• Nenhum resultado encontrado

Como analistas e intérpretes de sua própria condição humana, mulheres e homens entrevistados em Ilha de Maré entendem que as mudanças que ocorrem no processo produtivo da mariscagem e da pesca estão relacionadas à contaminação química. O ar está contaminado e o vento “espalha”. Para eles, a poluição é um tipo de doença mundana que afeta o ar, o mar, o mangue e depois as frutas, os animais e as pessoas. É uma doença do ambiente, e para interpretá-la constroem modelos explicativos com causalidades, semiótica e modos de tratamentos naturais e sobrenaturais.

A contaminação química ou industrial é significada como uma entidade externa e predadora que invade o lugar e suas tradições, enquanto a contaminação orgânica, fruto da falta de saneamento básico, está incorporada à situação de pobreza e a sua condição de vida. A poluição industrial constitui um perigo iminente para a natureza. Nesse sentido, as narrativas denunciam e representam a ameaça como um traço no ar ou como uma imagem de fundo na cena cotidiana de Ilha de Maré, trazendo-lhe diversos sintomas de mal-estar e doenças. As noções sobre a contaminação ambien- tal neste estudo fazem nexos com os valores culturais dos moradores, fato que não é comumente considerado nas avaliações dos impactos de desenvolvimento industrial. Entende-se, pois, que este trabalho é uma contribuição aos estudos sobre ambiente, pois busca considerar os significados dos sujeitos na compreensão dos desastres ecológicos e na busca de prevenção e redução de danos ambientais.

Por fim, ressalta-se que embora muitos moradores da Ilha entendam que a con- taminação química deve passar com o tempo, porque o ambiente tem a proteção das

MANGUEZAL | 175

essa concepção não está fora da realidade do que ocorre a seu redor. Pois, todos se sentem, ao mesmo tempo, ameaçados, sem orientação e desprezados pelas autori- dades públicas que não controlam as emissões de poluentes químicos e domésticos que atingem seu modo de existir.

Assim, ainda que toda a cosmologia expresse uma forma peculiar de ver o mundo, ela também diz respeito a um modo de levar a vida e tem repercussão nas condições de sobrevivência. Na verdade, os moradores da Ilha sentem medo de perder a pro- dução de mariscos, ficarem doentes ou abandonar o lugar que lhes garante trabalho e sobrevivência.

RefeRências

BAHIA. Centro de Recursos Ambientais. Avaliação da qualidade das águas costeiras superficiais - Baía de Todos os Santos: relatório técnico. Salvador: CRA, 2001. p. 69.

BAHIA. Centro de Recursos Ambientais. Consórcio BTS Hydros – complementação do diagnóstico do grau de contaminação da Baía de Todos os Santos por metais pesados e hidrocarbonetos de petróleo: relato síntese. Salvador: CRA, 2005.

BENJAMIM, W. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. v. 1.

BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Brasília: FIBGE, 2002.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 23 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/participasus_aprovado_2007.pdf>.

CASTRO, J. Homens e caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967.

DOUGLAS, M. Pureza e perigo: ensaio sobre as noções de poluição. Lisboa: Edições 70, 1999. (Coleção Perspectivas do Homem, n. 39).

ECO, H. As formas do conteúdo. São Paulo: Perspectiva, 2004.

176 | SOFRIMENTO NEGLIGENCIADO

FAUSTINO, S. A experiência indizível: uma introdução ao Tractatus de Wittigenstein. São Paulo: UNESP, 2006.

FERREIRA, A. M. C. A linguagem originária. Salvador: Quarteto, 2007. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.

GOUVEIA, N. Saúde e meio ambiente nas cidades: os desafios da saúde ambiental. Saúde Sociedade, v. 8, n. 1, p. 49-61, 1999.

HELMAN, C. Cultura, saúde e doença. Rio de Janeiro: Artmed, 2003.

JACOBSON, D. Reading ethnography. Albany: State University of New York Press, 1984. JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In. BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

LAUWERYS, R. Toxicologie industrialle et intoxications professionnalles. 3. ed. Paris: Masson, 1992.

MAHAFFEY, K. R. Environmental lead toxicity: nutrition as a component of intervention. Environmental Health Perspectives, n. 89, p. 75-78, 1990.

MENÉNDEZ, E. L. El punto de vista del actor: homogeneidad, diferencia e historicidad. Relaciones - Estudios de Historia y Sociedad, v. 18, n. 69, p. 237-270, 1997.

MINAYO, M. C. S. Hermenêutica-dialética como caminho do pensamento social. In: MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F. (Org.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. (Coleção Criança, Mulher e Saúde).

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 1993.

OKADA, I. A. Avaliação dos níveis de chumbo e cádmio em leite em decorrência de contaminação ambiental na região do Vale do Paraíba, Sudeste do Brasil. Revista Saúde Pública, v. 31, n. 2, p. 140-143, 2007.

PENA, P. G. L.; FREITAS, M. C. S.; CARDIM, A. Trabalho artesanal, cadências infernais e lesões por esforços repetitivos: um estudo de caso em uma comunidade de mariscadeiras em Ilha de Maré, Bahia. Ciência Saúde Coletiva, v. 16, n. 8, p. 3383-3392, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000900005&script=sci_arttext>. QUEIRÓS, M. I. P. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON SIMON, O. de M. (Org.).

MANGUEZAL | 177

RAMOS, A. O negro brasileiro (1934). 5. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2001. (Série Memória Brasileira, n. 5).

RISÉRIO, A. Uma história da cidade da Bahia. 2. ed. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2004. SACHS, I. Environnement et styles de développement. Annales, n. 3, p. 533-570, 1974. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996. SARDENBERG, C. M. B. De Sangrias, tabus e poderes: a menstruação numa perspectiva sócio-antropológica. Revista Estudos Feministas, v. 2, n. 2, p. 314-344, 1994.

SILVANY-NETO, A. M. et al. Evolução da intoxicação por chumbo em crianças de Santo Amaro, Bahia - 1980, 1985 e 1992. Boletin Oficina Sanitaria Panamericana, v. 12, n. 1, p. 11-22, 1996.

SPIRO, M. Postmodernist anthropology, subjectivity, and science: a modernist critique. Comparative Studies Society and History, v. 58, n. 4, p. 759-780, 1996.

TAVARES, T. M.; CARVALHO, F. M. Avaliação de exposição de populações humanas e metais pesados no ambiente: exemplos do Recôncavo Baiano. Química Nova, v. 5, n. 2, p. 147-153, 1992.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Escola de Nutrição - ENUFBA. Estudos e pesquisas para promoção de hábitos de vida e de alimentação saudáveis para prevenção da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis em Ilha de Maré. Salvador: ENUFBA, 2007.

Ambiente inóspito e dor: práticas ambulatoriais