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1. Poder e cultura: contradições da teoria e da prática

1.4 Globalização, processos e influência político-econômica da Chapada Diamantina

1.4.1 Adoção das escalas e as políticas de patrimônio cultural

Outro processo que interessa ser analisado é o da influência da política pública do campo do patrimônio cultural na Chapada Diamantina, como as ações que promoveram alterações do espaço existente, influenciadas, sobretudo, pelas normas públicas que passaram a considerar os espaços como parte do patrimônio cultural material do território. Para auxiliar nesta tarefa

utilizaremos o apoio da escala local, considerada como “medida que confere visibilidade ao fenômeno” (CASTRO, 2011, p. 123) e “o artifício analítico que dá visibilidade ao real” (CASTRO, 2011, p. 133).

A atenção às dinâmicas promovidas ao longo dos séculos e a partir da normatização dos espaços urbanos por meio das políticas culturais que passaram a influenciar o território nos permite relacioná-las e compará-las. Realizaremos a partir daí considerações sobre as contradições das iniciativas locais e das ações em relação aos efeitos que eram esperados, definidos dentro da burocracia da escala pública, em especial, estadual e federal. Analisar a influência de forças de escala global para as ações geradas pelo Estado e para as mudanças produzidas na realidade local também permite refletir sobre as contradições inerentes aos estímulos à patrimonialização dos espaços urbanos da Chapada Diamantina e a valorização dos saberes construtivos tradicionais para a formação territorial.

Para isso, é necessário considerar a escala global de discussão e definição das políticas relacionadas à cultura e ao patrimônio, que influenciam o desenvolvimento de ações em todo o mundo e, consequentemente, na América, Brasil, Bahia, Chapada Diamantina e seus lugares. Do mesmo modo, as experiências realizadas em outros lugares também nos permitem considerar um outro processo ainda mais definido, que é o de valorização dos saberes relacionados à produção do patrimônio material. No caso, consideramos a principal ferramenta de estudo utilizada para tal na Bahia, o processo de inventariado dos mestres da construção tradicional na Chapada Diamantina.

Esperamos que as diversas escalas consideradas suponham, portanto, campos de representação a partir dos quais são estabelecidas a pertinência do objeto. Cada escala seria indicativa do “espaço de referência no qual se pensa a pertinência (…) do sentido atribuído ao objeto definido pelo campo de representação” (CASTRO, 2011, p. 134). A inspiração do conceito de escalas nos permite, assim, avaliar tanto a importância das discussões e da execução de políticas públicas relacionadas ao patrimônio cultural em uma série de países, quanto analisar a influência econômica do ofício de oleiro e adobeiro em Morro do Chapéu, por exemplo.

As escalas seriam uma forma de dividir o espaço, uma forma de lhe dar uma representação, uma perspectiva que altera a forma como a natureza do espaço é admitida. As escalas permitiriam definir modelos espaciais de “totalidades sucessivas” (CASTRO, 2011, p. 136). Tentamos considerar as relações estabelecidas entre as escalas nas quais operam os departamentos do organismo que atua na elaboração das políticas e organização dos processos de tombamento de bens culturais e de inventariado do patrimônio imaterial vinculado ao ofício da construção tradicional e a escala da execução das ações, no caso, a escala local, e “diferenciar os condicionantes” (MORAES, 2000, p. 26) de ambas as iniciativas.

No caso desta pesquisa, é importante definir com clareza as escalas e os processos que interessam serem considerados. Isso porque temos a expectativa de que o processo de formação territorial nos possibilite identificar como a estrutura econômica do território foi influenciada pelas atividades de interesse e qual a participação das atividades na estrutura econômica atual. Além disso, ao relacionar o apanhado histórico de elementos da atividade da construção que temos à disposição ao processo de realização do inventário identificamos a evolução da dimensão dos saberes tradicionais relacionados à construção e quais as dinâmicas econômicas atuais do setor no território.

Pretendemos analisar os temas de interesse a partir da tentativa de análise da totalidade das relações entre os elementos das estruturas resultantes nos espaços da Chapada Diamantina e de Morro do Chapéu. Compreendendo o “espaço como dimensão da realidade” (MORAES, 2000, p. 21), nos debruçaremos mais à frente sobre a história do “território” (MORAES, 2000, p. 21), tentando também compreender suas dinâmicas enquanto processo, na busca pela gênese de “conjuntos espaciais contemporâneos” (MORAES, 2000, p. 21).

O processo de formação territorial em questão permite verificar que os territórios da Chapada Diamantina e o de Morro do Chapéu são construções políticas afirmadas “por meio de pactos e disputas sociais” (MORAES, 2000, p. 22). A formação territorial apresentaria uma faceta de elaboração ideológica, “resultando em constructos discursivos que comandam tanto a consciência dos lugares quanto sua produção material” (MORAES, 2000, p. 22).

Será possível avaliar estes construtos vinculados às políticas públicas de tombamento do patrimônio cultural material e o programa público dedicado à valorização do patrimônio cultural imaterial e as contradições inerentes a estes mais à frente. Por enquanto, é recomendável libertar o conceito de território adotado “da confusão com a violência e da restrição à dominação” (SOUZA, 2011, p. 80). Mesmo que estejamos analisando os efeitos de políticas governamentais na escala local, o território não precisa ser reduzido a essa escala, nem associado à figura estatal. “Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas escalas” (SOUZA, 2011, p. 80).

Por isso que nos permitimos nesta pesquisa nos apoiarmos em dois territórios complementares. Um deles o território da Chapada Diamantina, formado por 24 municípios, porém, conforme visto, considerando também as relações que se dão com o espaço externo, seja ele contíguo ou o mais distante imaginado. Isso se dá pelo interesse na análise ampla da caracterização daquilo que pode ser considerada a economia do patrimônio cultural da Chapada Diamantina, em especial a influência das atividades econômicas de interesse para a formação deste território.

Outro território de interesse é o que está esboçado nos limites do município de Morro do Chapéu, ou seja, uma parte específica do território de identidade citado. O interesse no território do

município se dá em virtude da importância das atividades laborais relativas ao uso do barro para a produção artesanal de materiais construtivos. É por meio da análise das características da atividade da construção tradicional que pretendemos identificar a dimensão econômica gerada a partir do trabalho de oleiros e adobeiros, incluindo as estruturas políticas e simbólicas das ocupações.

Adotamos assim a questão da territorialidade, uma forma de flexibilizar a maneira de vermos o território. Desta forma, o território é entendido como campo de forças, teia ou rede de relações sociais que “a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade” (SOUZA, 2011, p. 86). Por isso, é importante caracterizar o conteúdo espacial do território, identificado na persistência de “representações espaciais territorializantes” (SOUZA, 2011, p. 98), mesmo que a organização espacial original tenha sido alterada. Acreditamos que este seja o caso do objeto desta pesquisa, que apesar de manter significados semelhantes àqueles de seu surgimento, atualmente operam em outra configuração.

Consideramos ainda que o sentido de território adotado pressupõe que o uso e o controle do território e a repartição de poder possuem importância mesmo quando as estratégias de desenvolvimento sócio-espacial não possuem apenas o sentido econômico-capitalista (SOUZA, 2011, p. 100).

Paralelamente, é necessário, ainda, avaliar se as atividades econômicas tradicionais analisadas modificaram de alguma forma a possibilidade de os trabalhadores considerados se deterem “sobre um controle significativo sobre o seu espaço vivido” (SOUZA, 2011, p. 111), já que isso é decisivo para a coletividade. Isso se torna importante para um estudo que se propõe a avaliar se as ações das políticas públicas para o patrimônio cultural material e imaterial realizadas no território, de fato, representaram mudanças sociais, políticas e simbólicas ou podem apresentar alternativas para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, principalmente, aqueles detentores de saberes e fazeres da construção tradicional.