no trabalho e, por isso, deveria ser objeto da prioridade da ação do Estado nos pro- gramas de proteção à saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS).

O artesão, em geral, não tem direito ao seguro acidentário. A Constituição Federal de 1988, contudo, conferiu este direito ao pescador artesanal em regime de economia familiar, através do artigo 11, da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Para esses arte- sãos, entretanto, os significados de tais mudanças nas suas relações com as doenças e os agravos inscritos nas normas securitárias ainda não são estudados, dificultando orientações aos procedimentos que promovam a aplicação do direito alcançado.

A pesca artesanal representa uma importante modalidade de trabalho no país. Da- dos oficiais do Ministério da Pesca e Aquicultura indicam existir mais de 833.205 mil pescadores artesanais no Brasil em 2009. (BRASIL, 2011) Informações extraoficiais sugerem que esse número pode chegar a mais de um milhão de pessoas sobrevivendo da pesca artesanal. Atuam em aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros qua- drados de mar e quase 9.000 quilômetros de litoral, incluindo reentrâncias e ilhas, que estão entre os maiores do mundo. As áreas em que se praticam a pesca enco- brem grande parte do território nacional, sendo que a maior parte da modalidade de pescador artesanal se concentra nos estados do Nordeste, que representa 47% do total. A Bahia possui um número expressivo de 105.455 pescadores artesanais. (BRA- SIL, 2009) Destes, um contingente significativo desenvolve atividades parciais ou dedicam-se exclusivamente às atividades de pesca artesanal do marisco.

A pesca extrativa consiste na retirada de organismos aquáticos da natureza, po- dendo ser em escala artesanal ou industrial. A pesca industrial é realizada por gran- des companhias e caracterizada pela utilização de embarcações de maiores porte e autonomia, dotadas de sofisticados equipamentos de navegação e detecção de car- dumes e de ampla mecanização. As relações de trabalho nesta categoria industrial são, em geral, assalariadas. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações

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(CBO), o pescador industrial é um trabalhador com carteira assinada, com ensino fundamental concluído, que para o exercício pleno de suas atividades precisa de curso básico de até 240h/aula, sendo contratado nos termos do artigo 429 da CLT. O trabalho é supervisionado, realizado em equipes, e pode ocorrer em ambientes abertos ou fechados, sem horário determinado.

A pesca artesanal, por outro lado, caracteriza-se total ou parcialmente por regime produtivo de subsistência com emprego de embarcações de médio e pequeno porte e equipamentos sem nenhuma sofisticação, não havendo, em geral, remuneração pelo trabalho desenvolvido. Neste tipo de contrato social, o valor do trabalho está contido na entrega do produto ou no serviço prestado, que é vendido ou trocado por outro equivalente no mercado. Os pescadores artesanais são identificados na CBO sob o título de pescadores polivalentes, contemplando catadores de caranguejo e siri, catadores de mariscos, pescadores artesanais de lagostas e pescadores artesanais de peixes e camarões. Não há requisito de escolaridade, com aprendizado sendo de- senvolvido na prática. Realizam pesca artesanal e captura de crustáceos, tornando o pescado pronto para comercialização e consumo. O trabalho acontece em equipe, sem supervisão. As atividades são realizadas a céu aberto, durante o dia. Os pesca- dores artesanais, durante o desenvolvimento de sua atividade laboral, permanecem em posições desconfortáveis, expostos à variação climática e ferimentos inerentes à coleta dos pescados e mariscos. A Figura a seguir ilustra o processo de trabalho do pescador artesanal:

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Figura 1 – Processo de trabalho do(a) pescadora artesanal

Objeto de trabalho

(ou matéria prima) Meios/ divisão/organização do trabalho

Produto final fabricado:

Pescados e mariscos disponíveis na natureza.

- Processo técnico rudimentar de coleta/pesca do objeto de trabalho: peixes e mariscos;

-Instrumentos rudimentares utilizados na extração - O (a) pescador(a) é o proprietário dos instrumentos de trabalho

- Organização do trabalho: trabalho familiar com baixa divisão técnica (em geral: homens pescam e mulheres mariscam).

- Não há assalariamento do pescador; ele (a) sobrevive da venda do produto do seu trabalho. - Saber tradicional, adquirido informalmente. - Presença do trabalho precoce e tardio.

Pescados e mariscos prontos para a comercialização e consumo.

Fonte: elaborado pelos autores

O pescador artesanal não é um assalariado. Ele não vende a sua capacidade de trabalho em troca de salário mensal. O que vende é o produto do seu trabalho: o peixe e/ou marisco. Não dispor de salário resulta em profundas diferenças com outras categorias de trabalhadores assalariadas, inclusive relativos às suas relações com a prevenção de riscos ocupacionais. Como o pescador não recebe salários, não dispõe também de equipamentos de proteção individual, equipamentos de proteção coletiva, realização de exames médicos na admissão e nos periódicos, dentre outras obrigações legais dos empregadores para com seus assalariados. O pescador artesanal é autôno- mo não apenas em relação à sua remuneração, mas quanto à proteção a sua saúde. Nesse sentido, o contrato que existe no trabalho do pescador se estabelece com a venda do produto ao consumidor ou atravessador. Do preço desse produto vendido, o pescador deveria dispor de quantia para aquisição de equipamentos de proteção contra acidentes e doenças do trabalho, realização de exames médicos clínicos e ocupacionais e demais medidas protetoras. No entanto, diante da precariedade dos recursos obtidos com a pesca artesanal, não existe essa perspectiva na atualidade sem efetivo apoio do Estado.

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O setor pesqueiro artesanal concentra-se em duas grandes atividades, segun- do Pacheco (2006): a pesca e a mariscagem. Nesse sentido, o objeto de trabalho do pescador artesanal são peixes comestíveis e crustáceos como camarão, lagostas, dentre outros e mariscos como siris, caranguejos (crustáceos) e moluscos bivalves como ostras, e mariscos nos ambientes marinhos e fluviais. Em síntese, esta ativi- dade representa modalidades de atividades milenares, originárias das formas mais tradicionais das sociedades humanas, pois sempre envolveu o uso de instrumentos simples de trabalho.

Essa natureza onde se pesca e marisca é objeto universal de trabalho humano. Todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com seu meio natural constituem objetos de trabalho, fornecidos pela natureza. (MARX, 1978) Os peixes ou mariscos constituem objeto de trabalho do pescador e podem ser con- siderados com matéria-prima. Temos desta forma que toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho só é matéria-prima depois de ter experimentado modificação efetuada pelo trabalho.

Os mariscos são encontrados em ambientes especiais existentes nos arenosos de praias, mangues e estuários dos rios. Nestes, ocorre a mistura entre as águas marinhas salgadas e as águas doces, sob o domínio de marés em movimentos que somam quatro vezes por dia. Nessa dinâmica, revolucionam nutrientes que circulam em abundância e favorece o desenvolvimento de ovos e larvas de milhões de animais invertebrados, peixes ou mesmo animais terrestres e aves. A vegetação nessas áreas é típica e dominada por arbustos dos mangues, perfeitamente adaptados à variação da salinidade, das marés e ao terreno alagadiço constituído de lama. Com a baixa das marés, suas raízes ficam suspensas e sob esta condição criam-se espaços que permitem o deslocamento dos pescadores nas atividades de mariscagem. Em cada região de mangue, ocorre apenas de uma a três espécies dessas árvores, em meio a quatro tipos descritos. São os mangues, considerados um verdadeiro berçário da vida aquática, que precisam de conservação para evitar o desaparecimento de inú- meras espécies vítimas da poluição decorrente da falta de saneamento básico ou de natureza agroindustrial, da pesca predatória, especulação imobiliária e turística,

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O Brasil tem uma das maiores extensões de manguezais do mundo, onde se cons- tituem também locais de trabalho dos pescadores e pescadoras que sobrevivem da extração de mariscos.

Apesar de disponíveis na natureza, os mariscos e peixes apreendidos pelas im- pressões sensoriais dos pescadores não estão apenas na natureza física. Esse objeto de trabalho é também abstrato, assim como a natureza é abstrata, segundo Milton Santos. (2000) As áreas de manguezais, arenosos e praias e mares dispõem de peixes e mariscos que se expressam na dimensão subjetiva dos sujeitos pescadores, como meios de sobrevivência, associados aos mitos, crenças, ritos, valores, saberes trans- mitidos historicamente por gerações e gerações. Desse modo, preservam as práticas do trabalho artesanal da pesca em cada região e saberes em universo de significa- dos, muitos deles importantes não apenas para a preservação dos ambientes, mas que podem colaborar na proteção contra riscos desses ambientes desafiadores para condições de trabalho humanamente suportáveis.

Do ponto de vista econômico, o objeto de trabalho representa o alimento vivo na forma de dezenas de espécies comestíveis de mariscos e peixes. Ao se tornarem disponíveis para a alimentação, transformam-se em valor de uso e adquirem impor- tante significado como aporte proteico/calórico para sobrevivência das populações de pescadores. Ao serem disponibilizados para o mercado de alimentos, transformam-se em valor de troca e são comumente vendidos a preços irrisórios para atravessadores.

O meio de trabalho, por sua vez, refere-se ao conjunto de instrumentos, práti- cas, prescrições e condições em geral que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Os meios de trabalho medem o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho. Na pesca artesanal, de acordo com a CBO, são meios de trabalho: anzol; cabos e cordas; cavadeira, grapuá, cortadeira; embarcações de pequeno e médio porte; faca e facão; gaiolas e covos; gelo; redes; remo; e repelentes.

O conceito de processo de trabalho é complexo e a sua aplicação em atividades do trabalho artesanal clássico deve imprimir considerações teóricas, particularidades e problemáticas diversas quando comparados ao processo de trabalho industrial. Apesar de se caracterizar como trabalho artesanal clássico, esta modalidade sobrevive em

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um contexto capitalista contemporâneo, em que o produto do trabalho, no caso o marisco ou o pescado extraído, é vendido ao atravessador por preços reduzidos, e se destinam ao mercado consumidor.

Sob tais contextos socioculturais e espaciais se conformam ambientes de riscos predominantemente naturais para a saúde dos pescadores artesanais. A compre- ensão dos modos da ocorrência de doenças e acidentes relacionados ao trabalho da pesca artesanal nesses ambientes se constituiu no foco da investigação realizada em comunidades pesqueiras, com estratégias metodológicas a serem descritas a seguir.

Metodologia

O presente estudo de abordagem etnográfica assumiu, portanto, o objetivo de conhecer as condições de trabalho e compreender os significados das doenças re- lacionadas ao trabalho de pescadores e marisqueiras na comunidade de Bananeira, situada em Ilha de Maré-Ba, na perspectiva de orientar as populações envolvidas para a busca de melhorias das condições de trabalho e saúde.

A metodologia para formação do contexto para conhecimento do processo de trabalho foi essencialmente do campo da sociologia e da antropologia, de natureza qualitativa, de estudo de caso da comunidade de Bananeiras. Trata-se de metodo- logia centrada na abordagem etnográfica em busca do conhecimento em profundi- dade do objeto de estudo, ou seja, procurando constituir uma descrição densa das relações entre condições de vida e trabalho e das doenças e acidentes frequentes nas atividades de pesca e marisco.

Compôs a proposta metodológica a realização de uma “descrição densa” da Ilha e dos modos de vida e trabalho de seus habitantes. Para isso, foram utilizadas en- quanto técnicas qualitativas de captação de informações a observação participante, a entrevista e a história oral. (FREITAS, 2003; GEERTZ, 1989) Para Haguete (1987) essas técnicas possuem limitações em si, as quais podem ser amenizadas ou corrigi- das quando da comparação entre as informações coletadas pelos distintos métodos.

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A pesquisa foi realizada entre agosto de 2005 a dezembro de 2007, em uma comu- nidade de pescadores artesanais habitantes de Ilha de Maré, município de Salvador. A exceção das épocas de chuvas frequentes, entre março e junho, as visitas à comu- nidade foram semanais. A população afrodescendente da ilha é formada, essencial- mente, de famílias de pescadores artesanais e mariscadeiras, as quais apresentaram seus testemunhos sobre a vida e o trabalho. Foram entrevistados 27 mulheres e três homens, todos trabalhadores extrativistas de mariscos no manguezal, nos arenosos das praias e nas suas unidades domésticas; todos colaboraram com a pesquisa de modo voluntário, após a apresentação dos objetivos em reuniões com a comunidade. Ademais, realizaram cinco reuniões com grupos de pescadores e pescadoras maris- queiras com objetivo de validar modos operatórios das atividades de mariscagem em todas as fases do processo, relatos de sintomas de doenças e ocorrências de acidentes do trabalho, visitas sistemáticas aos locais de extração dos mariscos nas praias, espe- lho d´água e nos manguezais da região para observação das atividades de trabalho. Finalmente, fotos e filmagens realizadas com orientação técnica para verificação de condições de trabalho e atividades foram feitas e apresentadas nas comunidades para redefinir significados na perspectiva das marisqueiras. Os nomes dos sujeitos citados nas narrativas do presente texto são fictícios para preservar o sigilo.

Os instrumentos de pesquisa foram definidos em estudo piloto junto aos infor- mantes marisqueiras e pescadores da comunidade de Bananeiras, com o objetivo de