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2. Contexto dos territórios da Chapada Diamantina e Morro do Chapéu

2.4 Histórico dos processos políticos em Morro do Chapéu

Algumas etapas são representativas para compreender como o poder formal se organizou na escala local e qual a sua importância para a formação territorial de Morro do Chapéu. Algumas for- mas políticas ainda marcam as relações na região, a exemplo do coronelismo, que apesar de ter en- trado em decadência a partir de 1930 ainda possui reminiscências, a exemplo da influência de meca- nismos de poder como o clientelismo, o paternalismo entre outros. A diferença é que enquanto antes o Estado era compreendido como uma extensão do patrimônio privado dos coronéis e apadrinhados, mais recentemente passou a ser visto também “como refém de interesses do empresariado e do grande capital financeiro” (CHRISTOFOLLI, 2010, p. 234). São lógicas que vêm de processos his- tóricos que remontam “às capitanias hereditárias e às terras de sesmaria, em que o beneficiário res- pondia também pelo governo, pelas leis etc” (CHRISTOFOLLI, 2010, p. 234).

Pecuaristas e comerciantes de pedras preciosas foram os principais líderes políticos até o século XX na região. Os chefes políticos detinham, em especial, a propriedade dos garimpos e das casas comerciais de compra e venda das pedras e o apoio dos comerciantes. Além disso, tinham o apoio dos garimpeiros e o controle local sobre aquela que foi a principal função econômica das ser- ras do sertão baiano. De acordo com a importância dedicada por Milton Santos (1985, p. 6) a um dos elementos do espaço, as firmas, e da capacidade daquelas vinculadas à comercialização de pe- dras preciosas à produção de normas que regulam as relações entre os elementos do espaço (AN- TAS JR, 2005, p. 68), é possível afirmar que, principalmente, os coronéis do garimpo definiram as

normas que regiam a sociedade local. Obviamente, os atores estrangeiros, destinatários da produ- ção, também faziam parte do esquema.

Em 1915, em contrapartida aos sucessivos desmembramentos de territórios do município em favor de novas municipalidades, é cedido a Morro do Chapéu o status de comarca, com área de in- fluência muito maior que os limites do município. O espaço de produção de normas e decisões ju- rídicas significou maior influência econômica e política das elites do município. O elemento da es- trutura jurídica pública pode passar prontamente a receber e atender às demandas dos atores produ- tores do espaço no que se referia à regulação dos usos do território. Isso porque “aqueles com maior capacidade de produzir território, segundo interesses gerais ou específicos (agentes hegemônicos), produzem regras com vistas a facilitar suas ações” (ANTAS JR, 2005, p. 75).

O poder dos coronéis seria abalado em 1930, quando, a partir do golpe capitaneado por Ge- túlio Vargas, alteram-se as estruturas do poder político. A estrutura política local também passou a funcionar numa dinâmica diferente e “uma nova ordem foi imposta” (CUNEGUNDES, 1981, p. 39). Os principais coronéis da região são presos, e o sertão passa por um processo de desarmamen- to. A força econômica e política dos comerciantes e “senhores de terra” e “as lutas específicas pelas frações do poder” (COSTA, 2008, p. 263) continuam a acontecer, mas, a partir de então, outros ato- res também passam a fazer parte do jogo.

Obviamente, parte da população até hoje se opõe à persistência da influência dos grupos po- líticos vinculados às famílias tradicionais e aos coronéis. Reconhecemos que as versões da história do município contadas pela população, em geral, não estão disponíveis em documentos. Mas os conflitos aconteciam, como “expressão concreta da territorialidade” (CASTRO, 2005, p. 140), dado que os trabalhadores estavam inseridos no sistema de sociedades “complexas e desiguais” (CAS- TRO, 2005, p. 140)

As disputas políticas mobilizavam interesses vinculados aos territórios dado que este é in- trinsecamente político, “arena de conflitos e, consequentemente, de normas para a regulação que permitem o seu controle” (CASTRO, 2005, p. 139). Reconhecemos, no entanto, o espaço atual de Morro do Chapéu como uma resposta possível a outra série de conflitos ocorridos e, em parte, aten- didos em virtude das demandas e lutas dos trabalhadores.

No caso da efetivação espacial das formas empreendidas pelo poder no local, é importante ressaltar como a ação política e a articulação entre as oligarquias locais e as demais escalas de poder provocaram mudanças para a formação territorial do município. É em meados do século XX que as demais esferas do poder público promovem de modo mais intenso uma série de obras em Morro do Chapéu. Além disso, novas sociedades com foro são criadas.

Conforme apresentamos anteriormente, apesar das obras empreendidas com o apoio do po- der público, a situação de fragilidade social na maior parte da zona rural de Morro do Chapéu per- sistia quase que nas mesmas condições que nas décadas anteriores. Em vez de promover o desen- volvimento econômico das localidades, as obras e serviços criados teriam tido a “finalidade de man- ter as áreas de interesse sob o controle das elites locais” (MORENDE, 2013, p. 102).

Com a intensificação da rede de infraestrutura do município, em 1995, numa das localidades de interesse da pesquisa em Morro do Chapéu, o povoado de Fedegosos, já havia escolas munici- pais e estaduais de 1º grau, posto de saúde, energia elétrica, serviço telefônico e serviço público de abastecimento de água (ROCHA; COSTA, 1995). É importante considerar que as disputas pelo po- der dentro da Câmara de Vereadores do município também representam benefícios para algumas lo- calidades em detrimento de outras (MORENDE, 2013, p. 92).

A garantia de manter parcialmente as formas das elites edificadas durante os séculos de ex- ploração da classe trabalhadora, possivelmente, foi uma das funções que influenciaram a mobiliza- ção para a transformação das zonas urbanas decadentes, resultado da exploração e abandono dos ga- rimpos de diamantes. Esta meta não era só um dos objetivos dos representantes de dada classe de habitantes de algumas destas localidades, que se beneficiaram diretamente dos processos que se de- senvolveram a partir da chancela concedida pelo órgão responsável pelo patrimônio cultural nacio- nal. A própria política e as normas produzidas pelo poder público federal e pela autarquia de mesma função no Estado também se destinavam parcialmente a isso.