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Riscos decorrentes do trabalho imerso em águas salinas e lama, intempéries e riscos biológicos e alergênicos

As atividades de pesca e mariscagem envolvem a permanência cotidiana na água do mar, especialmente à beira-mar, no arenoso úmido da praia e no mangue. No caso da pesca em rios, a permanência ocorre em água doce ou com baixa salinida- de, e quando há mangues, estes são geralmente poluídos pelos esgotos sanitários e agroindustriais. A imersão pode levar o pescador ou pescadora a se infiltrar na lama até a cintura para coleta do caranguejo e, em situações especiais, pode haver mergulho até o pescoço.

As doenças relacionadas a essas condições passam despercebidas pelo médico quando pescadores artesanais são examinados. Não há registros das doenças de- correntes da imersão cotidiana na lama do manguezal nos serviços médicos das regiões pesqueiras. A umidade em excesso e a lama levam aos riscos de doenças variadas como:

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1. Irritação da pele pelas atividades de manuseio de mariscos, arenoso, manipu- lação de madeira, galhos das plantas dos manguezais, uso de instrumentos de corte.

2. Dermatites relacionadas à umidade e outras dermatofitoses; e dermatomi- coses; onicomicoses e distrofia ungueal profissional. (OIT, 2008)

3. Infecções no trato geniturinário – Pescadoras marisqueiras mantêm contato frequente com lama e água que gera atritos, irritações, inflamações e infecções.

4. Dermatite de contato por irritação primária/alérgica. (OIT, 2008) – Trata-se de reação dermatológica de natureza alérgica desencadeada por ir- ritantes ou alergênicos existentes nos ambientes de trabalho. Nas atividades de coleta e preparo do marisco há contato intenso com potentes alergênicos encontrados nos moluscos e principalmente nos crustáceos, a exemplo do camarão, que pode resultar em casos graves de anafilaxia.

A alergia ao camarão ocorre frequentemente por meio da ingestão. Dermatite de contato, rinites e outras manifestações alérgicas podem ocorrer na manipulação do camarão. Quando ocorre em pescador e principalmente pescadora marisqueira, tais alergias podem ser consideradas de natureza ocupacional. Foram isolados dois alergênicos clássicos no camarão, em que um é de natureza termolábil, presente em espécies do camarão cru e o principal, estável ao calor que persiste no alimento. Não há cruzamento entre alergênicos encontrados no camarão e em lagostas, carangue- jos e moluscos bivales como ostras. Dessa forma, a investigação específica deve ser realizada nos casos suspeitos. O teste de contato, conhecido como Patch Test pode ser realizado para confirmar casos suspeitos de dermatite de contato de natureza alérgica. (ALI, 2005) No entanto, para alergênicos encontrados no camarão, com riscos de desenvolvimento de reações anafiláticas, deve-se evitar teste de contato e o diagnóstico deve ser clínico associado à história ocupacional positiva.

5. Pé de imersão – segundo Ali (2005), este tipo de lesão dermatológica ocor- re quando se trabalha com os pés imersos ou expostos em água fria, sem

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adormecidos, azulados, sem pulso e, às vezes, com tegumento macerado, cuja isquemia pode tornar o tecido mais suscetível à infecção.

6. Dermatites decorrentes de picadas de insetos ou de reação aos insetos – A atividade de mariscagem, principalmente em mangues, ocorre com exposi- ção, muitas vezes intensas, às picadas de insetos variados, inclusive ao aedes

aegipty, transmissor da dengue. Para Ali (2005), o quadro dermatológico se

caracteriza pela lesão típica de picada de insetos em regiões do corpo expos- tos nas atividades ocupacionais. No entanto, podem ocorrer lesões diversas, como: pápulo-eritematosas, pruriginosas, denominadas Pararama, provoca- das pelo contato com larvas e lagartas.

O “estigma profissional das mãos” dos pescadores e pescadoras artesanais resulta de anos de trabalho em imersão na água salina e lama, encontra-se descrito e decorre de traumas e micro traumas concentrados no uso das mãos com esforço, somadas aos atritos com irritantes e perfurantes. (OIT, 2008, p. 12-20)

A lama do manguezal, além dos citados riscos de agravos acima descritos, deve ser objeto de análise em cada região de mariscagem. Considerando que o mangue se situa em estuários de rios, a poluição contida no mesmo contamina a lama e esta possibilidade acarreta novos riscos para a saúde. Mais ainda, muitas regiões de man- gue recebem atualmente esgotos sanitários sem tratamento, gerando situações de riscos de contaminações e infestações parasitárias que assumem a natureza de risco ocupacional, por se tratar também de ambiente de trabalho contaminado.

Em todos os casos, Ali (2005) chama atenção para o diagnóstico diferencial com psoríase para quadros dermatológicos localizados na região palmar, que podem con- fundir com dermatite de contato ocupacional. Para lesões dermatológicas plantares que se assemelham ao “mal perfurante plantar”, deve-se investigar o diagnóstico diferencial com a moléstia de Hansen, ainda presente também nas áreas de pesca ar- tesanal. Em função da prevalência nas comunidades de pescadores, a investigação da doença de Hansen deve ser objeto de cuidado especial na avaliação clínica periódica do pescador ou marisqueira, não apenas para o diagnóstico diferencial das doenças dermatológicas, mas também para as LER em função de deformidades ósseas e/ou alterações neurológicas periféricas.

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Nesse sentido, há riscos biológicos no cotidiano do trabalho de mariscagem, es- pecialmente relacionados ao trabalho no mangue, como:

– Viroses a exemplo de hepatite A, vírus da dengue; – Infecções por bactérias, fungos, protozoários;

– Infestações parasitárias com ovos e larvas de vermes em geral, amebíases e outras patologias associadas à falta de saneamento básico;

– Leptospirose; – Tétano.

Evidencia-se na literatura médica a falta de estudos em saúde capazes de iden- tificar novos riscos relativos ao trabalho cotidiano imerso em lama. Nesse sentido, há a necessidade de investigações de efeitos ainda desconhecidos da lama no corpo humano, particularmente sobre a região genital feminina, colo de útero, gravidez e riscos para fetos, dentre outras questões que merecem maior atenção dos serviços de saúde.

Além da citada dermatite alérgica, é importante enfatizar a possibilidade do de- senvolvimento de outras doenças de natureza alérgica em função de presença de crustáceos e moluscos que possuem alergênicos com grande capacidade de sensibi- lização de susceptíveis (OIT, 2008), a exemplo: rinites, dermatites alérgicas, asma profissional.

A exposição às intempéries, como chuvas, ventos e variações extremas de tempe- raturas, é frequente na atividade de pesca artesanal. Nesse sentido, ocorrem riscos de doenças como: Tuberculose e outras infecções das vias aéreas superiores; gripes; resfriados; faringites; artralgias. No entanto, estas patologias são de difícil estabe- lecimento de nexo causal com o trabalho em função do complexo de causalidade não ocupacional encontrado no desencadeamento dessas enfermidades.

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