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3. Política do patrimônio cultural e ambiental na Chapada Diamantina e economia

3.3 Patrimonialização e os processos do mercado

Interessa-nos discutir a relação entre as dimensões de estudos das manifestações culturais e a valoração monetária estimulada. Alguns autores dedicam à multiplicação de instâncias que têm a ver com a ampliação do mercado e as expectativas dos agentes sociais o estímulo aos estudos das relações entre consumo, gestão cultural e sanção patrimonial (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 8). Os autores propõem as reflexões e investigações sobre cinco eixos

transversais que possibilitam estudos que fazem intersecções com os temas da economia, política e cultura relacionados "aos processos de patrimonialização e usos do patrimônio" (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 15).

O eixo de economia política e multiculturalismo designa o processo de transição do social para o cultural que tem acontecido sobre o campo do patrimônio e a patrimonialização. Ao abordar as conexões entre as esferas econômicas e políticas se evidenciaria como "os valores culturais produzidos nos processos de patrimonialização são rentáveis e capitalizáveis" (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 15).

O eixo que mais nos interessa, entretanto, é o da economia cultural. Quanto a este, os autores afirmam:

economia cultural designaria mais um corpo conceitual, um método, que um campo específico ou um objeto de estudo. Não se trata, então, de uma economia da cultura. O conceito de economia cultural é muito útil porque engloba categorias como 'mercado' e 'consumo' e torna possível sua articulação com objetos e processos culturais como o patrimônio2223. Haveria, portanto, uma 'economia do patrimônio' que deveria ser reconhecida e estudada (...) (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 18, tradução nossa).

Há ainda o eixo de identidades, representações, diversidade e diferença, os autores afirmam ser muito comum o uso da retórica da diversidade e da autenticidade cultural nos discursos sobre patrimônio material ou imaterial. "A autenticidade, por sua vez, ligada à noção de identificação identitária é geralmente considerada estranha ao mercado e ao consumo, o que a corrompe sob essa perspectiva" (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 15).

Quanto ao eixo de práticas de mediação e agenciamento, os autores baseiam-se em pesquisadores como a cientista social britânica Doreen Massey24, para tratar sobre a "compreensão da complexa dinâmica das redes sociais locais em interação com escalas mais amplas" (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 20). Para eles:

os propósitos e consequências das políticas estatais de patrimonialização são diferentes de acordo com o lugar que ocupa a comunidade postulada em um jogo de hierarquias que são governadas de acordo com a cartografia sócio-racial da nação, a valorização da escala de autenticidade e de alteridade, e na escala do capital socioeconômico e simbólico (CHAVES; MONTENEGRO; ZAMBRANO, 2010, p. 20).

Isso explicaria o favorecimento dos bens das elites no caso daquelas referências culturais que foram beneficiadas com processos de patrimonialização. O processo se daria de forma generalizada no mundo, beneficiando os bens de grupos privilegiados da sociedade, enquanto os bens culturais dos grupos oprimidos teriam muito mais dificuldade de terem reconhecidos os fatores

22 COMAROFF, J.; COMAROFF, J. Ethnicity Inc. Chicago: The University of Chicago Press, 2009.

23 KIRSHENBLATT-GIMBLETT, B. World heritage as cultural economics. In: I. Karp et al. Museum frictions. Public

culture/Global transformations. Durham: Duke University Press, p.161-202, 2007.

que os fariam tornarem-se bens passíveis de fazerem parte do patrimônio internacional ou dos lugares nos quais são realizados.

Outros pesquisadores, a exemplo da pesquisadora romena Tudorache Petronela (2016, p. 732), contrapõem a corrente de pensamento que opunha a preservação do patrimônio cultural ao desenvolvimento econômico à noção de que ambos são parceiros para o desenvolvimento dos países. A autora diferencia a determinação do valor econômico pela medição do "valor agregado bruto, os efeitos multiplicadores sobre a economia, as visitas turísticas e seu consumo" (PETRONELA, 2016, p. 732, tradução nossa) e do valor social pela "coesão social, o empoderamento da comunidade, a habilidade e desenvolvimento do aprendizado" (PETRONELA, 2016, p. 732).

A autora ainda descreve que, para o setor turístico, por exemplo, a riqueza nacional imaterial seria medida pelo agrupamento entre conhecimento, nível da cultura, tradições, moral nacional entre outros fatores. "No contexto da nova economia, a crise econômica e a luta entre as nações para alcançar um avanço competitivo na política de desenvolvimento regional podem ser consideradas uma ferramenta de defesa contra as possíveis ameaças da globalização" (PETRONELA, 2016, p. 735). Os recursos intangíveis específicos e únicos dos países teriam a capacidade de atrair investidores estrangeiros.

Com o objetivo de medir a importância do patrimônio cultural imaterial para a economia de cinco países europeus, Petronela conclui que a Áustria é a nação que mais investiria recursos nos campos das artes, cultura e patrimônio. A conclusão é que valorizando os elementos intangíveis da cultura os países teriam maior capacidade de atrair o apego emocional e sentimental dos turistas. Petronela relaciona os efeitos diretos de aumento da renda e emprego nas comunidades locais e os efeitos indiretos, por meio do desenvolvimento do turismo vinculado ao patrimônio cultural imaterial. A autora conclui que "é importante salvaguardar o patrimônio cultural intangível, porque aumenta a receita do país e atrai muitos turistas que visitam diferentes produtos culturais e, é claro, podem criar empregos" (PETRONELA, 2016, p. 736, tradução nossa).

A atenção dada ao país europeu ao tema pode ser exemplificada pela publicação dedicada aos Ofícios tradicionais enquanto patrimônio cultural intangível e um fator econômico na Áustria (SANGRUBER; HEIDRUN; WALCHER, 2019, tradução nossa). O documento revelou certa estabilidade no volume de espaços dedicados ao ensino profissionalizante de ofícios tradicionais da construção, a exemplo dos fabricantes de tijolos cerâmicos, entre as décadas de 1950 e 2010, por exemplo, assim como o número de aprendizes dedicados aos ofícios. A medida teria sido possível por conta da adaptação dos modos de produção artesanal a partir de práticas inovadoras ao uso de novos materiais e técnicas na construção civil.

Mesmo algumas técnicas tradicionais tendo sido substituídas por novas técnicas construtivas, as academias de ensino da construção, presentes em todas as províncias federais austríacas, oferecem treinamentos relacionados aos diversos tipos de ofícios da construção tradicional. Compreende-se que seja necessária a qualificação nos ofícios tradicionais para que os profissionais possam lidar com técnicas construtivas modernas. Considerou-se também a necessidade de mão de obra qualificada ao uso de materiais consagrados pelo tempo e as técnicas apropriadas para a restauração de edifícios antigos e preservação de estruturas construtivas tradicionais (SANGRUBER; HEIDRUN; WALCHER, 2019, p. 75). Edificações históricas também foram convertidas em espaços que oferecem oficinas para a qualificação em restauração de bens do patrimônio cultural e o conhecimento de técnicas artesanais, a exemplo da alvenaria. A iniciativa garantiria a ligação entre a teoria e prática necessárias à transmissão dos conhecimentos relacionados aos ofícios.