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Riscos ergonômicos, LER/DORT e varizes dos membros inferiores

Os riscos ergonômicos e consequências como síndromes dolorosas e articulares relacionadas aos esforços repetitivos, posturas nocivas à coluna vertebral e riscos de varizes de membros inferiores são discutidos no capítulo 2 nos capítulos 7, 8 e 9 da segunda parte deste livro.

Não existe um consenso sobre a denominação do conjunto de doenças nomeadas por LER1. Na literatura internacional a denominação mais comumente encontrada

se refere às Doenças Musculoesqueléticas Relacionadas ao Trabalho (DMS), que pode ser considerada como sinônimo de LER, apesar da falta de consenso entre os profissionais de saúde. As LER representam um conjunto de afecções que acometem músculos, tendões, articulações, vasos, nervos, cartilagens e discos intervertebrais que podem aparecer em trabalhadores submetidos às condições físicas desfavorá- veis, do ponto de vista ergonômico. O estresse inerente às altas exigências de pro- dutividade no trabalho, atividades monótonas e repetitivas, ausência de pausas, dentre outros fatores de riscos, concentram esforços repetitivos principalmente nos membros superiores, em região lombar e na cervical, comumente as mais atingidas. (PARAGUAY, 2005)

As LER tem sido as doenças do trabalho mais notificadas no mundo desenvol- vido, inclusive no Brasil em função dos novos processos produtivos, da difusão da informática e de várias formas de trabalhos precários com exigência de ritmos ace- lerados. Nos Estados Unidos, as LER compõem 52,2% das doenças do trabalho que geram benefícios previdenciários; enquanto que no Brasil a proporção desta doença alcança 48,2% de benefícios por doenças ocupacionais. (BRASIL, 2010c; LEIGH; ROBBINS, 2004)

1 A Previdência Social denomina LER também como DORT – Doenças Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Esta denominação é restrita à dimensão ortopédica da doença, eliminando-se a problemática neurológica e psíquica relacionadas a LER, além de não propiciar a análise social inerente a tais patologias. Outras denominações são frequentes na literatura como: Doenças Musculoesqueléticas (DME); Lesões Atribuídas ao Trabalho Repetitivo – LATR (utilizada no Canadá), dentre outras. (KUORINKA; FORCIER, 1995)

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O trabalhador em condições de ausência de proteção ergonômica ao exercer esfor- ço repetitivo concentrado em alguns complexos musculares, articulares e nervosos, com ritmo acelerado, sem pausas ou com pausas insuficientes, durante anos, pode desencadear patologias, como: Tenossinovites e Tendinites, Síndrome do Túnel do Carpo, Síndrome Cervicobraquial, Radiculopatias Cervicais (Quadro 2), dentre ou- tras. Como visto anteriormente, as afecções musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho em atividades artesanais foram descritas pela primeira vez por Bernadino Ramzzini em 1700. (RAMAZZINI, 1985) Na atualidade, são enfermidades pouco estudadas dentre as profissões artesanais, embora forme o conjunto de doenças do trabalho mais notificadas no mundo na atualidade. Bragge e colaboradores (2006) realizaram uma revisão sistemática de literatura sobre e risco de fatores associados às desordens musculoesqueléticas em pianistas e encontraram 482 citações, sendo que 52 artigos foram considerados com evidências, embora as conclusões não sejam consensuais. Esses autores informam que na Austrália há um grande número de expostos com 473 mil crianças que estudam piano, além dos professores e profis- sionais que utilizam esse instrumento. O nível de estresse, em função da demanda de prática, e acurácia necessária ao o pleno uso do instrumento, levam às atividades repetitivas e aceleradas que se equivalem ao encontrado em atletas profissionais.

Na literatura científica são escassos pesquisas sobre saúde e doenças do traba- lho em pescadores artesanais. Um estudo realizado no Rio de Janeiro por Rosa e Mattos (2010) com 80 pescadores e 20 catadores de caranguejos traz a descrição de queixas que podem ser associadas às LER, tais como: problemas articulatórios e neuromusculares, dores nas costas e coluna, braços e pernas. Em Mato Grosso do Sul, Dall’Oca (2004) em estudo feito com pescadores artesanais fluviais encontrou referências sobre riscos de movimentos repetitivos em excesso e queixas que podem ser atribuídas a doenças musculoesquelética relacionadas ao trabalho.

Importante estudo sobre doenças em pescadores foi publicado em 2008 por Kaer- lev e colaboradores (2008). Realizado na Dinamarca, esta investigação epidemiológica foi realizada em uma população de 4.570 pescadores atendidos no hospital durante o período de 1994 a 2003. Essa pesquisa revelou prevalências e incidências eleva-

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Os autores encontraram valor estatisticamente significante para Síndrome do Túnel de Carpo, a patologia mais frequentemente diagnosticada dentre as LER na maioria das categorias de trabalhadores em geral. Embora os pescadores dinamarqueses de- senvolvam a pesca com característica predominantemente industrial e não artesanal, o estudo destacou a importância das LER relacionada a esta atividade. (KAERLEV et al., 2008) A Organização Internacional do Trabalho (OIT) traz estudo amplo sobre riscos nas atividades de pesca e relata LER/DORT em pescadores industriais, mas não faz referências à pesca artesanal. (OLAFSDOTTIR, 1998)

Os modelos de condicionamentos das LER/DORT em trabalhadores das áreas industriais, de serviço e nos esportistas profissionais apresentam diferenças em relação aos condicionantes do trabalho artesanal. Neste, não há pressão de hierar- quias gerenciais na imposição de cadências infernais. No entanto, a autonomia do artesão é relativizada pelas condições sociais e culturais (no caso dos pianistas) que podem levar as exigências excessivas na manutenção de atividades com esforços repetitivos por longos anos, em especial, dos artesãos que necessitam produzir de forma permanente para prover a subsistência da sua família.

Para as pescadoras artesanais marisqueiras, como visto, são raros os estudos di- fundidos na literatura e as instituições de saúde não apresentam notificações sobre doenças nessa categoria profissional. Nas nossas análises de higiene do trabalho e, sobretudo ergonômica, identificamos condições de cadências infernais com frequên- cia de movimentos repetitivos aproximando-se dos 10.000 gestos por hora, com raras pausas em função da situação de miséria que leva a manutenção do trabalho ace- lerado. O excesso de sobrecarga de movimentos repetitivos ultrapassa às 40 horas semanais de trabalho e com isso intensifica o risco de LER/DORT ao superar em mais do dobro o indicador recomendado de até 20 horas semanais como medida preventiva (capítulo 2). Nas condições de ciclos com movimentos repetitivos menos intensos, em torno de 6.000 movimentos por hora, verificamos aumento do esforço realizado, pois essa redução de movimentos ocorre em terrenos lamaçais que exigem deslocamento de mais peso da terra enlameada, enquanto naquelas que mantêm ritmos mais acelerados ocorrem em terrenos arenosos, com areia mais seca e leve no momento da coleta do marisco. Com tais condições pode-se evidenciar a presen- ça de movimentos repetitivos em excesso nesta fase do processo de trabalho, que

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deve ser adicionada ao que ocorre também na fase de tratamento do marisco, após o pré-cozimento, quando há a abertura e retirada da concha, ou ainda quando há a cata do siri ou caranguejo. Em algumas regiões, as pescadoras marisqueiras fazem o corte da lenha para o pré-cozimento do marisco, e esta condição adiciona esforços repetitivos intensos e concentrados nas articulações dos ombros.

A manutenção de ritmos acelerados pelas pescadoras marisqueiras, com raras pausas e micro pausas passivas, sobrevém da condição de miséria social em que ne- cessitam produzir mariscos comerciáveis para garantir a sobrevivência da família. Essa exigência autoimposta leva a manter por longos anos jornadas de trabalho de até 16 horas por dia, com ritmos intensos para assegurar renda que muitas vezes não alcança R$ 100,00 reais por mês. Essa situação complementa o modelo explicativo da ocorrência de alta frequência de sintomas dolorosos indicativos de LER/DORT nessa categoria profissional.

Em síntese, há a evidente exposição ocupacional das pescadoras artesanais ma- risqueiras aos movimentos com esforços repetitivos de forma intensa, muitas vezes em ritmos cadenciais “infernais” durante longos anos da vida laboral. Por esse mo- tivo, toda condição de presença de sintomas dolorosos ou parestesias nos membros superiores e joelhos deve ser investigada para verificar suspeita diagnóstica de uma das patologias classificadas como LER/DORT de natureza ocupacional. Nos casos de diagnóstico confirmado, a emissão da CAT e respectivo relatório devem ser feitos (capítulo 3).

Para sistematizar esse conjunto de patologias, apresenta-se no Quadro 2 a lista completa de possibilidades de LER/DORT, com 28 patologias reconhecidas pelo Mi- nistério da Saúde e Previdência Social, como complemento do presente capítulo.

No entanto, é importante enfatizar, além das medidas preventivas discutidas nos citados capítulos, a necessidade de que se investigue LER/DORT em exames periódi- cos de pescadores artesanais pelos profissionais das Unidades de Saúde da Família. O diagnóstico precoce implica na melhoria do prognóstico e reduz a possibilidade de incapacidades para o trabalho na pesca e mariscagem. Reafirma-se a necessidade da Renast organizar serviços de referência e orientação para os profissionais das Unida-

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Na Bahia, o Sesao/Hupes desde 2007 vem organizando estudos e protocolos de diagnóstico, tratamento e reabilitação de pescadores e pescadoras artesanais por- tadoras de LER/DORT (segunda parte do livro) e, por isso, pode ser acionado como referência para unidades da ESF situadas na Bahia. Com base nessa experiência, verifica-se a necessidade de que em cada Estado, onde existe concentração de ati- vidades de pesca artesanal, se organizem serviços semelhantes como referências técnicas para a prevenção e diagnóstico de doenças do trabalho (não apenas LER/ DORT) em pescadores artesanais.

Conclusão

A invisibilidade epidemiológica dos processos de doenças do trabalho que aco- metem trabalhadores da pesca artesanal, inclusive pescadoras marisqueiras, tem causas complexas que precisam ser superadas. São condições como: escassa oferta de serviços na esfera da atenção à saúde do trabalhador; ausência de práticas de vigilância em saúde do trabalhador realizadas pelos Cerest das áreas onde existem comunidades de pescadores; escassez de serviços de referência diagnóstica em do- enças do trabalho; quase absoluta falta de conhecimento dos profissionais médicos e de saúde sobre o elenco de patologias relacionadas ao trabalho que podem atingir essa categoria profissional; desconhecimento dessas doenças pelos profissionais das equipes das unidades da Estratégia de Saúde da Família; fragilidade das organizações de representação dos pescadores artesanais, além do desconhecimento das lideran- ças sobre acidentes e doenças do trabalho que podem atingir os próprios pescadores associados; a ausência de políticas previdenciárias no sentido de esclarecer direitos relativos às doenças do trabalho e melhorar notificações sobre processos de adoeci- mento nessa categoria de trabalhadores.

Neste capítulo, procurou-se enfatizar informações sistematizadas nas nossas investigações e na bibliografia existente que precisam ser aprofundadas para con- tribuir com a ampliação do conhecimento das doenças do trabalho na categoria de pescador artesanal. Houve a apresentação de um elenco de possibilidades de 61 do- enças relacionadas ao trabalho que comprovadamente podem acometer pescadores

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artesanais. O reconhecimento das incapacidades geradas por doenças do trabalho na Previdência Social para Pescadores Artesanais gera a necessidade de construir práticas de realização de exames médicos de natureza periódica e preventiva para os pescadores artesanais na esfera do SUS. Para isso, para as doenças e acidentes relacionados ao trabalho, as Unidades de Saúde da Estratégia de Saúde da Família são fundamentais na organização de práticas de saúde voltadas para a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de pescadores artesanais.

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Introdução

As doenças do trabalho em pescadores e marisqueiras artesanais foram objetos de aprofundamento nos capítulos anteriores. Todavia, há necessidade de discutir a acidentalidade no trabalho decorrente dos riscos comuns nessa categoria profissional que, não raramente, podem levar à morte precoce e invalidez permanente.

Não existem dados específicos sobre a ocorrência de acidentes do trabalho em pescadores artesanais, incluindo atividades de coleta de mariscos no Brasil e na Bahia. Há uma escassez de estudos sobre esses agravos nesta classe de trabalhadores. No entanto, com base na literatura especializada, pode-se relacionar os principais agravos relacionados ao trabalho possíveis de ocorrer nas condições em que a pesca é exercida, de forma tradicional e artesanal.

Acidentes do trabalho nas atividades de pesca