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Reflexões sobre as práticas – “quando a gente para pra pensar, vem as

TRABALHO DE CINCO PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

4.4 Experiências e práticas docentes – “a essência do professor é o seu dia a dia, a sua

4.4.9. Reflexões sobre as práticas – “quando a gente para pra pensar, vem as

transformações, vem as mudanças, principalmente quando você pensa sobre a tua ação”

É possível perceber, em diversos momentos das entrevistas, que as professoras indicam traços de pensamento e questionamento sobre suas práticas ao relatarem suas experiências, identificando pontos positivos e negativos em torno do que fizeram, como fizeram, que repercussão essas ações tiveram e em que consideram que precisam melhorar.

A professora Acácia relata que, à noite, antes de dormir, pensa no dia que se passou, principalmente se sua aula não tiver atingido o objetivo esperado. Expressa que reflete constantemente sobre sua prática e pensa acerca do que pode ter faltado quando a aula não foi boa, planejando outras possibilidades para as próximas, e até mesmo quando comete um erro com algum aluno, chamando-o para conversar no outro dia. Para a professora, pensar sobre o que faz é importante, porque, “se acontecer de novo, eu não espero situações ruins, mas aí eu já tive uma experiência, já sei como lidar com o problema”.

Um dos aspectos positivos da reflexão sobre a prática é que as experiências novas, as situações de dúvidas e incertezas pelas quais o professor passa em seu percurso, e que

busca meios para solucioná-las, vão se constituindo em saberes docentes, que servem como referência para outras ocorrências que porventura aflorem.

A professora Tulipa também relata que pensa sobre sua ação docente. Ao terminar a aula, na volta para casa, vai refletindo sobre os acontecimentos do dia e imaginando que outras atividades poderia ter feito; suas aulas não são momentos acabados; pensando sobre elas, formula novas ações para que possa implementar nas posteriores. Essa reflexão é ainda mais intensa quando nota que cometeu algum erro, principalmente se for com um aluno, por ter sido grosseira ou por não ter dado a atenção que ele pedia, como expõe na seguinte fala:

Eu penso sobre o que faço, sempre fico pensando, falo sozinha. Às vezes tem terminado a aula e eu fico falando, eu fico sussurrando assim “já pensou aquilo ali, eu poderia ter feito como?”. Ai se tiver dado errado, aí é que eu penso mesmo, para no outro dia eu corrigir aquilo ali. Às vezes você diz, você fala, você está sem paciência mesmo, porque é muito difícil você trabalhar com criança, com gente. Para Tulipa, quando o professor pensa sobre sua prática, ele a transforma, pois vai notando erros e acertos que o ajudam a ressignificar sua ação docente na perspectiva de melhorá-la. A reflexão permite fazer projeções, ponderações, tomar decisões, perceber dificuldades e necessidades, para, então, buscar soluções que, consequentemente, proporcionam mudanças na pessoa e no profissional. A fala seguinte evidencia essa necessidade da reflexão sobre a prática:

Nós precisamos, nós seres humanos, como professora, como mãe, como mulher, a gente precisa de reflexão. A gente precisa disso para melhorar como pessoa. Quando a gente para pra pensar, vem as transformações, vem as mudanças, principalmente quando você pensa sobre a tua ação. Que tu vê o que tu fez, o que deixou de fazer, o que você poderia ter feito, se você tivesse feito dessa maneira... E o professor, principalmente, porque ele lida com gente, com pessoas, com formação, com construção. O bom professor, precisa repensar, refletir as ações porque quando ele pensa é o sinal de que está preocupado e que quer mudar. A preocupação ela leva à reflexão. O erro está quando você acha que está tudo bem. Quando não tem a inquietação. Se acha que está tudo bem, você não vai mudar.

Neste comentário, ela chama atenção para duas questões que evidenciam a necessidade da reflexão sobre a ação por parte do professor: (i) ele lida com pessoas em processo de formação e (ii) transforma suas práticas porque se preocupa com oferecer uma educação que privilegie a conquista de aprendizagens significativas.

Em seu memorial, Tulipa reafirma a necessidade e importância do professor refletir sobre suas práticas, analisando suas ações em sala de aula e identificando pontos positivos e negativos que passam a ser usados como referência para possíveis mudanças:

A cada novo dia tenho procurado enriquecer minhas práticas docentes, avaliando e reavaliando as ações diárias, tirando proveito dos erros e acertos, sempre

valorizando o meu aluno, percebendo-o como um sujeito em construção e que minhas práticas precisam ser favoráveis para o desenvolvimento de suas capacidades.

A professora Rosa ressalta que a escola e a sala de aula são espaços de aprendizagem para os professores e, portanto, parte de suas formações são formulações de saberes ancorados nas experiências. Aprende-se com a própria prática, com base no que se planeja e dá certo e, também, com aquilo que não dá, abrindo espaço para novas tentativas e transformações, com novos conhecimentos e experiências. Na fala a seguir, a professora enfatiza as aprendizagens construídas em suas atuações em sala de aula:

(Sala de aula) é lugar de constante aprendizagem, a gente aprende demais. Todo dia a gente aprende alguma novidade na nossa sala de aula, boa ou ruim. A gente aprende lições que nem um livro ensina. Tudo é aprendizado e quando alguma coisa não dá certo, tem que refletir onde foi que você errou ou onde foi que você podia ter feito diferente.

Açucena, em seu memorial, enfatiza que o professor deve se manter vigilante sobre suas ações, percebendo o que está dando certo e o que não está, para, paulatinamente, proceder às modificações necessárias de forma a atingir sua principal meta: a aprendizagem dos alunos. É nesta perspectiva que ressalta a necessidade de o docente refletir criticamente sobre a prática, especialmente considerando o seu papel social:

É necessário uma vigilância constante do professor com relação a seus próprios atos. Daí a necessidade da reflexão crítica sobre a prática, da análise constante dos fundamentos que alicerçam nosso entendimento sobre o papel social da educação e do modo como estamos desenvolvendo nossa ação pedagógica.

Assim como as demais professoras, Margarida também analisa suas aulas, refletindo sobre os aspectos considerados positivos e os que não surtiram o efeito esperado, conforme registra:

Eu procuro fazer essa relação: aquilo que deu certo e aquilo que não deu. Qual o melhor caminho? Tem que fazer isso. A avaliação do dia. Porque às vezes você planeja uma coisa tão boa para os alunos, mas eles não dão esse feedback para você e você acaba, não posso nem dizer se frustrando, mas se entristecendo porque a gente queria que eles pudessem dar muito mais.

Pelos relatos das professoras sobre suas experiências e práticas docentes, percebe- se o grande valor que atribuem à própria atividade pedagógica que, juntamente com as aprendizagens conquistadas no dia a dia da sala de aula, os conhecimentos teóricos adquiridos na formação inicial e as ações de formação, as ajudam a se constituírem como professoras.

Para Margarida, o percurso de vida e trabalho docente, alicerçado prioritariamente pelas experiências do cotidiano escolar, se configura como a essência do professor:

A essência do professor é o seu dia a dia, a sua trajetória de vida. É no dia a dia que você aprende a ser professor, é a experiência. Você faz a junção experiência e conceitos, teoria e prática. A sua essência como professor é sua trajetória de vida, as suas referências.

A professora Tulipa, em diversos momentos da entrevista, sinalizou para o fato de que todas as experiências de ensino vivenciadas pelo professor ao longo da sua trajetória de formação e trabalho vão trilhando o caminho que o constitui profissionalmente. Nesse percurso, conhece outros profissionais, novas metodologias de ensino, formas de ser e estar na profissão e vai percebendo aquilo com o que se identifica, coletando o que considera interessante e proveitoso para a sua prática e que pode ensejar bons resultados de aprendizagem; enfim, o professor vai construindo, paulatinamente, a própria didática:

Tudo isso vai sendo um caminho e é como uma costura, eu comparo assim um vestido, você começa aqui com um tecido, você não sabe qual é o modelo ainda, o que é que você vai fazer com aquele tecido, está com a tesoura na mão, mas você começa, aí vai cortando, de repente você começa a costurar e você vai vendo e escolhendo aquele modelo e o professor ele acaba criando a sua própria didática a partir dessas atividades. Você vai vendo o que é bom, o que é que não é, aquilo que ela fez não foi legal, aquele jeito que ela agiu, aquela maneira ali que eu fiz também não foi bom.

As experiências docentes vivenciadas pela maioria das professoras durante seu percurso de trabalho, antes ou durante a formação inicial, sempre ajudaram na elaboração da sua própria prática. As vivências como alunas, as observações e os relatos das experiências de profissionais da educação e os primeiros ensaios da profissão foram possibilitando, para cada uma delas, a constituição dos traços iniciais do ser professor, o que, mais tarde, se sedimentaria com a apropriação de um arcabouço teórico.

Embora as docentes pesquisadas demonstrassem percepções semelhantes em muitos aspectos da ação docente, as diferentes formas de os professores compreenderem suas práticas estão relacionadas com os percursos de vida de cada um, que abrangem toda a sua trajetória escolar e acadêmica, as diversas atividades formativas, as diferentes etapas da educação básica em que atuam, assim como toda a história do grupo socioprofissional (FORMOSINHO, 2009).

As professoras também demonstram compreender a formação como algo permanente, porquanto registram a ideia de que os professores aprendem com o dia a dia da profissão, considerando principalmente as lições de vida aprendidas com seus alunos, no complexo contexto social que muitos enfrentam, e das possibilidades de troca e compartilhamento de experiências com outros profissionais da educação. Nóvoa (1995)

ressalta o fato de que os espaços coletivos de trabalho são também de formação e que o desenvolvimento profissional docente deve ser articulado com as escolas e os seus projetos.

Em vista das situações relatadas pelas professoras quanto ao contexto em que as escolas e seus alunos estão inseridos e do sentimento de impotência perante uma realidade que elas não têm como mudar, Pimenta (2002) adverte sobre a necessidade de formar os profissionais para lecionar em condições de instabilidade e conflito, uma vez que o ensino se caracteriza como prática social em contextos historicamente situados.

As docentes revelam em diferentes momentos da entrevista e em trechos do memorial que consideram a reflexão sobre a prática uma ação indispensável para os professores que se preocupam verdadeiramente com a formação e aprendizagem dos seus alunos na perspectiva de favorecer e facilitar esses processos. Pimenta (2002) enfatiza a noção de que a reflexão contribui para o exercício da docência, promovendo a valorização do ofício de professor, dos saberes docentes, do trabalho coletivo e das escolas como locus de formação contínua.

É possível perceber pelas falas das professoras uma atribuição prioritária às experiências e práticas docentes como favorecedoras da constituição de si como profissionais da educação. Ensina Giroux (1997), que a atividade docente é uma prática intelectual crítica que abrange reflexões sobre os problemas e experiências cotidianas com arrimo na compreensão do seu papel como sujeito histórico.

É possível perceber também que as professoras demonstram em alguns momentos da entrevista, assim como em algumas passagens do memorial, que exercem seu trabalho com autonomia, especialmente quando relatam sobre suas práticas, como em relação às opções metodológicas que lhes convém utilizar. De acordo com Freire (1996), a autonomia é constituída e desenvolvida ao longo da prática educativa do professor, ao ensinar, ao aprender, ao conhecer, ao intervir.

O próximo e último item desta análise trata das mudanças que as professoras perceberam em suas práticas e que também contribuíram para a constituição de si como pessoa e profissional.

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