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Experiências negativas/desatenções – “o que é ruim numa prát ica eu acho o descaso

TRABALHO DE CINCO PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

4.4 Experiências e práticas docentes – “a essência do professor é o seu dia a dia, a sua

4.4.7. Experiências negativas/desatenções – “o que é ruim numa prát ica eu acho o descaso

Algumas professoras, ao tecerem considerações a respeito de suas experiências e práticas docentes, relatam também situações que durante o seu percurso identificam como negativas e, precisamente por isso, não as reproduzem em suas ações pedagógicas.

A professora Margarida reúne algumas ocasiões negativas vivenciadas quando aluna e que não reproduz na sua prática. O comentário a seguir indica práticas docentes que não toma como referência para si:

Eu acho que professor é aquele que se interessa pelo aluno, a dificuldade do aluno, por que é que o aluno não aprendeu, não está ali só para cumprir horário e vai embora. Não foram referência para mim, esses professores. Não levo para a minha prática a questão da decoreba, jamais, de tornar a explicação do conteúdo sacal, porque o conteúdo, por mais que seja extenso, mas se você estudar, se organizar, se preparar antes e tiver o compromisso com seu aluno, você consegue ensinar de uma forma mais prazerosa. E outra coisa que eu não faria é impor muitas coisas para o aluno. Regras são importantes, mas tem que saber como passar porque você não ganha a confiança deles no grito, você não ganha batendo a mão na mesa, não ganha impondo, você não ganha nada dessa forma.

As professoras demonstram tomar as práticas de ex-professores como exemplos para o que não fazer em sala de aula. Revelam, nesses relatos, ter consciência dos seus papéis como educadoras e por isso buscam transformar suas experiências negativas como alunas em práticas docentes positivas. Para elas, professor é aquele que se importa com o aluno, que se preocupa com sua aprendizagem e, por esse motivo, busca meios para favorecê-la; o bom professor se preocupa, também, com os rumos que ele vai tomar na vida, procurando orientá- lo e ajudá-lo a enfrentar seus receios e dificuldades, ao mesmo tempo em que o motiva a aprender e a esquadrinhar boas perspectivas, uma afiança para seu futuro.

Tulipa também destaca o descaso como atitude negativa por parte de muitos colegas de profissão. Revela que, nas suas vivências, observa professores que identificam uma dificuldade ou algum comportamento estranho do aluno, mas, diante da situação, se omitem, eximindo-se das suas responsabilidades. Referindo-se aos menores, assinala que necessitam de atenção especial e de muita observação, principalmente por conta da vulnerabilidade social, a que muitas crianças estão submetidas, por vezes por parte da própria família. A fala de Tulipa denuncia o descaso de muitos profissionais da educação:

O que é ruim numa prática eu acho o descaso do professor, de ele ver uma demanda e fingir que não vê. Eu vejo uma criança com problema, vejo que tem alguma coisa errada, aí eu finjo que não vi, eu deixo ela lá passar o ano todinho sentado lá num canto. E acontece isso. Porque se ele for atrás, ele resolve, ou pelo menos minimiza. A criança tem um problema de aprendizagem, eu não vou garantir que eu vou deixar ele 100%, mas eu posso tirar ele de um estágio para outro, o que eu não tenho é o direito de deixar ela permanecer lá, eu tenho que fazer alguma coisa para que ela evolua, tem que haver uma transformação.

Tulipa ressalta que o docente deve ficar atento ao que acontece na sala de aula, especialmente quanto às atitudes das crianças. Em outro momento da entrevista, adverte para o fato de que, caso perceba mudanças de comportamento da criança, o profissional deve observá-la com atenção, conversar com ela e procurar entender o que se passa, para que ela apresente aquela atitude. Quando o professor se importa, pode ajudar seus alunos a superar suas dificuldades, sejam estas relacionadas ou não à aprendizagem, mas, quando ele simplesmente ignora, pode negligenciar uma situação de risco e comprometer algum aspecto do desenvolvimento daquela criança.

As docentes relatam, também, diversas histórias tristes de alunos e ex-alunos, e suas famílias, envolvendo problemas de violência doméstica, abuso sexual, gravidez precoce, alcoolismo, vício e tráfico de drogas, culminando, em alguns casos, com prisões ou assassinatos. Esses problemas, segundo elas, invadem a escola e demandam intervenções, que na maioria das vezes ficam a critério dos professores que, por sua vez, pouco podem fazer. Conquanto procurem aconselhar seus alunos, conversando sobre perspectivas acerca da importância do estudo para tentar superar as dificuldades da vida, reconhecem que essas ações repercutem muito timidamente ante a dimensão dessa problemática; a fala da professora Rosa dá uma medida dessa questão:

A gente tem a preocupação normal, assim às vezes saber que um aluno não tem muito a presença dos pais, acontece muito. E a minha preocupação maior é essa, porque esse mês de janeiro a gente teve uma decepção muito grande aqui na escola, porque só alunos aqui, da gente, e é porque a nossa escola é bem localizada, a nossa clientela é boa em relação a outras por aí, mas só nesse mês a gente teve três alunos que foram assassinados por tráfico e roubo, em três momentos diferentes. E assim, alunos novinhos, entre 15 e 20 anos e tinham sido meus alunos. Um, a gente já sabia que era envolvido no mundo das drogas, já era complicado, mas os outros dois eram alunos danados, mas que a gente não pensava que fosse terminar assim. Então assim, foi meio que decepcionante, parece que nosso trabalho foi todo por água a baixo, que a gente não fez nada, sabe? A gente fica meio que se sentindo um pouco impotente, a gente olha assim e diz “poxa, a gente devia ter feito mais, podia ter tentado fazer diferente”, mas...

Rosa demonstra o desapontamento que sente quando de ocorrências como esta, assim como todos os profissionais da escola. Revela que se acha impotente, fica se questionando quanto ao seu trabalho, as atitudes que poderia ter tomado para impedir que seus alunos se envolvessem com a droga e com o crime, mas, ao mesmo tempo, sabe que sua intervenção não teria como ir além das conversas, dos conselhos. Entende que, em casos como esses, a escola é um espaço que reflete a sociedade em curso.

A professora, que já está nessa escola há dez anos, comenta que é uma alegria inexplicável quando encontra seus ex-alunos concluindo a educação básica, desejando cursar

uma faculdade, trabalhando ou com suas famílias constituídas. Tem a sensação de que pelo menos no período em que estiveram com ela, seu discurso sobre a continuidade nos estudos, seus conselhos e suas orientações podem tê-los ajudado. Quando tem notícia, todavia, daqueles que tomaram o caminho do crime e do vício, conta que fica realmente abalada por não ter logrado mudar o rumo da vida daquele que, um dia, fora uma criança, seu aluno; sua fala a seguir expressa esse sentimento:

Passaram-se dez anos e eu vejo meus alunos que estavam no 5º ano fazendo o 2º, o 3º ano do Ensino Médio, sabe, e quando eu encontro com eles, que eles estão trabalhando, é uma realização! Mas quando você vê que eles se perderam, aquela sensação é uma sensação horrível, sabe? Então assim, eu me preocupo demais quando eu vejo esses alunos que estão se desvirtuando para o caminho do crime mesmo, das drogas. Por mais que você não queira, você cria vínculo, principalmente a professora que é do (Ensino) Fundamental, que está lá todo dia com o mesmo aluno. Então assim, é muito difícil, infelizmente faz parte da nossa vida.

A professora Margarida também se preocupa com as referências familiares de muitos alunos da escola em que trabalha; como reside na comunidade, conhece os alunos e suas famílias e se entristece pelo caminho que algumas de suas crianças tomam para sua vida, seguindo o exemplo dos pais: “a maioria deles, ex-alunos, já entrou nas drogas por causa do pai, da mãe. O único referencial foi esse: a vida fácil através da droga, inclusive no fundo dessa escola tem uma boca de fumo que é a casa de um aluno meu do 4ª ano”.

Em decorrência dessa realidade, assevera que procura mostrar a educação como o único meio que seus alunos têm para mudar sua situação social. Dá exemplos de jovens da comunidade, conhecidos deles, que procuraram o caminho que achavam mais fácil para ganhar dinheiro, mas que também tiveram suas liberdades ou suas vidas ceifadas por conta disso. Explica para eles que também nasceu e cresceu naquele ambiente social, com todas as possibilidades que eles conhecem, mas teve sua mãe como referencial para ir em busca de uma vida melhor, diferente daquela que muitos amigos de infância e adolescência seguiram.

Para Margarida, o contexto social daquela comunidade exige dela mais do que ensinar conteúdos aos alunos, requer mostrar a existência de alguém que se importa com a vida e com as escolhas que eles fazem: “acho que o nosso trabalho maior como professores é despertar esse olhar para o futuro, mostrar que existe outras coisas e que as crianças podem sonhar com um futuro diferente”.

A professora registra, todavia, o fato de que muitos docentes, recém-admitidos do último concurso, pediram exoneração pouco tempo depois que começaram a trabalhar na escola. Para ela, esses professores desistiram ao arrastarem toda a problemática que envolvia

aquele específico ambiente escolar; não estavam preparados para enfrentar aquelas situações; ela ressalta:

É menino que briga com pai, é menino que presencia a morte não sei de quem, é menino com doença, são “n” problemas. Você só acaba sendo tudo na sala de aula e para você ser esse x-tudo você tem que estar sempre preparada para receber essa clientela, solucionar alguns problemas e saber até onde pode entrar.

Margarida reconhece que é muito difícil lidar com essa realidade, porque são pessoas em decurso de desenvolvimento, e, na perspectiva de oferecer uma melhor formação para eles, o professor tem que ir ao encontro de muitos problemas, diversos dos quais não pode solucionar nem deve se envolver demais, para a própria segurança.

A professora Acácia relatou diversas situações em que o contexto social interfere na sua atuação profissional na escola. Argumenta que se preocupa com seus alunos e sente vontade de ajudá-los a superar alguns problemas, inclusive quando envolve suas famílias, mas, por certas situações constrangedoras que já vivenciou por conta disso, se policia muito para perceber até onde pode ir.

Na entrevista, conta que, em uma dessas ocorrências, uma das mães chegou à escola transtornada, arrastou o filho da sua sala de aula e começou a gritar com ele e a agredi- lo no pátio, chamando a atenção de toda a escola. Ela tentou acalmar os demais alunos e, em seguida, foi tentar tranquilizar a mãe para que ela e seu filho pudessem conversar, mas acabou sendo agredida também. O motivo da violência não foi esclarecido e tampouco mãe e criança retornaram à escola. Revela que, numa situação como esta, que atingiu diretamente sua prática e seus alunos, é muito complicado para o professor permanecer omisso e fingir que nada aconteceu.

No fragmento a seguir, retirado do seu memorial, Acácia fala sobre os problemas que chegam à escola em decorrência do contexto social e como isso interfere no seu trabalho:

Cada discente tem sua família, suas preferências, suas opiniões e, principalmente, sua história. Ouvi relatos de violência doméstica, de mães que tinham professores como confidentes, tendo que dar apoio em momentos críticos, como denunciar companheiros agressivos e buscar ajuda financeira e psicológica para filhos acuados pelo medo e pela vergonha. Inúmeras foram as situações que, junto com meus colegas, tive que enfrentar e, de algum modo, intervir para amenizar a problemática que chegava à escola e interferia diretamente no nosso trabalho, como mães agredidas pelo próprio filho, briga de gangues no pátio da escola, violência sexual, um grande número de meninas grávidas, alunos assassinados por dívidas de drogas, alunos passando mal por falta de alimentação, dentre outros motivos.

Como pode ser percebido, as experiências vivenciadas pelas professoras no ambiente escolar são impregnadas de problemas e situações com as quais precisam lidar, mas que extrapolam os conhecimentos adquiridos nos cursos de formação. Representam, porém,

questões das quais o professor não tem como se eximir. Sem ter soluções prontas, vai aprendendo a elaborá-las, buscando estratégias para enfrentar as adversidades no próprio desenvolvimento do ofício, no dia a dia, contando, em alguns momentos, com o apoio dos colegas.

4.4.8. O apoio dos colegas e a influência da gestão na prática docente “o que nos dá força

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