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Afeto/sensibilidade – “eu passo para eles essa confiança e eu passo que eu quero o bem deles, que eu não estou aqui para só ensinar e avaliar”

TRABALHO DE CINCO PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

4.4 Experiências e práticas docentes – “a essência do professor é o seu dia a dia, a sua

4.4.6. Afeto/sensibilidade – “eu passo para eles essa confiança e eu passo que eu quero o bem deles, que eu não estou aqui para só ensinar e avaliar”

Na perspectiva de considerar a elaboração do conhecimento pela criança como um processo que respeita as particularidades, necessidades e limitações de cada aluno, a professora Margarida declara que no seu dia a dia utiliza estratégias para dar condições a todos os alunos da turma de progredirem na aprendizagem, mesmo perante situações adversas, como a que relata no seguimento:

Eu peguei uma turma, esse ano, uma turma de 32 alunos, com sete lendo. Aí eu vou só dar atenção para os sete? E os demais? Eu faço uma tarefa diferenciada para aqueles sete e, terminada a tarefa, eles vão sendo meus ajudantes, porque aluno com aluno a linguagem é a mesma, muitas vezes aprendem mais com o outro do que com você. Então eu começo a fazer apadrinhamentos na sala de aula. Eles vão ficar responsável por aquele aluno. Final do ano, premiação: medalha para os padrinhos e medalha para os afilhados, que conseguem ter avanços. Porque se eu não fizer assim, como é que sozinha eu vou conseguir? Então, trabalho coletivo!

A realidade da educação brasileira impede uma ação docente uniforme para os alunos de uma turma por conta da dissonância que existe entre eles com relação ao nível de conhecimento e aprendizagem. No caso de Margarida, em uma turma de 4º ano, apenas sete alunos estavam alfabetizados; a maioria ainda se encontrava em decurso de desenvolvimento dessa habilidade. Ciente de que esta situação demanda um trabalho direcionado tanto para os que já demonstram maior evolução, para que continuem progredindo, quanto para os que

ainda caminham nessa direção, a maneira encontrada pela professora foi o trabalho coletivo e colaborativo, em que alguns alunos ajudam os colegas. Trabalha com toda a turma o respeito aos ritmos de cada um, sensibilizando-os na perspectiva de ajudas e aprendizagens mútuas.

Margarida reconhece, contudo, que esta estratégia é bastante difícil de ser praticada, principalmente porque demanda muita atenção e organização. Destaca que, diante de uma realidade complexa, em que identifica tantos problemas vivenciados pelas crianças que também interferem no seu trabalho, o afeto é o melhor caminho encontrado por ela para conquistar a confiança dos alunos e colaborar mais efetivamente na edificação do conhecimento. O comentário a seguir corresponde à relação afetuosa que Margarida estabelece com seus alunos:

Aqui a maioria dos meus alunos do 4º ano não sabe ler. É um trabalho muito grande. Aí o único caminho que você tem é através do afeto. Porque a vida dele é tão amarga, tão dura, que se você cobrar dessa criança só conhecimento, você não chega a seu objetivo. Hoje em dia a maturidade deles é muito grande e a afetividade junto com a confiança que a gente transmite nas aulas de Formação Humana, ajudam nesse processo.

A afetividade é um dos meios utilizados por Margarida para se aproximar dos alunos, pois ela revela que consegue estabelecer um vínculo com as crianças, oferecendo-lhes cuidado e atenção, valorizando-as como pessoas, enaltecendo suas produções e atitudes.

As aulas de “Formação Humana” são, para ela, momentos para saber qual é o pensamento dos estudantes sobre certas questões – como violência ou relacionamentos familiares – e o que esperam do futuro, para que possa aconselhar, orientar e fazer com que percebam novas perspectivas sobre a vida “para que o aluno venha se emancipar, entender-se como cidadão, que ele pode ser um agente de mudanças e que ele tem oportunidade para isso, dizendo as várias direções que eles podem tomar, os vários rumos que eles podem seguir”.

A professora Acácia também registra a importância do diálogo para a conquista da confiança dos alunos. Revela que conversa muito com eles sobre seu papel como professora, que mais do que ensinar e avaliar, é contribuir para a sua formação como pessoa, consciente dos seus direitos e deveres como cidadão, conforme indica:

Eles têm uma relação de confiança com a gente, eu gosto disso. Eu acho que eu escuto muito eles. Eu passo para eles essa confiança e eu passo que eu quero o bem deles, que eu não estou aqui para só ensinar e avaliar, eu estou aqui para ajudá-los, eu estou aqui para formar cidadãos, eu passo muito isso para eles. Nem todo mundo tem consciência dessa responsabilidade, infelizmente, mas eu passo isso para eles.

Acácia aponta neste comentário algumas das demandas com as quais o professor precisa lidar no seu dia a dia, o que, muitas vezes, pode comprometer o desempenho da sua

principal atribuição, que é o ensino. Ela defende o argumento de que não há como simplesmente ensinar os conteúdos das disciplinas e se eximir de cuidar dos estudantes, de orientá-los, ouvir suas ideias, medos, dificuldades, dúvidas e sugestões. Mostra-se sensível e consciente da sua responsabilidade como educadora.

A professora Tulipa assevera que a sensibilidade é um importante atributo de um professor. Para ela, no momento em que o docente se mostra sensível à história de vida dos alunos, aos seus pensamentos, valoriza-os como pessoas e os respeita, ele está sendo acessível ao estudante, que, em função disso, tende a aproximar-se e confiar mais nele, respeitando-o:

O que eu também acho muito importante num professor é a sensibilidade. Porque quando eu vejo um professor que tem sensibilidade, que tem humildade, que ele pode ver o aluno como ser humano, que ele respeita o aluno, quando ele aceita a manifestação do aluno e sua posição, quando ele tem segurança do que está fazendo, tem objetividade, é o perfil do professor que encanta. Quando um professor ele tem respaldo, ele é elogiado, ele é visto. O aluno entende, o aluno respeita, o aluno considera, o aluno aprende.

A relação de confiança e respeito entre professor e alunos, conforme Tulipa, também é revertida em melhorias no processo de ensino e aprendizagem, na perspectiva de que tanto o professor pode desenvolver seu trabalho com maior segurança, qualidade e objetividade, aprendendo também com as experiências de vida dos seus alunos, como os estudantes podem encontrar no professor um confidente, contando problemas ou dificuldades que o estejam preocupando e interferindo no seu rendimento escolar.

De acordo com Tulipa, a qualidade da relação estabelecida entre professores e alunos é primordial para que a ação educativa aconteça significativamente, responsabilidade que ela atribui aos primeiros: “o professor tem a capacidade de “curar” ou “matar”. E eu, eu faço tudo meu Deus para não “matar” uma criança, no sentido de você tirar dela o que há de melhor: o estímulo, a alegria, a esperança”.

A “cura” que um professor é capaz de dar a uma criança, para Tulipa, é no sentido de promover seu desenvolvimento em diversos aspectos, entre eles, social, afetivo e cognitivo, de forma que ela esteja motivada para aprender, interaja com as demais crianças e expresse melhorias na autoestima, autonomia, socialização e criatividade. Um docente “mata” uma criança quando não desenvolve esses aspectos, quando não investe nas suas potencialidades e habilidades e não a ajuda na superação das suas dificuldades.

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